Inocentes úteis e companheiros de viagem, expressões banidas nas eleições de 2010
Péricles Capanema
Inocente útil e companheiro de viagem são duas expressões atualmente enxotadas do debate político. São como duas velhotas, saíram de moda, ninguém fala nelas. É uma injustiça, as duas têm personalidade irradiante, são gente boa. É pena terem sido tiradas aos empurrões da sala.
De outro jeito, essas duas expressões, de forma resumida e simples, revelam muito. Desvelam num jato só o que antes estava velado a muita gente. Tem mais: a realidade que põem a nu está cada vez mais importante.
Por isso foram escorraçadas do debate. Estão banidas. Ficaram politicamente incorretas. As patrulhas ideológicas as puseram para correr. O objetivo final não é apenas bani-las, é de que sumam da memória popular.
O inocente útil é o que, sem se dar conta ─ pelo menos é mais caridoso pensar assim ─ facilita a execução do programa, do qual ele é suposta ou realmente adversário. Ajuda a tomada do poder por alguém que, no futuro, vai trucidá-lo, moral ou fisicamente.
O companheiro de viagem é o que caminha junto até um ponto da estrada. Ajuda o parceiro a chegar a um ponto determinado de seu programa. Neste ponto, o que quer continuar, descarta o que pretende parar, pois este ficou inútil ou virou um trambolho. O descarte aqui pode significar desde mandar para casa até fuzilar.
O exemplo histórico mais impressionante é o do duque de Orleans (o Filipe Igualdade). Apoiou a Revolução Francesa, votou a morte do primo, Luís XVI, e depois foi guilhotinado, quando não mais servia aos objetivos revolucionários. Ficou a lição trágica, infelizmente pouco aproveitada. Situações parecidas se repetiram largamente na Europa Oriental nos anos posteriores à 2ª Guerra Mundial, em que o comunismo teve a colaboração de inocentes úteis e companheiros de viagem para tomar o poder e se consolidar nele. Depois, ele torceu o pescoço de seus antigos aliados. A sorte reservada a esses infelizes foi o ostracismo, a cadeia ou a forca.
A língua espanhola é mais rombuda que a portuguesa ao qualificar o inocente útil. Chama-o de tonto útil. O mesmo se dá no inglês: useful idiot, idiota útil. Esta expressão ainda é usada nos Estados Unidos. Não pôde ainda ser totalmente escorraçada. O norte-americano está menos acostumado às mordaças que nós. Lá, a reação contra as patrulhas é bem maior que no Brasil.
Só um exemplo. Tem relação conosco. Semanas atrás, 6 de maio, Jackson Diehl, jornalista do Washington Post, escreveu que Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, tem a convicção que o presidente Lula é um idiota útil, ajudando o iraniano em seus planos de ter a bomba atômica, Com suas trapalhadas diplomáticas, chamadas por Jackson Diehl de vaidade diplomática de Lula, o Brasil só obteria o adiamento das sanções que poderiam ser a última chance de impedir, pela via pacífica, que o Irã tenha a bomba atômica e desequilibre o Oriente Médio, ameaçando a paz mundial.
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Sei bem como é duro ser escorraçado sem motivo. Pois então, como reparação, vou convidar as duas velhotas a retomar seu lugar de merecido destaque na sala dos debates. Estavam no quintal, escondidas, acorrentadas e amordaçadas. Fui lá libertá-las. Elas merecem. Nada fizeram que desmerecesse sua relevância antiga. E, para lhes fazer mais fácil o retorno à normalidade, alguns exemplos logo abaixo indicarão como andaram fazendo falta. Sejam bem-vindas!
No Brasil temos milhões de inocentes úteis e companheiros de viagens. Contudo, o mais conhecido exemplo do inocente útil da atual quadra da política brasileira é o vice-presidente José Alencar. Empresário e fazendeiro bilionário, homem de família, foi presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG). Sua inscrição no PL foi coerente com sua posição: defesa da propriedade privada e da livre iniciativa. Chegou ao Senado. Ali foi pinçado pelo PT para compor a chapa com Lula. Achou bom, ficou feliz. Representava um Estado, o de Minas Gerais, com o segundo maior contingente eleitoral do Brasil. Era alguma coisa. A razão principal, porém, nunca foi essa. O motivo determinante era ser a caução, o avalista de um programa que confessadamente tinha como objetivo fazer no futuro, do Brasil, um país socialista. Nestes oito anos, o PT aparelhou o Estado, perseguiu opositores na sociedade civil, encheu o Supremo de esquerdistas debandados, favoreceu o MST e as invasões e preparou um programa ditatorial e coletivista (PNDH-3, em sua versão autêntica) que aplicará tão logo asfixie as resistências. José Alencar, o bilionário, homem de família, durante todos esses anos, foi a grande caução. Um dia seus herdeiros certamente chorarão a atitude do antepassado ilustre. Como tantos familiares de inocentes úteis choraram na Europa Oriental e alhures.
Outro exemplo, e tomando o gancho da presidência da entidade de classe dos industriais. Acima, foi a FIEMG, presidida anos atrás por Zé Alencar. Agora, a FIESP, mais poderosa e influente, presidida por Paulo Skaf (de momento, licenciado). É candidato a governador de São Paulo pelo PSB. Ou seja, de outro modo, o PSB acha que Paulo Skaf favorece seus objetivos. Se não ajudasse, não o colocaria como candidato a governador de São Paulo. Vamos ver o que o programa do PSB coloca como meta: “O objetivo do Partido, no terreno econômico é a transformação da estrutura da sociedade, incluída a gradual e progressiva socialização dos meios de produção, que procurará realizar na medida em que as condições do País a exigirem”. Logo abaixo, para não deixar dúvidas: “A socialização realizar-se-á gradativamente, até a transferência, ao domínio social, de todos os bens passíveis de criar riquezas”. Em outras palavras, o PSB declara pública e inequivocamente que, de forma gradual, trabalhará pela socialização dos meios de produção. De outro jeito, pela coletivização das fábricas, fazendas, lojas, etc. Seu candidato é o presidente da FIESP, a entidade que agrupa as pessoas que detém no terreno industrial os meios de produção. O presidente da FIESP aceita ser participante da tarefa de matar com asfixia gradual a classe da qual é representante.É outro inocente útil.
Qual o maior exemplo de companheiro de viagem e inocente útil das últimas décadas? A CNBB. Ninguém mais que a CNBB foi companheira de viagem e inocente útil do programa de fazer do Brasil um país libertário e coletivista. Ela apoiou todas as correntes de esquerda nas suas tentativas de tomar o poder no Estado e agrilhoar a sociedade. As comunidades de base, com apoio maciço no Episcopado, ajudaram a formar o PT. Agora que o programa das esquerdas (sempre foi assim) comporta a aplicação do laicismo intolerante e a expulsão de Cristo das escolas, e de qualquer manifestação pública, ela choraminga. Está contra a abolição dos Crucifixos nas salas de aula e nas repartições públicas, o fim das aulas de religião, a generalização do aborto. É ótimo que esteja. Mas ela, como obstinada inocente útil, colaborou para que o Brasil chegasse até as bordas do ateísmo militante. Com sua ajuda, fortaleceu os que agora querem de novo crucificar Jesus Cristo.
Três exemplos. Poderiam ser centenas de milhares. Ou mais. É a maior praga da vida pública brasileira, a presença obsedante dos inocentes uteis e dos companheiros de viagem. Infelicita-a de alto a baixo, por dentro e por fora. Mas sobre ela não se pode dizer uma só palavra. As patrulhas ideológicas proíbem.
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