terça-feira, 23 de julho de 2024

Luzes na estrada embaçada

 

Luzes na estrada embaçada

 

Péricles Capanema

 

Leituras três estrelas. O guia Michelin confere aos melhores restaurantes três estrelas. Vale para a gastronomia, valeria, aplicação análoga, igualmente para as leituras. Fiz leituras três estrelas. Comunico-as. Semanas atrás, com enorme proveito, terminei livro que consagra um autor: “Lições da História da Cultura Jurídica” do professor Ibsen Noronha, lente na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Ainda sob seu impacto benfazejo, perquiri, faz poucos dias, entre os numerosos livros que um dia espero ler, para ver se ali encontrava alguma outra produção do professor Noronha. Encontrei trabalho dele, igualmente valioso e atraente: “Da Contrarrevolução e seus inimigos”. Aliás, com dedicatória do autor, por mim justificadamente muito valorizada. Estou pelo meio do texto.

 

Atualidade candente de reflexões antigas. Adiante. Como chave esclarecedora de suas reflexões, Noronha recorre a texto de 1946, autoria do professor Plinio Corrêa de Oliveira, publicado no semanário “Legionário” em 1º de setembro. É atualíssimo para o Brasil de hoje e assim dele respigo extratos (na íntegra, o texto está na rede).

 

Quem e o que governa os homens. “Todos os homens são governados: poucos sabem precisamente quem os governa. Para o analfabeto, o governo se encarna inteiramente nos agentes mais subalternos do Poder. São símbolos vivos do Estado, por cima ou por detrás dos quais se confundem numa auréola imprecisa e quase irreal as figuras demiúrgicas dos altos governantes. O homem de instrução primária fita essa auréola sem se deslumbrar e discerne melhor os personagens de categoria, nos quais a ideia de Estado e de Governo se encarna. Só o súdito de horizontes um pouco mais largos chega a perceber que, por detrás dos governantes, existe a lei, o Direito, a ordem natural, forças invisíveis e imponderáveis, às quais toca, entretanto, a mais alta parcela do verdadeiro poder.”

 

Influência do dinheiro e da força.  “Mas, é forçoso dizer, poucos são os que transcendem desta esfera comum, para discernir a influência das várias forças sociais no governo dos homens. Sabe-se, por exemplo, de modo impreciso, que o dinheiro é o nervo de muitos acontecimentos. Poucos, porém, seriam os que lhe poderiam apontar concretamente as artimanhas e manejos. À medida que se sobe na escala de cultura, as noções sobre o governo vão ▬ é óbvio ▬ tornando-se menos pessoais, mais genéricas, ricas e precisas.”

 

A força determinante; no caso, verdade fundamental. “Mas serão pouquíssimos os que possam atinar com a verdade fundamental. Para a descobrir, não basta inteligência nem cultura. É preciso algo incomparavelmente mais precioso: bom senso, e o que o bom senso ensina é que os homens são governados por forças mais ativas e subtis do que a espada ou mesmo o ouro.”

 

O mundo é governado pelas ideias. “Diga-se o que se disser, o mundo sempre foi e será sempre governado pelas ideias. Enganam-se os observadores superficiais que julgam que o mundo de hoje escapou ao domínio dos pensadores profundos, porque os infólios destes se cobrem por vezes de poeira, ignorados e obscuros, nas prateleiras de certas bibliotecas. A glória do intelectual é que ele domina até quando parece não dominar. Obedecem-lhe os que nunca o leram. É que as ideias passam das altas paragens da vida intelectual para a massa da sociedade, não só pela aula ou pelo livro, mas por uma osmose multiforme e obscura, em que está sua maior capacidade de expansão. Elas filtram da Filosofia ou da Teologia para as outras ciências, invadem muito de manso o terreno das artes, fornecem à grande feira de ideias, que é a imprensa, a matéria-prima para o varejo quotidiano, propagam-se pelos resumos, pelas repetições e pelo plágio, e, assim repetidas de mil modos, correm cidades e campos, transpõem montes e mares, espreitam o momento mais oportuno para tomar de assalto as mentalidades, e acabam dirigindo o modo de sentir e de agir, de viver, de trabalhar, de descansar e até de morrer de milhares de seres, com uma precisão e uma segurança que o decreto policial mais tirânico jamais lograria alcançar.”

 

A sala universitária, a grande sede do poder. “Não espanta, pois, que vejamos a sede do verdadeiro governo do mundo, não nas assembleias legislativas ou diplomáticas ruidosas e inúteis, de que tanto se ocupa a imprensa, mas nas universidades onde silenciosamente se elabora o futuro das almas e das nações.” De outro modo, fonte, meio nutritivo, foco de irradiação.

 

* * *

 

Enriquecimento posterior. Até aqui a citação. Nem o ouro (o dinheiro), nem a espada (a força) são decisivos, foi o acima afirmado. Verdade que vale para todas as épocas, para todos os países. Em 1959, o professor Plinio Corrêa de Oliveira, no ensaio “Revolução e Contrarrevolução” enriqueceu a noção acima, acrescentando a importância das tendências para a formação das ideias que depois desembocarão nos fatos. Disto não tratarei, é assunto que transcende os limites estreitos do presente artigo.

 

Exemplo instrutivo. Ilustro com exemplo importante e concluo. Durante todo o período do governo militar (1964-1985), com notáveis exceções, a universidade no Brasil foi couto e caldo de cultura para toda forma de esquerda. À vera, continuou a marcha já existente e até preponderante. Ou seja, agravou fenômeno que já vinha de longe, permitiu displicentemente que se formassem gerações que, anos depois, para desgraça nossa, imprimiram enérgico rumo de retrocesso ao Brasil. Já em 1961, Nelson Rodrigues podia escrever: “Hoje em dia, chamar um brasileiro de reacionário é pior do que xingar a mãe. Não há mais direita, nem centro. O brasileiro só é direitista entre quatro paredes e de luz apagada”. O clima ficou mais pesado com o correr dos anos. Inexistiu quase por inteiro a pugna das ideias. Imaginava-se, ▬ Deus meu, tanta inconsequência e superficialidade! ▬, a formação doutrinária seria perda de tempo. Com isso, o pragmatismo mais rasteiro levou a melhor décadas a fio. Com efeito, em muitos círculos predominava a convicção simplista de que seria suficiente a propaganda da eficiência e da honestidade, virtudes tidas por apanágio dos que então governavam o Brasil ▬ tivemos os anos da tecnocracia. Resultado, entre outros males, o público, mesmo o letrado, afundou ainda mais na imaturidade intelectual, superficialidade, otimismo, adubando campo propício para a demagogia que vem avassalando o país desde há muito. Outro resultado, generalizou-se a ineficiência, desperdício e ladroagem.

 

Luzes que dissipam a neblina. Fulgurações do alto iluminaria a estrada, contribuiriam para dissipar a neblina ▬ a supremacia inafastável do leal e firme combate doutrinário. Em miúdo, ênfase em princípios, bom senso, fuga de soluções mágicas e formação de hábitos que moldam mentalidades. É a via real, a única de fato, para aperfeiçoar as personalidades, caminho para futuro exitoso. Em suma, temos pela frente enorme tarefa, de esteio doutrinário, que requer esforço sistematizado, clareza de vistas e concepções, convém lembrar, ligadas às origens do Brasil, a busca efetiva, ainda que tateante no início, da ordem temporal cristã. Sem caminhada por aí, clareada de cima pela graça divina, desnorteados vagaremos sem fim na estrada embaçada, permanecendo presa fácil de demagogos. Ponto final.

 

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Escolhas mortais para o Brasil

 

Escolhas mortais para o Brasil

 

Péricles Capanema

 

Opções letais. Vou tratar de um tipo de escolhas aliciantes, quase irresistíveis, aparentemente vivificantes e restauradoras, mas que trazem, logo na esquina, consequências sinistras. São como tentações, assolam toda a existência, de alto a baixo, dos assuntos mais corriqueiros até os mais decisivos. Dois exemplos. O obeso que sempre escolhe comer mais um doce e logo na frente se depara com a condição de obeso mórbido; doente grave, sequelas sérias, tratamento difícil. O país que sempre gasta além do orçamento (nosso caso, torramos dinheiro público muito além do possível) e logo depois, a economia fica enferma, caem sobre nós inflação, recessão, queda de produção, desemprego, com sofrimentos muito maiores dos pobres. Paro por aqui, os exemplos seriam infinitos. Abaixo vou me ater a realidade conexa, mas distante dos exemplos acima, sobretudo terão laços com a independência e soberania nacionais, com reflexos imediatos na preservação das liberdades naturais do brasileiro comum ▬ entre outras, opinar, estudar, escolher profissão e local de residência, casar, ter propriedade, empreender, praticar a religião.

 

Comandante em Pequim. Começo. O general Tomás Paiva, comandante do Exército, visitará oficialmente a China comunista entre 4 e 14 de julho próximos. Entre outros compromissos, reunir-se-á com o chefe do Exército chinês. O Brasil tem particular interesse de intercâmbio e compras na área cibernética, munição pesada e blindados. A justificação maior [motivo oficial, bem entendido; nas comunicações oficiais, sabe-se, muitas vezes o expresso vela a realidade] para a visita é o interesse brasileiro de manter relações próximas com os países do BRIC, em especial, óbvio, com Rússia, China e Índia. Com relação à Rússia, por agora em guerra, não convém visitas. O referido general já visitou a Índia. Na aparência, visita corriqueira. Não é.

 

Avibras na balança. Melhorando, Avibras balança. Temos aqui uma escolha mortal. A visita se dá quando está na agenda das relações entre Brasil, China e Estados Unidos, de forma relevante, item bem delicado ▬ gravíssimo. A ele. O Brasil tem uma grande fabricante de material militar, capital privado, a Avibras Aeroespacial. Recordando, a Avibras, fornecedora das Forças, mais de 50 anos em atividade, sede em São José dos Campos, tem importância especial pela produção do Sistema ASTROS, capaz de lançar mísseis de cruzeiro e foguetes guiados. A mais, ela fabrica ainda motores foguetes para a Marinha e Força Aérea. A seguir, mais dados fundamentais. No site da empresa, informam-se em linguagem técnica diferentes produtos que denotam a importância de sua atividade para a defesa do Brasil. Entre os anunciados, “sistemas fixos ou móveis de C4ISTAR (Comando, Controle, Comunicação, Computação, Inteligência, Vigilância, Aquisição de Alvo e Reconhecimento) e Aeronave Remotamente Pilotada (ARP) - o Falcão”. No mesmo texto informativo, a empresa mostra sua posição ímpar para a segurança nacional: “com a certificação do Ministério da Defesa como “Empresa Estratégica de Defesa - EED”, a Avibras tornou-se ainda mais competitiva nos mercados interno e externo.” Em resumo, as Forças a consideram de importância estratégica para a defesa e soberania nacionais.

 

Impasse trágico e saída tentadora. Pesa sobre a Avibras, padecendo hoje recuperação judicial, a espada da falência próxima. Segundo a revista Sociedade Militar, sua dívida é de R$600 milhões. E não tem como pagá-la. Falida, sumirá do mapa. Seus produtos deixariam de ser oferecidos às Forças, surgindo novos fornecedores, nacionais ou estrangeiros. Quais? Incógnita, de momento. Para evitar o desenlace trágico, a empresa tentou várias parcerias, mas fracassou em todos os tentames. Depois das referidas tentativas, de Pequim lhe foi lançada uma corda aliciante: a NORINCO, estatal chinesa, compraria 49% do seu capital social, consertaria as contas, arranjaria clientes e faria a Avibras prosperar de novo. Carta da NORINCO já foi enviada ao governo brasileiro, propondo o negócio. Arapuca, se quisermos. A corda lançada de Pequim evitaria o naufrágio. A empresa, mais ainda, o governo e as Forças, que atitude devem tomar? Segurar a corda? Dar-lhe as costas? Afloram, compreensivelmente, os choques de opiniões dentro do aparato militar e do governo. A Folha informou, existem generais brasileiros na ativa simpáticos à ideia, o que permite levantar a hipótese de trabalhos de convencimento a favor da NORINCO. Os Estados Unidos ameaçam reagir ao possível fato novo (estatal chinesa detendo importantes segredos militares brasileiros) com embargos devastadores de tecnologia de ponta, pois a Avibras detém conhecimentos sensíveis, oriundos de lá, cuja captura pelo governo de Pequim poderia ameaçar interesses norte-americanos vitais. Este tema, candente em Washington e Brasília, plausivelmente será ventilado e encaminhado nas conversas do general Tomás Paiva em Pequim. Para que rumo o general, obedecendo diretrizes do governo petista, orientará as conversas? Há apreensões. Fundadas. A saída simples [e devastadora] está clara: a estatal chinesa assume o leme, salva a empresa, mantém os empregos [a empresa demitiu 420 colaboradores de uma só vez], segura a produção, deixando ainda o sócio brasileiro com o controle formal: 51% das ações. Aparentemente persistiria o controle nacional sobre a produção de armamento e sistemas de altíssima importância. Me engana que eu gosto. Sem disfarces, seria um passo a mais na aproximação do Brasil com a China. Aproximação? É a palavra certa? O termo à vera rescende a eufemismo. Na prática, o que acontecerá é inserção ainda maior do Brasil na zona de influência chinesa, com restrição ainda maior a sua liberdade de movimentos. Em tal relação, é impossível não perceber traços evidentes da antiga relação, tão increpada e com fortes razões, das potências colonizadoras europeias com seus povos colonizados.

 

Política permanente. Lembrei acima, o Brasil (e agora incluo os países da América Latina em geral), cada vez mais, têm em relação à China a mesma relação que os povos colonizados tinham com as potências colonizadoras europeias do século XIX e XX. As colônias enviavam a matéria-prima, preço camarada, as indústrias nas metrópoles processavam-na agregando valor, e devolviam-na como manufaturados caros. Farei aparente desvio; de fato, continuarei no tema. Exemplo doloroso atual é o caso do aço, nervo da industrialização. No início do século XXI, a América Latina fabricava 6,6% do aço mundial. Em 2023, fabricou 3,1%. A associação Latino-Americana do Aço (Alacero) acusou a China de invadir a região com aço barato, provocando a retração da indústria. Afirma Alejandro Wagner, diretor-geral da Alacero: “Entre 2000 e 2023, a China aumentou sua produção de aço em 700%. Passou da produção de 15% do aço mundial para 54%”. As exportações de aço da América Latina para a China caíram 94% de 2000 a 2023. As exportações de aço da China para a América Latina, no mesmo período, subiram 8.690%. Ao mesmo tempo, a exportação de matéria-prima para a China (ferro, soja, petróleo, carne etc) aumentou em 1.500%. No período analisado a produção chinesa saltou de 128,5 milhões de toneladas de aço anuais para 1 bilhão de toneladas. Deste total, 90 milhões foram exportadas; 10 milhões para a América Latina. O Brasil compra hoje da China 17% do aço que consome.

 

Reprimarização. Alejandro Wagner fala de processo em curso, a “reprimarização” (desindustrialização acelerada, em especial no setor do aço, retorno à venda para o Exterior de matérias-primas e compra de material manufaturado), provocado em boa parte pela invasão de produtos chineses. Trará empobrecimento, salários menores em média (já está causando), menos ofertas de empregos, perenização de padrões próprios ao chamado Terceiro Mundo. Com efeito, é fenômeno notório, a indústria vai se encolhendo, a exportação de matérias-primas para a China aumenta e avança. Como nos tempos coloniais, indústria manufaturadora nas metrópoles, produção de matéria-prima para exportação nas colônias. Em linhas gerais, a indústria de transformação chegou a representar em 1985, 35,9% do PIB. Hoje está por volta de 12%.

 

Uma proposta não factível. Tarifas inibidoras sobre o aço chinês? Taxar alto na entrada. Seria uma saída, ainda que parcial. Posta a situação presente, Alejandro Wagner exprime opinião generalizada, acha difícil tarifas decisivas no caso brasileiro; o Brasil no seu comércio exterior já está muito dependente em sua economia das exportações para a China, e assim, temendo represálias, não teria força suficiente para proteger com inteira eficácia a produção nacional, que, no caso, enfrenta subsídios do governo chinês e queima de estoques muito altos. Em linguagem diplomática, Alejandro Wagner afirma que o nível de comércio entre o Brasil e a Cina “limita sua capacidade de impor tarifas”. São escolhas aliciantes feitas há muito tempo (entre outras, promessas de aumento rápido das exportações e da entrada de dólares), mantidas agora em parte pelo temor de represálias (no caso do governo petista, também por afinidade ideológica, amizade com a China, rejeição aos Estados Unidos). Escolhas funestas.

 

O Sul global numa América Latina chicoteada pela reprimarização. A “reprimarização” da América Latina (e do Brasil em particular) descrita, ressaltada e prevista por Alejandro Wagner, realidade já antiga, que se impõe gradualmente, acontece na ocasião em que, estimulado pela China e na prática comandado por ela, forma-se um conjunto meio confuso e um tanto informal de nações (melhor, Estados) intitulado o Sul Global, realidade nova construída com muita propaganda e cuidados. O Sul Global tem clara nota antiamericana, visa diminuir e cercear os Estados Unidos (ampliando, o Ocidente). É um cerco, afinal. Lula no Brasil é entusiasta do Sul Global. Se feitas, serão também escolhas mortais, aliciantes pelas promessas de maior comércio internacional, presença mais efetiva no mundo, troca de conhecimentos e vai por aí afora. Na realidade, teremos, com o tempo, um bloco de nações antiamericanas avassaladas por Pequim. Se quisermos, trabalhando contra os interesses do Ocidente. Nelas, as liberdades naturais, como nos modelos festejados (China, Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, entre outros) serão paulatinamente asfixiadas. Em linha com tal quadro, Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, satisfeita, declarou em Pequim: “Os EUA atravessam uma imensa crise, e em decorrência disto, mas também em decorrência do crescimento do resto do mundo vivemos um momento marcado pelo declínio da hegemonia, da influência dos Estados Unidos”. Continuou: “Como diria o comunista Antônio Gramsci, o velho mundo não funciona mais de forma adequada, mas apesar disso o velho mundo continua forte. O novo mundo precisa surgir e já está surgindo. Mas esse novo mundo ainda não conseguiu se firmar”.

 

Um mal-entendido que precisa acabar. Escrevi acima, o Sul Global está sendo pensado e construído contra o Ocidente. Pura verdade. Mas a mera menção “contra o Ocidente”, sem explicação aclaradora, por causa de mal-entendido de décadas, talvez de séculos, prejudica gravemente em particular nos Estados Unidos os interesses da América Latina. Para a generalidade da opinião pública dos Estados Unidos, a América Latina não pertence ao Ocidente. Portugal pertence. Espanha pertence. Nós, América Latina, somos Terceiro Mundo. É lá generalizada a opinião de que o dever maior do país é manter o Ocidente em sua área de influência: Europa, Canadá, Austrália, Nova Zelândia. Ainda, por razões diversas, “cum grano salis”, nessa lista se poderiam incluir Filipinas, Japão, Coreia do Sul, Taiwan. África e América Latina são Terceiro Mundo, com o qual parte importante da opinião pública norte-americana, de maneira muito genérica, sente obrigação menor de evitar o avanço chinês. Referidos países não se encaixariam no conceito de “West” e de “western values”. E assim, é propensão ativa, posta a obrigação maior de preservar o Ocidente, não seria tão catastrófico, como no caso de país europeu, caso países do Terceiro Mundo se tornassem Estados vassalos de Pequim. A verdade histórica é outra e precisa ser realçada, cultivada e fortalecida: os países latino-americanos pertencem inteiramente à área ocidental de civilização, por seu passado e valores transmitidos e cultivados, ainda que, geralmente, tenham desenvolvimento econômico menor. Falta aqui esforço de esclarecimento gigantesco tanto nos Estados Unidos como em cada país da América Latina para extinguir o mal-entendido. Transcende, é óbvio, em muito o escopo do presente artigo tratar do assunto.

 

Luvas de pelica. Chegou a hora da conclusão. É evidente, constitui tema delicadíssimo as relações comerciais entre Brasil e China, prenhe de enormes repercussões na economia brasileira, em especial no agro. A questão deve ser tratada com com luvas de pelica, sem agredir interesses legítimos, tantas vezes essenciais. Contudo, é imprescindível, para levá-la adiante com vantagens contínuas e perenes para o Brasil (e para a América Latina), ter clareza solar a respeito do quadro inteiro, para a qual espera terem contribuído as considerações acima, ainda que pobremente. Andar no escuro, tombo certo.

 

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Artigos com alusões próximas ou remotas à reforma agrária de 2015 a 2022

 

Artigos com alusões próximas ou remotas à reforma agrária de 2015 a 2022

 

Péricles Capanema Ferreira e Melo: periclescapanema@terra.com.br

 

1) Postado em 7.10.22

Embuste

 

Péricles Capanema

 

Ambiguidade, tática generalizada. Até agora, com surpreendente êxito, pelo que se percebe. Políticos e personalidades dos mais variados âmbitos da vida pública (melhor, da vida que se publica) brasileira estão manifestando apoio a Lula no 2º turno, alegando como razão principal ou única o compromisso com a democracia da chapa petista ▬ PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL, Rede, Solidariedade, Avante e Agir. Compromisso que autenticamente não pode existir se o PT não renegar princípios e atuação política de décadas num mesmo rumo. Conduta e princípios, reitero. Se renegar, o que sinceramente duvido, ótimo. Estaria aberto o caminho para aceitar o compromisso de não lesar a democracia e respeitar a Constituição. Se não renegar, o compromisso (que até agora de forma inequívoca não houve, haja vista a recorrente afirmação de regulamentar a imprensa), será hipócrita, oco, mero engodo para obter apoios políticos e votos. Outra razão alegada pelos adesistas (kerenskys de 2022), a expectativa de condução responsável da economia, mesmo com atropelos na prática democrática. Haverá tal condução? Análise madura, enraizada na experiência anterior e na história de partidos semelhantes, apontam para destruição dos fundamentos saudáveis da economia, três dos quais, já se vê, inexistirão certamente: âncora fiscal, segurança jurídica, atração de investimentos. Daí, menos emprego, menos renda, salários mais baixos. O que se ouviu até agora da parte de economistas e figuras do setor financeiro foi decepcionante, para dizer o mínimo, aceitação de um cheque em branco. Na prática, a coligação lulista recebe os apoios, mas continua nadando no pântano das ambiguidades. Nenhuma clareza, nenhum compromisso formal.

 

Retrocesso, atraso, obscurantismo. A ausência de limpidez, a fuga célere dos esclarecimentos, a obscuridade empregada como arma política, a persistente e difusa ambiguidade, a manutenção obstinada incerteza quanto aos rumos, a confusão em que potenciais aliados são mantidos, a opacidade cultivada (não transparência) geram profunda suspeição quanto à conduta futura, degradam a vida pública e adensam o ambiente obscurantista, já pesadamente tóxico. São retrocessos na dura caminhada nacional rumo a uma vida pública decente. Esta ambiguidade, contudo, no caso esconde clareza solar, facilmente perceptível para observadores atentos. As razões últimas do procedimento petista são diáfanas: já existem os compromissos e as intenções e eles não serão abandonados. No máximo, se pressionados, serão aplicados com gradualismo ▬ é programa de asfixia progressiva de direitos, possibilidades e liberdades.

 

Embuste e exclusão social. Uma vida pública estaqueada despudoradamente sobre a ambiguidade significará a aceitação permanente do embuste como componente da política brasileira. Levará para a exclusão, afugentará da benéfica participação nos assuntos do bem comum milhões e milhões, dispersos em todas as condições sociais, desgostosos com o ambiente carente de decência, clareza e firmeza. O que, obviamente, dificultará a inclusão social crescente, sempre urgente, proveitosa e necessária dos excluídos da sociedade brasileira. Inibirá avanços civilizatórios.

 

Democracia fake como recurso eleitoral. Para legitimamente afirmar que o PT e Lula representam garantia democrática, já disse e repito por necessário, é indispensável deles exigir previamente a censura às ditaduras liberticidas do mundo inteiro. Não quer a democracia e nem a garante quem apoia Cuba, Venezuela, Nicarágua, Rússia e China. E repetidamente os apresenta como inspiração. Todos viram, os tiranos no mundo inteiro ficaram eufóricos com a vitória de Lula no 1º turno. A euforia das tiranias evidencia rumo incontroverso em possível vitória petista. Exemplo disso constitui a carta jubilosa de Daniel Ortega, o cruel ditador da Nicarágua, que anda encarcerando os bispos católicos que cometem a ousadia suprema de discordar de sua repressão dos anseios populares: “Querido companheiro e irmão Lula: a luta continua e a vitória é certa, estamos com vocês, com Rosângela, Dilma, Gleisi, percorrendo novos caminhos”.

 

Princípios liberticidas. Não basta exigir que reneguem o comportamento. Por obrigação de coerência, imposição da incoercível força da lógica, é preciso ir além e mais fundo. A persistente e reveladora conduta liberticida do PT, que vem desde sua fundação há mais de 40 anos, apoiando por todos os modos, até financeiramente, tiranias mundo afora (antidemocráticas, em outras palavras) está em consonância com seus princípios fundacionais; melhor, decorre deles. Uma coisa é pendor autoritário, outra, pior, é doutrina totalitária. E é totalitária a doutrina fundacional do PT, alma propulsora da organização e de seu modo de agir, nunca renegada, exposta, aliás, de modo aberto, em sua “Carta de Princípios”, datada de 1º de maio de 1979, postada há anos com destaque no site do partido. Proclama ali basear sua concepção de governo na democracia direta ▬ nenhuma palavra de compreensão para a democracia representativa ▬ dirigida pelos trabalhadores [uma das maneiras de afirmar que visa o governo dos sovietes]: “[o PT] afirma, outrossim, que buscará apoderar-se do poder político e implantar o governo dos trabalhadores, baseado nos órgãos de representação criados pelas próprias massas trabalhadoras com vista a uma primordial democracia direta”. Conselho de trabalhadores; soviet em russo é conselho. Não só o PT desperta preocupação. O mais importante aliado do PT na chapa, o PSB, tem programa descarado (meta ambicionada, a ser perseguida paulatinamente) que nega a propriedade privada no campo ▬ estatização total. No futuro, segundo os delírios programáticos do PSB, o agro nacional será composto de grandes fazendas estatais, “kolkhozes”, modelo já aplicado por décadas, para ser claro. O PSB em seu programa reconhece disfarçadamente realidade em geral ocultada: o desastre pavoroso do atual modelo de reforma agrária que empilha fracassos, vai abandoná-lo. O texto traz pequena concessão ao estatismo delirante: para pequenas propriedades, será facultado usufruto para particulares, quando necessário, mantido o domínio estatal. Aqui vai o programa do PSB, postado no site do partido: “Da terra: a socialização progressiva será realizada [...] organizando-se em fazendas nacionais e fazendas cooperativas assistidas. [...] O programa de latifúndio será resolvido por este sistema de grandes explorações, pois sua fragmentação trará obstáculos ao progresso social. [...] Será facultado o parcelamento das terras da nação em pequenas porções de usufruto individual, onde não for viável a exploração coletiva”. Não esclarece se o domínio das fazendas coleitvas será do Estado; é o que seria coerente com a inspiração geral do programa de funda raiz socialista, ódio à propriedade particular. De outro modo, dezenas de milhões de empregados do Estado ou dele dependentes, sujeitos a gigantescas estruturas burocráticas. Receita certa para atraso, retrocesso, tirania, pobreza, roubalheira. E o modelo conselhista de governo (sovietes), ambicionado pelo PT, também, na prática, trouxe, não o mítico governo dos trabalhadores, mas a tirânica direção burocrática partidária do Partido Comunista, que tudo esmagou. Tirania e pobreza para o povo, no meio do desperdício generalizado, roubalheira correndo solta, atrofia e asfixia sociais. É o resultado, já comprovado pelas experiências históricas, da aplicação na prática dos delírios ideológicos do PT e do PSB. De momento, realidade macabra que nos ameaça, de momento pelo emprego amplíssimo do embuste, ainda que com aplicação compassada.

 

2) Postado em 28.10.2022.

 

O logro do arroz orgânico

 

Péricles Capanema

 

Estacas firmes nos pântanos da credulidade. O PT vive de iludir. Tem vida para muitos anos, infelizmente existe gente à beça que é desatenta, ingênua, ou até que gosta de ser enganada. Caso recente, o elogio do MST como produtor rural, feito por Lula na recente entrevista ao Jornal Nacional. Vamos esmiuçá-lo, olhar de perto, é exemplo valioso do vezo petista de tapear.

 

É essencial diminuir a rejeição. Para ganhar a eleição, o morubixaba petista precisa baixar a rejeição a ele e ao PT, associados no imaginário popular a roubalheira, carestia, amizade com ditaduras. Um dos pontos em carne viva é o MST e logo atrás, na mesma linha, INCRA, invasões de propriedades e reforma agrária. O MST é ainda associado ao terrorismo. Na campanha de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro chegou a declarar: “Nós temos que tipificar suas ações [do MST] como terrorismo”. E aqui, decorrência lógica, perseguição ao produtor rural. O pacote macabro tem outros componentes. Em suas gestões, Lula e Dilma, o PT entregou o INCRA às suas bandas mais extremadas. A presidência do INCRA e as superintendências regionais eram consideradas quase como couto da corrente interna Democracia Socialista, que abrigava os setores mais extremados da seita petista. Aboletados no INCRA, os corifeus da Democracia Socialista agiam em sintonia com os chefes do MST. Lula, José Dirceu e outros da direção partidária se distanciavam assim dos desmandos da organização chefiada por Pedro Stédile, ainda que solidários com ela. O bloco controlador do partido pertencia ao grupo Construindo um Novo Brasil (CNB), abrigo dos políticos que alardeavam programa menos assustador. Não nos iludamos. Se Lula ganhar, volta renovado e fortalecido, por inteiro, esse show lúgubre. O INCRA, de novo, será entregue às alas mais extremadas. E boa parte de suas superintendências. Nos bastidores, o acordo já está feito e prometido o botim. O MST, sob o comando de Pedro Stédile, sintonizado com a nova direção do órgão estatal pilotado por extremistas, voltará a aterrorizar o país.

 

Me engana que eu gosto. Na sua necessidade inafastável de baixar a rejeição, Lula declarou na entrevista ao Jornal Nacional: “O MST está fazendo uma coisa extraordinária: está cuidando de produzir. Não sei se você sabe, o MST, hoje, tem várias cooperativas e o MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil. Você tem que visitar uma cooperativa do MST, Renata. Você vai ver que aquele MST de 30 anos atrás não existe mais”. Nada mais simpático que a produção de alimentos orgânicos. Nada impressiona melhor que ser, na modalidade orgânica, o maior produtor nacional de alimento básico na mesa do brasileiro, o arroz. Cereja no bolo, o MST mudou, está manso, produz.

 

Os fatos. O candidato petista se referia à produção do MST no Rio Grande do Sul, que colhe 70% do arroz orgânico produzido no Brasil. Na safra de 2022, os assentamentos do MST (dados deles) colheram 15,5 mil toneladas ▬ Cooperativa Agropecuária Nova Santa Rita, assentamento Capela, região metropolitana de Porto Alegre, expectativa de produção, 15,5 mil toneladas de arroz orgânico. O Brasil é autossuficiente na produção do arroz, colheita e consumo em torno de 11 milhões de toneladas anuais. Exporta em torno de 1,5 milhão de toneladas, importa arroz da Argentina e Paraguai. O consumo diário de arroz no Brasil está por volta de 33 mil toneladas. Esteado sobre tais dados, a produção de arroz orgânico trombeteada pelo MST daria para atender a aproximadamente 11 horas de consumo no Brasil. Menos da metade de um dia. E aqui estou admitindo como inteiramente idôneos os dados fornecidos pelo MST (useiro e vezeiro na utilização de fraudes e mentiras), total de produção e inexistência do uso de agrotóxicos.

 

Mais fatos. Em 26 de agosto, Vlamir Brandalizze, engenheiro agrônomo altamente considerado no ramo, teve palavras esclarecedoras, divulgadas pela Gazeta do Povo: “O consumo diário de arroz pelo brasileiro é de 33 mil toneladas. Se fosse viver do arroz orgânico do MST, teríamos alimento só para meio dia de consumo da população, ou nem isso, apenas 10 horas. E nem sei se é garantido que se colha tudo isso, porque o arroz é uma cultura exigente no controle de pragas e doenças”. Continuou o especialista: “É um nicho muito específico, que atende uma fatia muito pequena da população. E para conseguirem viabilizar isso, eles têm que vender muito caro”. A “Gazeta do Povo” pesquisou os preços. Arroz orgânico Tio João custa R$15,89 o quilo. Arroz convencional do mesmo tipo R$5,19 o quilo. De outro modo, o MST produz para nichos ricos, é produto “premium”. Pobre não compra arroz orgânico. Observou ainda Vlamir Brandalizze, para ser viável economicamente, é preciso colher entre 8 e 10 toneladas de arroz por hectare. Enfatizou: “Em qualquer lugar do mundo, seja na China, na Tailândia, na Indonésia ou no Brasil. O pessoal do orgânico colhe de 3 a 4 toneladas, eles não conseguem produtividade. Daí, não tem como ser barato. Podem não gastar com fertilizante e defensivos, mas também não colhem”.

 

O logro do MST pacificado. O MST será, no governo petista, não o produtor do arroz orgânico, mas, como sempre foi, o espantalho a ser brandido para tornar mais flexível a classe de produtores rurais às imposições do governo petista. O arroz orgânico colhido pelo MST é mais uma mistificação do arsenal petista de artimanhas para embair a opinião pública. Deixando de lado fantasias, o partido pode até ter êxito na manobra, mesmo que parcial, o que já seria meia vitória: existem crédulos em todos os lugares e condições sociais, impressionam-se facilmente com patranhas bem empacotadas.

 

3) Posta\do em 16.6.2022

 

Franquezas benfazejas de patriota lúcido

 

Péricles Capanema

 

O verdadeiro afeto nutre a sinceridade. Ou a franqueza, tanto faz. Semanas atrás recebi com especial agrado presente valioso de amigo antigo e próximo, era livro que ele sabia ser de meu gosto; encontrara-o, creio, em andanças pelos sebos. “Aparências e realidades”, o título do volume, edição de 1922 (Monteiro Lobato & Cia Ltda), reúne coletânea de Gilberto Amado (1887–1969), escritos respigados entre 1919 e 1922. Vou destacar aqui apenas trechos de um dos trabalhos “A propaganda maximalista e a sua superfluidade”. Maximalista, na linguagem da época, significava comunista. Propaganda comunista, portanto, no Brasil de 1920. Será, linhas gerais, artigo de transcrições. A matéria de Gilberto Amado ▬ hoje especialmente atual, penso, no aspecto que destaco ▬ contém análise severa sobre características do povo brasileiro. Borbota viva, ouso afirmar, do enorme afeto que tinha pelo torrão natal, esteado na veracidade, honestidade e funda percepção. São franquias, direitos concedidos ao afeto autêntico, no caso dele isento de ufanismos ocos e chavões distantes do real.

 

Atalho necessário. Faço um volteio. Para entender de forma arejada e aproveitar bem as censuras do ilustre sergipano, tido como dos homens mais inteligentes do Brasil, convém pequeno desvio. As palavras dele não brotaram de coração ressentido, borbotaram vivificadas pela benquerença. Vamos lá. Amado morreu em 27 de agosto de 1969, morava, havia pouco, algum tanto isolado e doente, no Rio de Janeiro. Amigos e admiradores fizeram-lhe homenagem prestigiosa. À maneira da época, foi organizado jantar solene, presentes personalidades de destaque, no Country Club, tendo como motivo (e pretexto) o lançamento da 3ª edição de um de seus livros ▬ Eleição e Representação. Para a noite de gala foi escolhido como orador o deputado Gustavo Capanema (1900-1985), cujo discurso de reconhecimento e homenagem, 20 de agosto, nota melancólica, antecedeu de uma semana a morte de Gilberto Amado. Na oração, é o que agora mais nos interessa, Capanema lembrou numerosas afirmações do pensador nordestino sobre o Brasil, entre elas as palavras finais do livro relançado inicialmente em 1932, a seguir transcritas: “Nós somos responsáveis pelo mais belo pedaço do planeta. Temos de polir e facetar o maior e mais admirável diamante do mundo. Aumentar-lhe o valor, afinar-lhe as arestas para que ele dê, aos olhos do mundo, toda a sua luz. Não o estraguemos com os instrumentos de uma ourivesaria bronca e primitiva, tenhamos a mão sábia no tocar essa peça prodigiosa. Quem perde a esperança no Brasil não é digno de viver”. Capanema assim terminou seu discurso: “Sempre fui fascinado pela vossa genialidade. Mas o que mais admiro em vós, ó grande Gilberto Amado, é o vosso patriotismo”.

 

Sinceridade cauterizante. Patriotismo real dá direito a franquezas. Fazem bem franquezas expressas com tato nas horas certas, cauterizam feridas infectadas de há muito. É o caso. Gilberto Amado viu muita superficialidade de espírito e imitação servil, sintomas alarmantes, cuja persistência prejudicaria gravemente o futuro pátrio, em episódios de nossa história, em geral objeto de vanglória, como, por exemplo, na independência, abolição da escravidão, proclamação da República e a separação da Igreja do Estado: “Concluímos daí uma superioridade de que nos vangloriamos. Nessa vanglória é que está a superficialidade. Dela nos deveríamos entristecer”. Seria uma tristeza restauradora.

 

Povo reflexo. Para ele, o impulso maior de todos esses movimentos foi mera imitação de modas estrangeiras. Modas intelectuais, modas políticas: “Nenhum sinal é mais forte de que não temos sido senão meros reflexos de outros povos”. Avança: “No terreno das ideias e dos sentimentos, o Brasil é um país reflexo, espelho da vida e das formas que o esforço humano vai criando e aperfeiçoando em outros ambientes”.

 

Proclamação da República na indiferença e cegueira generalizadas. O texto é longo, aqui deixo apenas um exemplo de suas elucidativas constatações: “A República, sim, é que é o fato característico da indiferença política da população. Ao pensar no modo pelo qual tudo se fez, que o povo brasileiro (escrevo povo brasileiro, fazendo certa violência à clareza da expressão, pois população não é povo), estava cego, e que se fez, diante dele, a mutação de cenário, sem que seus olhos se apercebessem do que se passava. Esse fato é um fenômeno colossal. O caso desse rei, nativo do Brasil, que reinou durante quase meio século, que é expulso de seu país, sem que em seu favor se levante um grito, uma palavra, um movimento de reação ou solidariedade, representa por si só uma das coisas mais espantosas de que há memória desde que o mundo é mundo. No dia 15 de novembro, às 5 horas da tarde, depois de proclamada a República, dir-se-ia ninguém se lembrava mais que tinha havido até poucos minutos, no Brasil, uma dinastia, uma monarquia, uma corte. Na retina opaca dos cegos não passou nenhuma irisação de luz, denunciando que alguma coisa de novo e de anormal acontecia. O imperador não tinha um amigo. Apeado do poder, o príncipe augusto, cujas mãos limpas e fracas acariciaram durante cinquenta anos o dorso mole do povo distraído, subitamente deixou de existir. A República se instalou serenamente. Mandou buscar seus novos costumes nos Estados Unidos”.

 

Separação da Igreja do Estado revela despreocupação religiosa. Observa Gilberto Amado: “A prontidão e a calma com que se fez a separação da Igreja do Estado, por um simples decreto, é outro dos motivos de orgulho para muitos dos comentaristas otimistas ou apressados a que aludimos de começo. Mas a verdade é que nisto se prova apenas que o Brasil é um país sem religião”. O comentário realça a ausência do fervor, mas deixa de lado ponto importante no acontecimento: a Hierarquia eclesiástica de alguma maneira se sentiu aliviada com a separação, pois o Padroado, vigente no Império, incomodava.

 

Maximalismo. Maximalismo, lembrei, na época equivalia a comunismo. Havia pequena propaganda do comunismo entre 1919 e 1922. Gilberto Amado afirma que o comunismo venceria fácil no Brasil, não pela ação dos propagandistas, mas por outro fator: “Se o maximalismo vencer na França, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, nós o adotaremos aqui de um dia para outro, haja ou não haja preparo na propaganda”. Vai adiante: “Esperam pelo que se fizer na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos. O que qualquer dessas nações realizadoras da nossa história fizer, nós faremos. Fazer, originariamente, porém, nos é impossível”. De outro modo, servilismo. Nenhuma originalidade, autonomia tísica; enfim, irrigação mirrada das raízes.

 

Continua o mimetismo. Hoje é diferente? No geral, para desgraça nossa, tudo permanece do mesmo jeito, subserviência generalizada, animando retrocessos. Dou só um exemplo, poderia lotar o texto com vários. A reforma agrária, entre nós, foi feita por imitação a modas estrangeiras; o disparate contínuo e empobrecedor vem desde a década de 50. Modas estrangeiras, aliás, que deram errado onde foram aplicadas. O grande responsável institucional pela gastança desenfreada de dinheiro público com prejuízo gritante da produção, da produtividade, do emprego e da renda é o Estatuto da Terra de 1964 (governo Castelo Branco), entulho autoritário, fonte perene de atraso, que até hoje nutre e estaqueia radicalismos que vieram depois, obstáculos, repito, a aumentos de produtividade, emprego e renda. Se somarmos o dinheiro público jogado no ralo com o mensalão e o petrolão, estou certo, é só fazer as contas, a soma representará porcentagem pequena em relação à riqueza surrupiada do povo e do Estado pela aplicação durante décadas da reforma agrária de inspiração socialista, com viés confiscatório. Em manifesto de dezembro de 1964, largamente difundido no Brasil, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira e a então diretoria da TFP qualificaram o texto da nova lei de “incorreto em sua terminologia, confuso e passível eventualmente das mais perigosas interpretações; constitui para o Brasil uma verdadeira encruzilhada, a mais grave de sua história”. Estavam certos. Perderam os necessitados, perderam os proprietários, perdeu o Brasil. Informa o INCRA, dados recentes, talvez já haja mais terra desapropriada, já foram desapropriados no Brasil 87.535.596 hectares, mais que a área somada de Minas e Rio Grande do Sul. O agronegócio, que impede a quebradeira do Brasil, ocupa espaço menor. Roubalheira, contratos de gaveta, produtividade mínima, criminalidade, é o histórico macabro dos assentamentos. Visite um deles, qualquer um, pergunte aos vizinhos, fuja dos folhetos oficiais, e verificará a realidade. A respeito do desastre da reforma agrária, comentou Xico Graziano, dos maiores especialistas na área: “O Brasil cresceu, urbanizou-se, virou potência mundial agrícola, sem necessidade de reforma agrária. A terra está produtiva, gerando milhões de empregos. Gente boa, miserável, mistura-se aos oportunistas e malandros para ganhar um lote nos assentamentos. Iludidas com promessa de futuro fácil, massas são manipuladas e treinadas para invadir fazendas e erguer lonas pretas. A classe média se apieda, enquanto a burguesia, assustada, apoia veladamente. Imaginar que um pobre alienado, sem aptidão nem cultura adequada, possa se tornar um agricultor de sucesso no mundo da tecnologia e dos mercados competitivos, significa raciocinar com o absurdo. Abstraindo os picaretas da reforma agrária, que engrossam as invasões, os demais, bem-intencionados, dificilmente sobreviverão”.

 

O servilismo amordaça as bocas e entorpece as mentes. Não nos iludamos. O servilismo amordaça as bocas e entorpece as mentes. Ninguém, ou quase ninguém, ousa falar a respeito do desastre da reforma agrária. Fato óbvio, contudo. Constatação macambúzia, considerando como fator de previsão o histórico decepcionante, não iremos abandonar por agora o tóxico entorpecedor, temos xodó por esse tumor de estimação. E até é generalizada a birra com quem dele fala mal. Em resumo, no fato acima lembrado e em vários outros aspectos da realidade brasileira, para infelicidade geral, em particular dos menos assistidos, perdura a situação de povo reflexo, escravo de modas do Exterior. Gilberto Amado lá pelo início do século passado, franco e lúcido, apontou defeitos que impedem prosperidade real. Merece por isso nossa gratidão e releitura, textos atuais.

 

4) Postado em 13.3.2022

 

Cachaça venenosa

 

Péricles Capanema

 

Coisa antiga, cachaça comunista na moda. Leio no cético e cáustico Eduardo Frieiro nota de 5 de junho de 1945 (livro do qual retiro o texto, “Novo Diário”): “Fernandinho, o Príncipe Consorte, faz ponto todas as noites no Café Celeste, no largo do Teatro. Em companhia da jovem esposa, filha do Governador, forma uma roda de moços letrícolas e jornalistas, que o ouvem com o acatamento devido a um príncipe da República. Fernandinho fuma cachimbo, distribui cigarros caros, bebe whisky (a quinze cruzeiros a dose) e faz propaganda comunista, prevendo o fim próximo da burguesia em decomposição. Agora é moda, o comunismo. Os moços estão contagiados. Os snobs das letras e das artes, aqui, no Rio e sobretudo em São Paulo, estão todos bebendo a cachaça comunista. Os próprios capitalistas, amedrontados, e os privilegiados da República, estão seguindo a onda. É chique”.

 

Feitiço. Tinha ficado chiquérrimo. Continua chiquérrimo, “mutatis mutandis”. Cachaça tem aqui significado de estranho sortilégio, punha na moda, dava prestígio, sentia-se bem situado quem aderisse ao comunismo ou a ele fosse simpático. Na época, ingrediente indispensável também, culto a Stalin. Breve, havia uma onda, era preciso segui-la para não despencar na rejeição e no ostracismo, ainda que disfarçados. A onda continua lambendo as mesmas praias. O Fernandinho acima mencionado é Fernando Sabino (1923-2004), que já começava a brilhar. Mais tarde, todo sabem, firmou-se como dos maiores escritores de sua geração. A esposa, Helena, é filha de Benedito Valadares. O local, Belo Horizonte. Comenta o escritor o ambiente miasmado de uma roda da “jeunesse dorée” e da juventude intelectualizada da capital mineira. Como existiriam às centenas, talvez aos milhares, Brasil afora. Mundo afora.

 

Bruxedo aliciante.  Informa Frieiro, convém notar e martelar, (na época, eram anotações despretensiosas, rabiscadas em caderno, sem intenção de publicá-las), boa parte ali no bar era comunista ou simpática ao comunismo, coqueluche que infestaria círculos sociais parecidos, nos grandes centros do pequeno Brasil de então ▬ o país tinha pouco mais de 40 milhões de habitantes, hoje quase 220 milhões; Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte tinham por volta de 2 milhões, 1,5 milhão e 200 mil habitantes respectivamente; hoje, mesma ordem aproximadamente, 6,8, 12,3 e 2,8 milhões). E não apenas em círculos sociais parecidos; o bafejo magnetizante, forte nas três mencionadas cidades, repito, espalhava-se no país inteiro.

 

Correntes vindas de longe. Tais ares não eram originais de Pindorama, outro ponto que de igual modo convém notar e martelar. Vinham de fora (ainda vêm), à maneira de camadas meteorológicas voadoras, que vão impregnando tudo. Tinham origens várias, em particular Paris, foco da vida intelectual, cidade então mais prestigiosa do mundo. A fermentação nos espíritos agigantava e deformava de maneira atraente a Rússia soviética e seu feitor, Stalin. Sortilégio poderoso, pois tudo no mencionado fenômeno era falso e postiço, mas estranhamente causava palpitação idolátrica. Seduzia em especial a juventude e setores intelectualizados. Repito, quase 80 anos depois, o mesmo fenômeno continua vivíssimo. Uma de suas manifestações, infecta a “esquerda caviar”. Infectam também outros ambientes, entre os quais “champagne socialist”, “limousine liberal”, “radical chic”, “red set”, “Salonkommunist”, “Chardonnay socialist”, “esquerda festiva”. Característica desse verdadeiro feitiço: a realidade dantesca e facilmente perceptível não interessa, de costas para ela o infectado cria dela uma imagem rósea na fantasia e até muda convicções anteriores. O exorcismo é possível, embora difícil, pois a imagem gruda fundo, por vezes è virtualmente inamovível. Aqui vai o antídoto: denunciá-lo, descrevendo-o bem; tais alquimias são túmidas de engodo, engano e totalitarismo intelectual.

 

Dispersão do vapor intoxicante. Não duraram muito, intocados, esses anos de hipnose generalizada. Seus efeitos diminuíram algum tanto, e até bastante, com a implantação desapiedada do comunismo na Europa Oriental, que aconteceu concomitante com denúncias pipocando em todas as partes da ação ditatorial do comunismo stalinista. Foi  o período da Guerra Fria. O próprio comunismo mudou de tática e apresentou feição menos carrancuda. Em 25 de fevereiro de 1956 no 20º Congresso do Partido Comunista, Nikita Kruschev denunciou os crimes de Stalin. Ficou então bonito ser comunista, mas não concordar com os métodos stalinistas, nem com o culto a Stalin. Apontei, sob pseudônimo Zeca Patafufo, em livro de 2019 “Brigo pelos homens atrofiados”, a possibilidade de tal fenômeno corroer resistências saudáveis em nossos dias e, acho, convém um registro agora: “No mundo da lua, vão agigantar tudo pela propaganda. Pode estar iminente avalancha de soft power da China, a mais do duro sharp power que começa a se generalizar e já desperta vivas reações em vários países. Dando certo a ofensiva chinesa, em cortejo, imantada, veremos atrás sarandear malemolente a bocojança, multidões sem fim. Tanta gente modernosa não achou que a Rússia dos anos 30 tinha dado certo? O Stalin, besuntado de admirações abjetas, foi ícone de cardumes de torcedores ignóbeis; décadas de chumbo aleluiadas em histeria, mais que tudo pela intelligentsia progressista; via nos intentos mitomaníacos de engenharia social, executados com frieza apavorante, a construção da utopia socialista dos “amanhãs que cantam”; para tal, enfiada sem fim de hojes desesperadores”.

 

Mimetismo subserviente. Lembro rapidamente dois exemplos. O mesmo aconteceu na tomada do Camboja pelas hordas do “khmer rouge”, que implantou um comunismo primitivo e assassino no país. Houve por meses ditirambos da intelligentsia ocidental, magnetizada pelos encantos do comunismo cambojano. Até que o pus explodiu e não mais foi possível esconder o horror real. A “Revolução Cultural” despertou entusiasmo parecido. Num certo momento, o pus igualmente explodiu e cessaram os ditirambos.

 

Reforma agrária no Brasil. Para terminar vou para assunto conhecido, a reforma agrária do Brasil. Não são meses, são anos, décadas. Ela tem constituído uma sucessão invariável e ininterrupta de fracassos, de roubalheiras, de desgraças. Visitem um assentamento, qualquer deles, as favelas rurais. Fujam da propaganda e dos textos oficiais, perguntem aos agricultores que moram na região a realidade: falarão de drogas, de bagunça, de cachaçada, de contratos de gaveta, de roubos, de produtividade baixíssima. São bilhões e bilhões jogados fora por aproximadamente 60 anos. Mas continua cachaça venenosa, chiquérrimo falar bem dela. A administração federal, desde o Estatuto da Terra, 30 de novembro de 1964, do governo Castelo Branco, nunca parou, desembestada a esbórnia com o dinheiro público. Na prática, ninguém mexe nesse tumor de estimação. O INCRA, em seu site, informa a área total dos assentamentos: 87.535.596, isto é, 875.355 km2. Área de Minas Gerais: 586.528 km². Área do Rio Grande do Sul: 281.730 km2. Vamos somar as duas áreas, a de Minas e a do Rio Grande, 868.250 km2. É menor que a área expropriada para fins de reforma agrária. Área utilizada pelo agronegócio no Brasil que torna o país uma das potências mundiais na agricultura: em torno de 650 mil km2. Também muito menor que a área esperdiçada ou mal gasta na reforma agrária. Xico Graziano, um agredido pela realidade, engenheiro agrônomo, ex-secretário da Agricultura de São Paulo, ex-presidente do INCRA, em artigo já antigo (3 de maio de 2004) na Folha, apontava disparates em série da reforma agrária brasileira: “Os latifúndios se transformaram em empresar rurais. A terra, antes ociosa, agora bate recordes de produtividade. Gente simples, porém capaz, domina a tecnologia de ponta e dá show de competência. Cadê o sem-terra? Mudou-se para a cidade. O Brasil cresceu, urbanizou-se, virou potência mundial agrícola, sem necessidade de reforma agrária. A terra está produtiva, gerando milhões de empregos. Gente boa, miserável, mistura-se aos oportunistas e malandros para ganhar um lote nos assentamentos. Iludidas com promessa de futuro fácil, massas são manipuladas e treinadas para invadir fazendas e erguer lonas pretas. A classe média se apieda, enquanto a burguesia, assustada, apoia veladamente. Imaginar que um pobre alienado, sem aptidão nem cultura adequada, possa se tornar um agricultor de sucesso no mundo da tecnologia e dos mercados competitivos, significa raciocinar com o absurdo. Abstraindo os picaretas da reforma agrária, que engrossam as invasões, os demais, bem-intencionados, dificilmente sobreviverão”. Temos ainda vários documentos do TCU advertindo sobre a execução escandalosa da reforma agrária no Brasil. Lembro-os, mas não os glosarei aqui. Em resumo, a reforma agrária sempre foi aliciante, mas venenosa cachaça, sorvida em grandes haustos por todas as condições sociais. Se nada houvesse de reforma agrária no Brasil (zero), como é o caso em dezenas e dezenas de países, a situação no campo estaria muito melhor, haveria mais renda, teríamos mais empregos e mais investimentos, maior produtividade, menos pobres; e ainda existiria dinheiro para obras de infraestrutura, saúde, educação ▬ foi torrado irresponsável e euforicamente no processo de reforma agrária. Seria normalíssimo a instauração de uma CPI para investigar a reforma agrária no Brasil. É claro que nunca será instalada. As patrulhas não deixam; mais ainda, parte da opinião pública é chegada numa cachacinha venenosa. Poderia escrever Eduardo Frieiro a respeito: “Agora é moda, o comunismo [ou a reforma agrária]. Os moços estão contagiados. Os snobs das letras e das artes, aqui, no Rio e sobretudo em São Paulo, estão todos bebendo a cachaça comunista. Os próprios capitalistas estão seguindo a onda. É chique”.

 

O MST está fazendo as malas para voltar a crucificar o campo. Vai desaparecer o flagelo da reforma agrária? Parece que não. Posta a presente situação, Lula tem grandes chances de vencer a eleição. O INCRA, como é costume do PT, será entregue para as suas correntes extremadas. O MST receberá dinheiro farto. E a reforma agrária voltará triunfante. Simplificando, ou a opinião nacional recusa cachaças venenosas ou, com dor afirmo, não tem saída, as portas de futuro próspero estão fechadas para o Brasil.

 

5) Postado em 18.3.2021

 

O crime do esquecimento

 

Péricles Capanema

 

Vacina eficiente. Lula voltou ao proscênio da cena política, prepara sua volta em 2022 como candidato com chances de vitória. Ponto vivo da estratégia, o demiurgo petista conta com o esquecimento popular. Sabe, a memória boa é a mais eficaz vacina contra a reinfecção petista.

 

Coligação forte à vista. Tudo o indica, o morubixaba petista busca pôr em pé coligação forte para 2022; para isso certamente irá migrar rumo ao centro e escolher vice tranquilizador ▬ como o fez com êxito ao pinçar milionário, líder empresarial e político de centro para as eleições de 2002. São suas armas para reconquistar o Planalto. Como molhar a pólvora? Nenhuma amnésia. No caso, a memória boa será a salvação do Brasil.

 

Desgaste da reação antipetista. Lula conta ainda com o desgaste das desorganizadas forças direitistas e conservadoras que surgiram e surraram eleitoralmente o PT em 2018, tendo como principal combustível os avassaladores sentimentos antipetista e anticorrupção, gerados pelo horror dos desgovernos da “cumpanherada”. Por isso, em particular, o esquecimento dos desgovernos é primordial na estratégia petista.

 

Tais sentimentos perpassavam então de alto a baixo a sociedade, horrorizada com o inescrupuloso assalto ao poder pela tigrada insaciável. Debilidade a ter em vista, noto só de passagem, sentimentos e emoções costumam ser efêmeros. Cuidado com eles, precisam ser cultivados, alimentados e enraizados; permanentes são os princípios e hábitos entranhados. E é congruente, já está em curso intensa campanha de desmoralização das forças conservadoras e direitistas que emprega como munição motivações reais, inventadas ou aumentadas, pouco importa aqui. Vale tudo.

 

Por tudo isso, retomo e reitero, em 2022 a memória do passivo petista será fundamental. Décadas atrás foi muito popular lema em São Paulo, relativo à Revolução de 1932. Vale a recordação: “São Paulo não esquece, não transige, não perdoa”. Agora realço uma das três posturas, não esquecer, a primeira e mais fundamental delas. O perigo será esquecer. Com o olvido, a transigência e o perdão ficam dispensáveis; de fato, nem entram em linha de conta.

 

Anão diplomático. Vou lembrar alguns, só alguns, infindo é o rol dos pesadelos pelos quais passamos entre 2002 a 2016 ▬ e a lista voltará aumentada e agravada se o petismo triunfar em 2022. Hostilizar os Estados Unidos e a Europa, na prática, foi política de Estado. Sob o mesmo bafo e em direção contrário bajular e favorecer China, Rússia, Cuba, Venezuela, Irã, Síria e estados em situação semelhante. Claro, também a Argentina de Nestor e Cristina Kirchner. O petismo triunfante tentou criar uma aliança destrutiva da qual participavam países onde campeava a ditadura, o terrorismo e a corrupção para opô-los ao mundo desenvolvido. Era uma versão tóxica da rivalidade Norte-Sul. Ídolos da diplomacia brasileira foram Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales. Do sanguinário ditador cubano, Lula afirmou que foi “o maior de todos os latino-americanos” A disputa do governo brasileiro com Israel chegou ao ponto de o porta-voz do Estado judeu, em 2014, ter qualificado o Brasil de “anão diplomático”.

 

Modelos a imitar, Cuba e Venezuela. Na política interna, a união com partidos políticos complacentes (para dizer o mínimo) levou por anos à roubalheira solta ▬ mensalão e petrolão, e ainda não tivemos o destape do eletrolão ▬, pilharam em especial estatais, o maior assalto aos cofres públicos de que o mundo tem notícia. E à continuação da escandalosa política de promoção da reforma agrária, que empobrece o campo há décadas. Sofremos ainda no fim do governo Dilma, a paralisia econômica, a inflação em alta, o empobrecimento generalizado e a recessão. E suportamos a teimosia do PT em continuar no mesmo rumo, o abismo. Sem falar na parcialidade gritante da assim chamada Comissão da Verdade, em que pululavam favorecimentos para alguns da patota, bem como perseguições claras ou veladas aos opositores. Um autêntico ensaio dos tribunais populares, de sinistra memória nas ditaduras comunistas. No horizonte escuro, o fantasma aterrador de o Brasil virar uma nova Cuba ou uma nova Venezuela. Outra vantagem da memória boa, dificulta idealizações acarameladas dos desgovernos petistas.

 

Todas as agendas de ideologia do gênero, promoção do aborto, “normalização” social e institucional da “família”, sob as mais absurdas formas, receberão impulso novo, o que não impedirá à CNBB, CPT e entidades congêneres de darem apoio a tais governos, que trabalharão efetivamente para eliminar restos ainda vivos da evangelização em solo brasileiro.

 

As CEBs fundaram o PT. Convém reproduzir diálogo entre o ex-frei Leonardo Boff e Lula ▬ está na rede. Temos ali a responsabilização da esquerda católica pelos padecimentos populares de 2002 a 2016, o Brasil atolado no pântano do atraso. Diz o antigo franciscano: “As CEBs, as comunidades eclesiais de base, que eu acompanhei tantas, não entraram no PT, elas fundaram as células do PT, isso é muito mais que entrar num partido, é fundar um partido”. O líder do PT comenta: “O PT não existiria do jeito que ele existe, se não fossem as comunidades eclesiais de base, se não fosse a Teologia da Libertação, eu sei o que é o valor de um padre progressista numa cidade pequena.”

 

De outro modo, segundo os dois corifeus da extrema esquerda, as comunidades eclesiais de base formaram o caldo de cultura indispensável para fazer germinar no Brasil partido que trouxe no bojo, o retrocesso, a intolerância, o desenho de uma sociedade socialista, com atrofia enorme das possibilidades de realização pessoal. E cuja implantação invariavelmente acarretou exclusões brutais, sufocamento da liberdade, fuga dos pobres apavorados com a generalização da miséria, uma forma de inferno na terra.

 

O esquecimento, causa de tragédias. Dou um cavalo de pau e recorro a exemplo imaginário ▬ já aconteceu coisa assim. Um pai estaciona o carro na rua, dia de muito calor, deixa os vidros fechados, o filho pequeno fica no banco. O pai vai cuidar da vida, faz negócios, demora, esquece que o filho está trancado. Quando volta, desespero, a criança está morta por insolação e asfixia. Não quis o fato, não agiu para que acontecesse. Foi culpado? Sim, pela lei e jurisprudência. Negligenciou atenção que deveria dar à situação em que era garantidor. Situações desse tipo configuram os chamados crimes de olvido ou de esquecimento. Reza o artigo 13 do Código Penal: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se a causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. E está no § 2º do mesmo artigo: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”.

 

Crimes de esquecimento. Por que fui tão longe e dei o cavalo de pau no texto? Para lembrar um ponto, mesmo de forma inconsciente, até desejando o contrário, o esquecimento não raras vezes leva a tragédias e até ao crime. A criança do exemplo pode no futuro lembrar o Brasil. O pai, qualquer um de nós, se negligentes; faltaríamos no caso ao dever de cuidado.

 

6) Postado em 22.1.2021

 

A fuga da solução

 

Péricles Capanema

 

Andrés Manuel López Obrador (AMLO), presidente do México, populista de esquerda, entre outros horrores, favorece o castrismo e é leniente com o chavismo. Até por atavismo estimula movimentos revolucionários. Como numerosos dirigentes de mesma orientação, privilegia na área econômica políticas regressivas, ou seja, intervencionistas e estatistas. E assim permanece hoje plantado no atraso. Por exemplo, a PEMEX mexicana, estatal foco de roubalheira e desperdício, não muito diferente de nossa PETROBRAS, pode estar tranquila durante seu mandato de seis anos.

 

AMLO tem problema sério para resolver, vacinar com urgência a população do país contra a COVID-19. Se fracassar, além de causar mortes perfeitamente evitáveis e agravar o fechamento econômico, sua popularidade se arrastará pelo chão. Isso, não quer o experimentado político. O problema, aliás, não é apenas dele, constitui preocupação que vagueia pela cabeça de todo governante em nossos dias.

 

Para vacinar, AMLO usa com força total os recursos do Estado. Em fins de março, é o plano do governo, haverá 15 milhões de vacinados no país ▬ população de aproximadamente 130 milhões. De outro modo, mais de 21 milhões de doses aplicadas, soma de quatro fontes, Pfizer-BioNTech, CanSinoBIO, AstraZeneca e Sputinik.

 

No Brasil, fins de março, população de aproximadamente 210 milhões, segundo planos oficiais, teremos 9 milhões de vacinados. Oxalá. Como se vê, e todos sabem, nossa situação não é nada boa, dito de forma eufêmica. Por que faço o contraste? Por angústia, chamo a atenção para a urgência e relevância da situação e assim, clara como água de pote, fica posta a necessidade de arregimentar toda ajuda de que possamos dispor.

 

Volto ao México. Por coerência com seu passado, AMLO afastará a contribuição da iniciativa privada na resolução da questão. Irá pelo estatismo e intervencionismo. Certo? Errado. Redondamente errado.

 

AMLO, embora certamente não o confesse, conhece por experiência própria a agilidade paquidérmica do setor público, a habitual falta de rumos, as usuais negligência e incompetência. Conhece ainda a corrupção, a roubalheira e os favorecimentos escandalosos. Temerá seus efeitos, pouca vacinação, lentidão, economia parada, mortes em subida, raiva do público. Sua popularidade irá por água abaixo.

 

O que fez AMLO? Afirmou sem rebuços, favorecerá a presença do setor privado na solução do caso espinhoso. Um esquerdista de décadas, digo eu, agredido pela realidade e que navega no caso em mares menos encapelados que os nossos, convida, como outros governos, a iniciativa privada para participar da solução do problema. Informa a Associated Press, despacho de 28 de dezembro último, o presidente mexicano quer a ajuda do setor privado para resolver a questão. “Não nos opomos à comercialização da vacina, a que empresas privadas importem o produto e o vendam a quem possa pagar”. Para tal, ele coloca certas condições que não vem ao caso aqui relatar. E não trata, pelo menos não está no despacho da AP, do caso de empresas importarem o produto, não para vendê-lo, mas para vacinar funcionários e familiares seus, além de doar parte dele para utilização na rede pública, como aqui e ali, foi ventilado por empresários na imprensa brasileira.

 

É mais que justificável, é mesmo necessário e louvável, a distribuição das vacinas ampla e gratuita, privilegiando os mais necessitados, pelo Poder Público. Quanto mais, melhor. O que é absurdo é inibir o setor privado ─ de fato, barrar seus passos ─ a agir na mesma direção, ou seja, contribuir para vacinar logo toda a população. E, com isso, além de expandir a vacinação, diminui o peso no ombro do setor estatal.

 

Por que não acontece? Embora de início autoridades federais tenham levantado a possibilidade de chamar o setor privado para ajudar a resolver a situação, houve retrocesso. Na reunião do Conselho Superior Diálogo pelo Brasil, realizada na FIESP, 13 de janeiro, foi comunicada aos empresários a proibição governamental de os empresários comprarem vacinas para imunizar funcionários. Na ocasião declarou Paulo Skaf, presidente da FIESP: “Uma empresa que tenha 100 mil funcionários, se ela quiser ir ao mercado, comprar uma vacina e vacinar seus funcionários, isso não pode. A campanha de vacinação será orientada pelo governo, pelo Ministério da Saúde, que vai adquirir as vacinas que estiverem aprovadas pela Anvisa e distribuir aos Estados. Então essa possibilidade foi negada”.

 

Perguntei, por que não acontece o chamamento à iniciativa privada? Venho solicitando a atenção ao longo dos anos e em numerosas ocasiões para aspecto verdadeiramente pavoroso de nossa realidade: temos entranhados tumores de estimação, cuidamos deles. Nosso xodó por eles é amazônico. O estatismo é um deles. A reforma agrária, outro. Tem mais.

 

É vital para o Brasil se livrar dessa infecção, causadora de retrocessos sem fim. Enfraquece, estiola, atrofia, debilita, exaure, prostra, depaupera, enlameia o organismo socioeconômico do Brasil. Por fim, as metástases, se não eliminadas, irão matá-lo, como matam todas as sociedades sufocadas pelo coletivismo. Em resumo, de momento tal infecção, que corrói a aplicação do princípio de subsidiariedade entre nós, corta a possibilidade de o Brasil tomar o lugar natural que lhe reservam suas potencialidades.

 

Calo-me e deixo a palavra a palavra para empresário de valor que sentiu na carne a infecção letal dos tumores de estimação. Salim Mattar foi para o governo com intenção de ajudar, saiu quando percebeu a virtual inutilidade de sua presença. Coloco a seguir algumas constatações do corajoso líder empresarial: “Os liberais que vieram para o governo cabem num micro-ônibus e são vistos como pessoas sonhadoras”. E, à vera, são os de espírito objetivo, que buscam evitar as destruições causadas pelo tumor do estatismo, utopia letal.

 

Observa Salim Mattar sobre estatais, sorvedouro de recursos públicos que poderiam ser utilizados para melhorar a vida dos pobres: “Nós poderemos fechar todas as empresas que são deficitárias. Nós temos 18 empresas, hoje, que dependem do orçamento público para sobreviver. O orçamento para 2020 foi de R$ 20 bilhões de reais. Estamos tirando isso do bolso dos cidadãos pagadores de impostos e colocando em 18 empresas que dão prejuízo”.

 

Prossigo, agora ecoando o sofrimento, a perplexidade e a angústia de milhões, inconformados com a lerda vacinação no Brasil. Uma das formas de acelerá-la, talvez mesmo de resolvê-la rápida e definitivamente, seria, de forma sensata e ágil, por meio de legislação adequada, buscar a mais ampla e efetiva colaboração da iniciativa privada. Por que paira sobre nós, como nuvem tóxica, a determinação de evitá-la? Ou, de outro modo, uma vez mais, tumores de estimação impedirão a saúde? Não fujamos do problema, evitá-lo é política suicida.

 

7) Postado em 17.12.2020

 

Ano Novo na desorientação

 

Péricles Capanema

 

2021 está na esquina. Quantas diferenças em um ano! Sobre um ponto quero abaixo compartilhar reflexões. Continuo. Quase mais nada existe da generalizada atmosfera de superficial otimismo que perpassava dezembro de 2019. Em linhas muito gerais, a economia crescia, Trump tinha a reeleição provável, a via de novas conquistas parecia aberta para grande parte da população. O que gerava a sensação de segurança, de rumo e de perspectivas realizáveis, condições favoráveis ao equilíbrio emocional. Dava para caminhar.

 

De repente se fechou o carreiro ascensional, o mundo afundou, apareceram abismos antes encobertos pelo otimismo generalizado. Já em fevereiro a pandemia do COVID-19 veio forte, logo depois as cidades foram fechadas e as ruas ficaram desertas. Empresas faliram explodiu o desemprego, milhões e milhões despencaram na pobreza. Os governos abriram as burras para auxílios emergenciais e o déficit fiscal disparou. De outro lado, a pandemia provocou intensas disputas entre grupos políticos, o choque das opiniões esgarçou ainda mais a sociedade. A recuperação, se vier, será difícil. E não deveria ser apenas econômica. Comentarei abaixo a respeito.

 

Joe Biden ganhou nos Estados Unidos à frente de coligação que inclui correntes radicalizadas, socialistas e libertárias. Ele terá que satisfazê-las (e já as está contemplando na alta administração) ao cumprir compromissos assumidos na campanha. O que virá dali? É ponto que exige atenção e preocupa. Observei, a recuperação econômica, se vier, será difícil. Como todo sabem, suporá a aplicação generalizada das vacinas, fazendo realidade a imunidade de rebanho. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, advertiu, os investimentos em vacinas contra a COVID-19 são muito mais baratos que as aplicações em auxílios emergenciais. Deseja aplicações maiores e urgentes. É preocupação do mercado, lembrou ainda: “Há uma disputa por vacinas. Quem terá a vacina primeiro e como a logística será feita muda todos os dias. Estamos concentrados nas vacinas e o mercado também”. Na mesma direção, advertiu Marcelo Pacheco, secretário executivo do ministério da Fazenda: “Com a vacina a população vai se sentir mais segura e, com isso, a economia vai se recuperar. Temos feito de tudo para prover os recursos necessários para a vacinação”.

 

População protegida, disseminação controlada, é o objetivo. Canadá, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra já estão vendo luz na boca do túnel. Outros países vão no mesmo rumo. Nós também, só que com passos lerdos. Ainda preparamos a caminhada; brigas, desleixo, obsessões, cegueira, incompetência, impediram-nos de atender populações expostas, como, por exemplo, agora o fazem Estados Unidos, Inglaterra e tantos outros. Quanto tal fato se dará no Brasil? Ninguém sabe ao certo; é triste, chapinamos no pântano dos palpites.

 

Com a vacinação generalizada, teremos o fim do distanciamento social, de momento obrigatório. Haverá aproximação das pessoas, conversas sem máscara, abraços, carinhos. (e reaproximação) Caminharemos para a normalidade, chamada por muitos de nova normalidade, pelo que ainda contém de misterioso. Duas características que provavelmente permanecerão: o “home office” e o aumento dos pagamentos e compras pela rede. Não tratarei aqui de modificações psicológicas, morais, políticas, tema muito vasto.

 

Falei de equilíbrio emocional, sensação de segurança, sensação de rumo, perspectivas realizáveis. Acabaram, veio a desorientação. E há motivos. Será dura a recuperação, tempos difíceis pela frente, o déficit fiscal vai pesar por anos. Empregos melhores e rendas em aumento, se vierem, chegarão em conta-gotas. Medidas que poderiam ajudar a retomada do crescimento, com o consequente alívio em especial para os mais pobres, comportariam enérgico programa de privatizações, diminuição do tamanho do Estado, cancelar programas malucos como a reforma agrária. Mas temos tumores de estimação no corpo social, parece que não podem ser tocados. E aqui se unem gente de todas as correntes, congregadas pelo objetivo de preservar dentro do corpo social os tumores de estimação. As advertências melancólicas do dr. Salim Mattar são apenas um sintoma, significativo embora, de tal realidade desoladora.

 

Agora, o ponto que pretendo destacar, tem relação com o equilíbrio emocional. Seria trágico repetirmos o que aconteceu nos anos 20, “les années folles”, os anos loucos O povo, cansado da guerra, cansado da gripe espanhola, jogou pela janela o sofrimento, não fez dele pedestal para a formação do caráter e raiz de vida temperante; e lançou-se na folia, quis esquecer tudo o que havia passado.  Poucos anos depois o sofrimento e as privações voltaram multiplicadas, era a 2ª Guerra Mundial. Não lancemos nós agora o sofrimento pela janela. Não passou ainda, pode demorar algum tanto a volta à normalidade e 2021 começa com a sensação de falta de rumos. Desorientação. Um ponto deveria estar sendo cogitado, não desperdiçar o confinamento, o sofrimento e as privações, fazendo desse depósito pedestal para a formação do caráter. Nutrimento da temperança. Já será grande coisa. Que Deus nos ajude. Bom Ano Novo a todos.

 

8) Postado em 12.12.2020

 

Pústulas diletas

 

Péricles Capanema

 

Escrevi alguns artigos sobre tumores de estimação, fixações obscurantistas de parte da opinião nacional, frutos de décadas de propaganda enganosa, que repercute nas instituições de ensino, imprensa, legislação e, consequentemente, nas políticas de Estado. Os temas enganosamente trabalhados viram xodós dos bem-pensantes, ícones do politicamente correto. Acabam como crenças enraizadas e muito generalizadas que dão origem a credulidades ▬ metástases que tomam o organismo. São tumores de estimação. Infeccionam tudo, a política, as normas vigentes, a economia. Em geral, feitas as contas, representam crueldade para todos, em especial sofrem os mais desassistidos. É o caso da reforma agrária, tumor de estimação, fator de pobreza e atraso. A embusteirice pelo estatismo é outra.

 

Desde os anos 50 a reforma agrária vem sendo alardeada como panaceia para os problemas do campo. Ao ser imposta, invariavelmente traz produtividade baixíssima, produção, quando há, pequena e instável, vira foco de roubalheira e trambiques, poço sem fundo onde se joga irresponsavelmente dinheiro público, bem como ocasião de brigas, ilegalidades e demagogia comunista. Em duas palavras, estimula a desordem no agro e agrava a pobreza. É só visitar os assentamentos [chamados por tantos e com razão de favelas rurais] Brasil afora. Há relatório do TCU a respeito, estudos sérios de especialistas, não vou aqui tratar deles.

 

Por que empreguei pústulas diletas? Arranjei outra expressão, foi só para não repetir tumores de estimação, usada anteriormente. Mas é a mesma coisa, são morbidezes que intoxicam a imprensa, o mundo político, a legislação. Ninguém mexe nelas, como incompreensivelmente alguns doentes não deixam ninguém tocar nas pústulas. Ficam lá, intactas, diletas, infeccionando o corpo inteiro, sinais precursores da morte.

 

Tudo isso vem a propósito de notícia recente, o governo Bolsonaro paralisou 413 processos de reforma agrária. A razão, explica em ofício Geraldo Melo Filho, presidente do INCRA, é a falta de recursos orçamentários, cada vez mais escassos. De outro modo, existindo dinheiro em caixa, voltariam as vistorias, o passo inicial; e continuaria a maluquice destruidora da implantação ampla da reforma agrária, com base na legislação vigente. Quase 900 mil quilômetros quadrados, mais que a área somada dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, mais do que utiliza o agronegócio para enriquecer o Brasil, já foram esperdiçados nesse disparate empobrecedor que não cessa nunca. E seus promotores querem mais, mais e mais.

 

“Nada aprenderam, nada esqueceram”, teria comentado Talleyrand a respeito da nobreza exilada que voltava à França com a derrota de Bonaparte e ascensão de Luís XVIII. Entre nós também a aplicação da reforma parece nada ter ensinado ▬ nada igualmente teriam ensinado os desastres de sua aplicação em outros países. Em mentes misteriosamente refratárias à realidade óbvia, continuam ativos os germes da propaganda enganosa, que nos intoxicam há quase um século. São pústulas deletérias sem dúvida, mas diletas.

 

A reação natural à paralisação dos tais 413 projetos seria de alívio ▬ hosana, pelo menos a destruição será menor. Geraldo Mello Filho, e aqui ele ecoa opinião difundida em meios oficiais e de divulgação, julgou necessária uma segunda justificativa, como se a primeira ▬ a falta de recursos ▬ que soou como desculpa, não fosse suficiente: “Isso não significa que toda e qualquer vistoria será proibida. Em casos devidamente justificados, fundamentando o caso concreto pela necessidade de interesse público e social, as vistorias seriam autorizadas pela administração central”. Triste; a observação da realidade dantesca da reforma agrária é míope e desfocada; assim dos fatos embaçados e romantizados não nasce o juízo objetivo. Ele brota de opiniões impostas, crenças quase inamovíveis. Curto, em ambiente opressivo, escutamos o recitar monótono de mantras e slogans; são preconceitos que alimentam retrocessos.

 

Também um órgão de expressão, o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos), ligado ao Ministério da Mulher, está querendo saber por qual motivo a reforma agrária está parada. Onde já se viu? Parada? Horror. À vera, os direitos humanos ficariam bem mais protegidos se tal parada se prolongasse indefinidamente. Em poucos lugares do Brasil se agridem mais os direitos humanos que nos assentamentos e seu entorno. Perguntem aos infelizes vizinhos deles.

 

De passagem sustento o óbvio ululante. O lógico e benéfico ao bem comum seria acabar com a reforma agrária assentada na legislação vigente. E ajudar de outra maneira, então efetiva, quem precisar: o Brasil tem muita terra pública, que seja entregue com critério a particulares que queiram e possam trabalhá-la.

 

Volto ao assunto. É claro, diante de tal situação, não poderia faltar a moxinifada dos partidos de esquerda e de organizações a eles ligadas. Eriçaram-se. A CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e a CONTRAF (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar) propuseram no STF uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental). O governo, ao não levar adiante a reforma agrária, estaria descumprindo preceitos constitucionais fundamentais. A ADPF vem com pedido de liminar: anulação do memorando que determina a interrupção do processo de reforma agrária no Brasil. Que se arranje o dinheiro não importa onde, a reforma agrária precisa ser executada sem parar. A ADPF é copatrocinada pelo PT, PSOL, PC do B, PSB e Rede Sustentabilidade.

 

Não sei que efeito prático terá a tal ADPF. A propósito, tenho repetido a necessidade de reforma ▬ limpeza de entulho ▬ da legislação constitucional e infraconstitucional, envenenada durante décadas por mentalidade totalitária, intervencionista e coletivista. Salvador Allende implantou enérgico programa de comunistização do Chile sem recorrer a legislação nova. Com base em legislação de governos burgueses, “los resquicios legales”, pôde impor sua pauta.

 

No Brasil, nesse particular, nada mudou nesses dois anos de governo. Infelizmente, não acho que vai mudar proximamente. Os setores dirigentes estão com a cabeça posta, via de regra, em outros problemas. E assim é previsível, continuará intacta a legislação constitucional e infraconstitucional que pode levar o Brasil, sob governo de orientação diferente da atual, a viver situação parecida à da Venezuela. Onde está a cabeça? Por exemplo, temos o espírito tomado pelos despautérios escritos no whatsApp pelo demitido ministro do Turismo que insultou o colega: “Ministro Ramos, o Sr é exemplo de tudo que não quero me tornar na vida, quero chegar ao fim da minha jornada EXATAMENTE como meus pais me ensinaram, LEAL aos meus companheiros e não um traíra como o senhor”. Ou pela formação de grupos para disputar a presidência da Câmara. Ou do Senado. Etcétera, problemas emocionantes, superficiais e efêmeros não faltam. O problema que tenho levantado não desperta emoções, não é superficial, não é efêmero. Demanda solução longa e difícil. Contudo, é fundamental caminhar na direção da solução inteira. Resolvido, equiparia o Brasil, por décadas, de condições muito favoráveis ao crescimento na liberdade.

 

9) Postado em 1.1.2020

 

Fazer as coisas pela metade

 

Péricles Capanema

 

Escrevo em 29 de dezembro, hora da retrospectiva e da prospectiva. Resolvi fazer as duas em uma, assunto único que possa permanecer lembrança útil, singela embora. E o que de imediato me veio à cabeça que poderia unir o olhar para o finado 2019 e a conjetura de 2020? Pulou na frente, de forma inesperada, um traço bem nosso: o gosto de fazer as coisas pela metade.

 

Os dois anos terão isso em comum, infelizmente. Um, já foi, 2019, agastou-me à beça o procedimento rotineiro de não ir até o fim; o outro está aí, 2020, só milagre para não acontecer o mesmo. E de antemão advirto, não o digo por pessimismo, mas por realismo, para tentar ajudar, é tentativa de diminuir efeitos de mau hábito. Todo mundo viu, fizemos as coisas (as boas) pela metade em 2019, vamos fazer pela metade as coisas (boas) em 2020. Alguém acha que vou errar? Deus queira.

 

Avanço. Fazer as coisas pela metade, vezo de séculos, é dos nossos numerosos tumores de estimação. Constituiria, aliás, importante avanço civilizatório do Brasil a convicção entranhada que é preciso acabar com tal hábito. Aqui deixo uma das razões da usança destruidora, quem sabe a de maior relevância. Gilberto Amado repetia, ficava animado nas raras ocasiões que encontrava um brasileiro capaz de ligar causa e efeito. Quando for generalizado comportamento social entre nós ligar causa e efeito, sumirão muitos de nossos problemas.

 

Vamos a 2019. Foi feita a reforma da previdência, trombeteada com boas razões como início do saneamento das contas públicas e um dos marcos, talvez o principal, de nossa eventual prosperidade futura. Economistas sérios advertem, falta muita coisa, é imprescindível já agora pensar nelas. De saída, falta a reforma previdenciária nos Estados e municípios (a tal PEC paralela). Seu efeito, por enquanto, será limitado, ainda que acenda esperanças justificadas. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal, observa: “A reforma da previdência não resolve o problema fiscal do país, mas dá fôlego. No máximo, permite que a despesa previdenciária deixe de crescer em relação ao PIB nos próximos anos”. O que lamento, poucos falam em completar o trabalho. Já está bom ter feito as coisas pela metade. Se não for enfrentado o restante, lá na frente o mesmo problema explodirá de novo.

 

Privatização, outra política feita pela metade. Há pouco mais de ano, falava-se no trilhão que entraria no caixa do governo com a venda das estatais deficitárias. Sumiram os números, aqui e ali o dr. Salim Mattar faz discretas advertências, limitado pelo cargo oficial, sobre obstáculos que tem encontrado.

 

Outros baldes de água fria. Fontes do governo informam, a TV Brasil não vai mais ser privatizada. A VALEC, idem. Petrobrás, Caixa e Banco do Brasil, nem se fala, são totens que permanecerão imunes a qualquer privatização. A economista Elena Landau, de posições às vezes censuráveis em outros campos, é no âmbito econômico bom exemplo da angústia que se generaliza entre correntes contrárias ao enorme papel do Estado na economia brasileira (tumor de estimação é coisa séria, mesmo que pese feio no cangote do povo). Advertiu ela em artigo no Estadão, repetindo o que vem dizendo com eco crescente em outros órgãos de divulgação: “Trabalhadores continuam sem liberdade para escolher onde investir seu FGTS. A abertura do mercado de gás não veio. A Petrobrás segue monopolista em várias áreas, celebrou contrato de gás com distribuidoras para 2020 impondo aumento de quase 20% em lugar da prometida queda de 40%.  As estatais criadas pelo PT estão vivas. O trilhão de reais com a venda de estatais e mais outro trilhão com a venda de imóveis não aconteceram, nem virão. A prometida privatização ampla, geral e irrestrita se resumiu a uma política de desinvestimentos das estatais. Das 17 empresas listadas formalmente no programa, nenhuma está pronta para ser vendida, e a maioria delas já está incluída desde o governo Temer. As mais importantes são Telebrás, Casa da Moeda e Correios, de vendas e valores duvidosos, ao lado de mais de uma dezena de empresas que não vão gerar ganho algum. Deveriam ser fechadas. Nada de Petrobrás, Banco do Brasil ou Caixa. A empresa do trem-bala, a EPL, vai se juntar com Infraero e Valec e formar uma grande estatal de logística. Para facilitar a criação dessa nova e poderosa estatal, outra foi criada: a NAV. Se Bolsonaro não abraçar a privatização, serão mais três anos de vendas no varejo. Acreditou no liberalismo deste governo quem quis ser enganado”. Não custa recordar, boa parte dos ativos das estatais, vendidos em programa de privatização, caíram e estão caindo nas mãos de estatais chinesas (do Partido Comunista Chinês, para ser direto).

 

Falava de uma economista, lembro outro, Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central. Também no Estadão, ele constatou quadro preocupante, decorrência de nosso vezo de fazer as cosas pela metade. “Em 1980, o Brasil tinha renda per capita equivalente a cerca de 40% da renda per capita dos EUA. Hoje é 25%. A pergunta é: quanto é preciso crescer a cada ano, de 2020 a 2080, para chegar lá com os mesmos 40% de um século antes? Resposta: 2,5% ao ano mais ou menos, com hipóteses razoáveis sobre população, sobre os EUA e a produtividade. Ou seja, 2,5% até 2080 assegura que não vamos perder este século”. Em 2080, com tal crescimento anual chegaríamos a ter 40% da renda per capita do norte-americano, índice que tínhamos em 1980. E estamos crescendo 0,5%, 1% ao ano, quando muito.

 

O que aqui enfatizo? O estatismo faz parte dos nossos tumores de estimação, entranhou de alto a baixo. Outro, a reforma agrária. São enraizadas rotinas obscurantistas na sociedade e no Estado, pois fogem da luz da realidade, impedem o crescimento natural do Brasil ao sugar pelas décadas afora amazônicas potencialidades do organismo social. Hoje pus no pelourinho outra característica, o gosto de fazer as coisas pela metade. Tudo isso asfixia a inovação, intoxica a iniciativa, dificulta a criatividade, mina o trabalho, constituem fortes amarras no atraso.

 

Já falei disso, mas a repetição é necessária; reforma agrária e estatismo são componentes importantes da opção preferencial pela atrofia, vitoriosa em Cuba, na Venezuela, nos países em que a esquerda triunfou por muito tempo. Temos décadas de aplicação da função social às avessas e de consequente crueldade com os pobres. Estes, como reação louvável e explicável, fogem espavoridos de tais países e procuram entrar desesperadamente no país que, apesar de todos os defeitos que lhe possam ser apontados, nunca fez a opção preferencial pela atrofia: os Estados Unidos da América.

 

10) Postado em 16.12.2019

 

Função social às avessas

 

Péricles Capanema

 

No Brasil, como em qualquer lugar do mundo, ramos de negócio existem às dezenas de milhares. De outro jeito, ninguém sabe quantos galhos seguram a árvore da atividade econômica. Bancos, postos de gasolina, armazéns, açougues, padarias, escolas, cervejarias. Nunca acaba. Quando a empresa produz pouco, vendas mirradas, vira galho seco, em geral afunda e quebra. Triste a falência, preocupante a recuperação judicial; contudo, são fatos corriqueiros, acontecem todos os dias. E a vida segue.

 

Corta. Vocês já ouviram falar de alguma firma que sofra desapropriação se for considerada improdutiva por órgão do governo? Produziu pouco? Governo em cima. Já escutaram, supermercado improdutivo, desapropriação nele? O boteco comercia pouca cachaça e salgadinhos? Vai ser desapropriado, onde já se viu. O banco tem empregados preguiçosos, produtividade pequena segundo índices do governo? Vai passar para outras mãos, estatais. Seus funcionários virarão barnabés e aí sim, a produtividade irá para as alturas. Nunca, né?

 

Para infelicidade social, temos segmento econômico no Brasil, só um, que, se você for considerado improdutivo, pode sofrer a punição da desapropriação, em linhas muito gerais logo que dê na telha dos donos do poder (deixo de lado aqui o lote urbano, tem algo longinquamente parecido) Para tal, índices foram aplicados fraudulentamente, agitações foram orquestradas, laudos fajutos foram feitos às pencas. Está no campo, é a novela macabra da reforma agrária, um dos tumores de estimação dos brasileiros. No caso de que vou tratar abaixo, destaca-se autarquia aparelhada para a perseguição ▬ o INCRA.

 

No conjunto, considerando tudo, o programa da reforma agrária no Brasil, velho de mais de 50 anos, autenticamente poderia ser titulado de a prática obsessiva e fanática da função social às avessas. Sempre deu com os burros n’água, sempre agrediu objetivos sociais, mas não tem importância, é tumor cancerígeno de estimação nosso, a gente tem xodó dele. Fôssemos objetivos, desapegados de retrocessos sociais, seria extinto; é exigência imperiosa da justiça social acabar com ele. Não só ajudaria a sociedade como um todo, facilitaria o combate à pobreza.

 

Em duas palavras, continua entre nós esse disparate renitente, que já foi abandonado pela maior parte dos países que algum dia entraram nessa fria. É jabuticaba nossa (dizem, sei lá se é verdade, jabuticaba só dá no Brasil). Tem apoiadores, promotores do atraso, por exemplo, em 22 de dezembro, Lula e Chico Buarque vão jogar futebol no campo do MST em Saquarema. Pedro Stédile certamente estará presente.

 

O programa da reforma agrária no Brasil sempre teve como base um fundamentalismo refratário aos dados da realidade. É clara opção preferencial pela atrofia. Com efeito, diminui a produtividade (baixíssima a produtividade nas áreas assentada), desperdiça dinheiro público (quando não é roubalheira descarada) que poderia minorar problemas sociais, traz insegurança jurídica, exaspera tensões sociais, favorece fuga de capitais do campo. Tal política, xodó da esquerda e do progressismo das sacristias, se não for desinfetada zelosamente com o confronto da realidade, assepsia permanentemente necessária para quem acha que ele ajuda os pobres, continuará a provocar tragédias pelas décadas na frente,  pobrezas, exclusões e regressões sociais.

 

Vou lembrar dois exemplos. o IPEA em relatório informou que até 2011 já haviam sido gastos 7,6 bilhões de dólares no programa. Até hoje? Não achei o número amazônico. Se essa montanha de dinheiro tivesse sido aplicada em programas sociais de verdade (escola, saúde, infraestrutura), muito melhor estaria a situação dos pobres e da economia no Brasil.

E temos ainda a considerar os gastos gigantescos com o INCRA, 30 superintendências, funcionários, viagens etc.

 

O site do INCRA informa quanto já foi gatunado [desapropriado] assim ao longo de mais de 50 anos. 87.953.588 milhões de hectares [879 mil km2], área muito maior que a Bahia e o Rio Grande do Sul somados, muito mais do que o agronegócio brasileiro usa para nos colocar na dianteira do mundo na agricultura e pecuária. Segundo dados de 2017, o Brasil utiliza 63.994.479 hectares para agricultura.

 

Vou continuar no site do INCRA e reproduzir aqui um objetivo da entidade: “em relação aos beneficiários, a atuação do Incra no campo é norteada pela promoção da igualdade de gênero”. É isso, a ideologia de gênero, combatida oficialmente, está colocada pelo INCRA como objetivo seu no campo.

 

Lembrei de forma passageira apenas alguns pontos, que a imprensa gosta de esquecer, mas agora divulgo trechos esparsos de artigo do advogado Paulo Márcio Dias Mello no Consultor Jurídico (8 de dezembro de 2019 – íntegra no site) que põe a nu a bagunça com que se tocam as coisas no Brasil. O título do trabalho já é evidência do descalabro “O INCRA não existe, é uma autarquia fantasma”. Continua o advogado: “o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária não existe como autarquia federal, dotada de personalidade jurídica própria, há mais de 32 anos. O Incra foi criado pelo artigo 1º do Decreto-lei 1.110, de 1970 como entidade autárquica. Em 21 de outubro de 1987, o Instituto foi extinto pelo decreto-lei nº 2.363/1987, sendo criado, no seu lugar, outra autarquia, o Inter – Instituto Jurídico de Terras Rurais. O decreto-lei 2.363/1987 encontrava-se em tramitação no Congresso Nacional, quando foi promulgada a Constituição de 1988, que atribuiu competência diretamente à União, em seu artigo 184, para ‘desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária’. A regra do §1º, I, do art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: § 1º Os decretos-lei em tramitação no Congresso Nacional e por este não apreciados até a promulgação da Constituição terão seus efeitos regulados da seguinte forma: I - se editados até 2 de setembro de 1988, serão apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de até cento e oitenta dias a contar da promulgação da Constituição; II - decorrido o prazo definido no inciso anterior, e não havendo apreciação, os decretos-lei ali mencionados serão considerados rejeitados’. Assim, o decreto-lei nº 2.363/1987 foi rejeitado expressamente pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 2/1989. O Decreto Legislativo teve, portanto, dois efeitos: confirmar a extinção do Incra e promover a extinção do Inter. Os atos praticados pelo ‘Instituto’ durante todos esses anos são eivados de vício. O INCRA é entidade fantasma”.

 

Alguém imaginava essa? Cabe aos especialistas do Direito Constitucional e do Direito Administrativo resolver o caso que bem podia acabar com fantasma que assombra o Brasil. Menos um. E com ele a esdrúxula função social às avessas com a qual convivemos há tantas décadas.

 

 

11) Postado em 7.8.2019

 

Brisa de bom senso

 

Péricles Capanema

 

A entrevista de Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do ministério da Agricultura, concedida ao Estadão (4.8.2019), é brisa de bom senso, ventinho bom em região que padecia calmaria asfixiante e onde faz enorme falta a ventania da sensatez.

 

Com efeito, em profundidade no setor da reforma agrária ▬ falo dele e dói dizê-lo ▬ tudo continua igual como nos governos FHC, Lula, Dilma e Temer. A legislação permanece a mesma e, sintoma pressagioso, não se percebe nenhum movimento para mudá-la num sentido que favoreça a segurança jurídica, prosperidade no campo, salários e renda melhores para quem vive da terra. Enfim, leis que promovam a dignidade humana, obrigação dos homens de bem, a mais de preceito constitucional. Seria o mais decisivo, fincaria proteção para agora e compraria seguro para as gerações futuras. No caso, nada mais social, solidário e favorecedor dos pobres.

 

É sabido, Salvador Allende comunistizou o campo e a cidade com o marco legal lá existente (los resquicios legales), não precisou de instrumental novo. Igual pode acontecer com o Brasil, precipitando-nos na rota de Cuba e da Venezuela, o caminho da servidão, o que seria o inferno dos pobres, com presenciamos de momento especialmente em Roraima. E estamos em momento propício para dinamitar tal estrada.

 

Adiante. Infelizmente o aparelhamento do INCRA subsiste em boa medida. Permanece dando as cartas parte dos chamados técnicos que, muitas vezes em altos cargos de confiança, colaboraram em governos anteriores para a destruição do campo mediante a aplicação manipulada da legislação de redação malandra (aliás facilmente manipulável), relativa à reforma agrária; por exemplo, na feitura dos índices e na avaliação do valor da propriedade. E, nesse quadro, prosseguem indicações políticas para as superintendências do INCRA nos Estados. Em suma, como antes, o futuro agrícola do Brasil continua ameaçado.

 

Vamos à entrevista do secretário de Assuntos Fundiários. O mais alvissareiro ali é o anúncio de mutirão para fechar acordos com proprietários espoliados que lutam anos a fio no Judiciário contra o verdadeiro confisco (ou esbulho, se quisermos) que sofreram ▬ promessa por enquanto, para ser cumprida até dezembro. É reparação de injustiças e destinação de áreas consideráveis, antes sujeitas à, por baixo, bagunça do INCRA e do MST, focos habituais de toda sorte de malfeitos, que passarão a ser utilizadas na produção agrícola moderna. Nabhan observa: “Não tem dinheiro. Não é para beneficiar produtor, pelo contrário. Aquele depósito feito há 10, 15 anos volta aos cofres públicos”.

 

Tem razão. De fato, o INCRA em conluio com o MST (CPT também) via de regra implanta Brasil afora o desatino dos assentamentos e num sem-número de casos fica depositado o valor relativo às benfeitorias, enquanto se arrastam os processos. O restante da indenização (ou, pelo menos, grande parte dela) será pago futuramente, na conclusão do processo, em títulos da dívida agrária, com forte deságio no mercado. O proprietário quer é a terra de volta, devolverá aliviado o valor que está dormindo em depósito bancário.

 

De passagem, noto na declaração do secretário, talvez inadvertidamente, a influência do bafo antipático ao proprietário rural, em larga proporção soprado pelos grandes meios de divulgação e sintoma aziago do ambiente intoxicado contra o produtor do campo (latifundiário, ocioso, explorador de mão de obra barata, inimigo do meio ambiente, vai por aí afora). Nem o presidente licenciado da UDR a ele ficou imune: “não é para beneficiar o proprietário, pelo contrário”. Devagar, é sim para beneficiar o proprietário injustiçado, a medida vai ajudar em primeiro lugar o produtor rural, e é coisa ótima, para celebrar como marco de política social (reflexos benéficos no bem comum). Merece foguetório. Sentimos ainda o mesmo mau hálito em outro trecho da entrevista: “Se tiver algum proprietário que diga ‘votei no Bolsonaro’ se o terreno está improdutivo, vai ser desapropriado”. Epa! Escutei direito? Proprietário desapropriado? Com exploração abaixo dos índices oficiais, cravados por funcionários do INCRA?

 

O sensato para um líder rural seria trabalhar para modificar a presente legislação, celebrada pela esquerda, na qual deposita grandes e fundadas esperanças, que permite expropriação de fazendas com base em índices de utilização facilmente manipuláveis e falsificáveis ▬ e que foram continuamente manipulados ao longo dos últimos governos. E em pagas (só na promessa em geral) com base em avaliações largamente arbitrárias. Infelizmente, temos aqui, repito, talvez inadvertidamente, endosso a diplomas legais que são punhais desembainhados nas costas dos produtores rurais.

 

Estamos esquecidos que podem existir justificadas razões de mercado para deixar uma propriedade ociosa? Entre outros motivos, superprodução e crise internacional. Estamos esquecidos que compreensíveis motivos familiares podem determinar a interrupção de uma exploração por alguns anos? No Brasil, no campo, a ociosidade não prejudica o bem comum, em certos casos pode até favorecê-lo. E há saída clara para distribuição de lotes a gente que de fato queira plantar, o Brasil tem terras públicas, existem proprietários que venderiam a preços de mercado suas terras ao governo em negociações livres.

 

Tem mais e não custa lembrar. Se não fosse o disparate da reforma agrária, que infelicita o Brasil desde a década de 60, hoje teríamos mais produção, maior produtividade, salários melhores no campo. Inexistiriam essas milhares de favelas rurais em 88 milhões de hectares. E o Brasil não teria jogado fora bilhões e bilhões de reais, favorecendo roubalheiras, perseguições, crimes de vida, comércio de drogas, inibição de investimentos; no melhor dos casos, péssima aplicação de dinheiro público. A reforma agrária foi e está sendo uma desgraça para o pobre, para a agricultura e para o Brasil. É um tumor de estimação instalado nas entranhas da Pátria. O sensato seria extirpá-lo, óbvio ululante. Observei em artigo recente: “R$300 bilhões de terras na bagunça. Coloque os empréstimos não devolvidos, os perdões de dívidas, a assistência técnica estatal para aproveitadores, o controle tirânico dos assentamentos pelos agentes do MST, a venda ilegal de madeira. Os escândalos do mensalão e do petrolão são fichinha perto do escândalo do programa da reforma agrária. Mas, é claro, não se pode extinguir o programa. Razão técnica? Nenhuma. Não aumenta a produtividade. Razão social? Nenhuma. Piora a situação dos pobres. Razão de paz social? Nenhuma. Tensiona a região em que se implantam os assentamentos. Mas trona e sobrepassa tudo uma razão inamovível. É tumor de estimação. Tumores de estimação são intocáveis”. (“A anemia do abril vermelho, postado em 19 de abril em periclescapanema.blogspot.com, em que estão argumentos que por falta de espaço deixo de alinhar aqui; a respeito, ver ainda no mesmo blogue “O INCRA precisa mudar de nome” e “Artigo sem título”)

 

Termino. Louvável e refrescante brisa de bom senso, autorizando esperanças, a promessa do mutirão dos acordos com proprietários espoliados. O Brasil que presta ainda espera que a brisa se transforme em forte ventania da sensatez.

 

 

 

12)  Postado em 3.7.2019

 

Amadurecimentos esperançosos

 

Péricles Capanema

 

Um quarto de século tem o Plano Real. O Brasil, antes do real ▬ que passou a ser nossa moeda em 1º de julho de 1994 ▬, era de um jeito; ficou de outro depois dele. Em 1994, inflação ainda descontrolada, brandindo programa radical Lula caminhava para ser eleito em outubro. Sob o clima do real, inflação estancada, sensação de ordem, esperança renovada, FHC ganhou as eleições em 1º turno com 54,24% dos votos, ficou oito anos no Planalto e só entregou o poder ao PT em 1º de janeiro de 2003.

 

Hora de parar e pensar sobre aspectos importantes que mudaram no Brasil, em especial os empurrados para a sombra. Bom apoio para reflexões é a recente entrevista do economista Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central, um dos pais do Plano Real, estampada nas páginas amarelas da Veja.

 

Naquela ocasião, 1994, o estatismo se esgueirava envergonhado pelos cantos no Primeiro Mundo. Caíra a Cortina de Ferro e escancarara o atraso e a miséria do socialismo; ainda sopravam os ventos de liberalização econômica dos governos de Ronald Reagan (1981-1989) e Margareth Thatcher (1979-1990). Entre nós, sina de retardatários, soprava ainda forte o vendaval insalubre do estatismo, impedindo avanços civilizatórios.

 

Assim comentou Pérsio Arida as vendas de estatais na esteira do Plano Real: “As privatizações da Telebrás, dos bancos estaduais, da Vale do Rio Doce. Era tudo tão difícil que precisava de força policial na porta da Bolsa de Valores para segurar os leilões”. Vamos reter o “era tudo tão difícil”. Observa ainda o economista: “Curiosamente, a maior oposição foi do PSDB de São Paulo, pois queríamos privatizar os bancos estaduais”. Em postura regressista, continuavam aferrados ao estatismo todo o bloco esquerdista [não mudou] e igualmente um embolorado nacionalismo estatizante, ufanista, romântico e dogmático. Por isso “era tudo tão difícil”.

 

A desestatização avançou pouco, retrocedeu no período petista, persiste o dinossauro estatal e, indício claro de retrocesso, a Petrobrás ainda refina quase 100% do petróleo. Mas, em medida dinamizadora, a estatal anunciou que em aproximadamente dois anos, vai vender para a iniciativa privada oito refinarias, em torno de 50% da capacidade de refino do Brasil, o que, junto com outras medidas, trará concorrência para o setor da energia ▬ maior produção e preços mais baixos. Entre as medidas complementares anunciadas, o governo tentará executar o projeto intitulado “O Novo Mercado de Gás” para terminar com o virtual monopólio de produção, transporte e distribuição exercido pela estatal.

 

Constam do programa a venda de transportadoras e distribuidoras de gás da Petrobrás, bem como novos regulamentos que diminuirão a intermediação, dando maior força ao consumidor e ao vendedor final. A União pretende estimular a venda de distribuidoras, hoje nas mãos de Estados da federação. O setor terá novos participantes, concorrência acirrada e se espera que o preço da energia baixará enormemente. Com isso, estímulo para a produção e enriquecimento geral da população.

 

“Era tudo tão difícil”. Era, hoje não é mais, está relativamente fácil privatizar, a oposição ficou menor e menos encarniçada. São avanços importantes, amadurecimentos na opinião pública que despertam esperanças. Esperanças que o público, melhorando em suas orientações, estimule um rumo em que o papel indispensável do Estado seja subsidiário. E que a sociedade, com base familiar, se fortaleça. É avanço civilizatório, trará recursos para realizar mais largamente a justiça social.

 

Trato agora de outra matéria, relacionada com a anterior, mas onde a maturação vem sendo lenta. Faz falta avançar célere, abandonar a molecagem destruidora, a esbórnia e assumir por inteiro para bem do Brasil a maturidade produtiva. Maturar é crescer. Em especial os pobres do campo têm direito a esse aperfeiçoamento.

 

Desde os anos 50 sobre o Brasil despencaram sucessivos e amalucados programas de reforma agrária, cujo efeito é invariavelmente baixíssima produtividade, disseminação de favelas rurais, fuga de capitais no campo, burocratismo, empreguismo e gatunagem. Programa delirante de atraso ainda que inconfessado, seus efeitos estão à vista nua: dinheirama pública torrada irresponsavelmente, bilhões e bilhões, favelas rurais, bagunça, favoritismo e roubalheira. É preciso eliminar esse recuo da vida brasileira, acabar com tal involução renitente. Já há numerosos e sérios estudos a respeito, economistas e agrônomos apontam o disparate desse amazônico gasto despropositado. Décadas e décadas de disparates e dilapidação de recursos num programa que nos envergonha em qualquer cenário internacional idôneo. Se nem um tostão tivesse sido desperdiçado nessas maluquices, a situação dos pobres no campo seria hoje melhor, a produtividade mais alta, teriam sido atendidos melhor a saúde e a educação para o povo em geral.

 

Aqui, um obstáculo grosso ao progresso nacional. Como base dessa regressão, em rápidos traços acima recordada, que já chamei de tumores de estimação, temos legislação demolidora, parte constitucional, parte infraconstitucional, entulho que torna inseguras as relações jurídicas, inibe a produção de alimentos, dificulta a verdadeira justiça social no campo. Pior, tal legislação tóxica poderá ser utilizada no futuro por governo de esquerda [será, logo que a oportunidade surja] para jogar o Brasil no caminho de Cuba e da Venezuela. Não custa lembrar, Salvador Allende fez assim no Chile; sem modificar a legislação, apenas lançando mão de vigentes “resquícios legais”, impôs violento programa de expropriações e estatização.

 

A bancada ruralista tem mais de 250 representantes (Câmara e Senado juntos). Luta por financiamentos melhores, subsídios, preços compensadores, portas abertas lá fora para exportação da produção, interesses imediatos. Certo. Todavia, com momento favorável a suas reivindicações, revela apatia com interesses mediatos, ou, por outra, fundamentais, de longo prazo. Não existe nenhuma comissão ou grupo de estudo ▬ e ninguém sequer trata do assunto ▬, de homens da ciência e da experiência, que compulsem toda a legislação vigente, pente-fino, para dela tentar expungir por meio de pertinentes propostas legislativas [PECs e projetos de lei] tudo o que ali fede a intervencionismo e coletivismo; enfim, a socialismo. Por baixo, evidencia imaturidade, medo de andar fora da trilha do politicamente correto e não só da classe rural, mas da opinião pública conservadora em geral. Falava acima de amadurecimento esperançoso. Constato aqui imaturidade decepcionante. Nelson Rodrigues dizia: “Jovens, envelheçam rapidamente”. É o caso de reclamar: “Brasileiros, amadureçam rapidamente”. Em tudo.

 

 

13) Postado em 17.4.2019

 

Anemia do abril vermelho

 

Péricles Capanema

 

Desde 1997 o MST promove o abril vermelho. Financiado com dinheiro público, o gigantesco show de agitações reclamou sempre a radicalização da reforma agrária e a implantação de outras pautas da esquerda, etapas para a sonhada sociedade socialista (caminho para a presente situação da Venezuela, na realidade). O MST, na linha de frente, era ajudado em particular pela  CPT e INCRA, trinca do barulho..

 

Há muitos lustros o agro tem sido atacado por vários meios ▬, um dos quais, invasões de fazendas ▬, em especial pela ação concertada dessas três entidades. O MST (primeira), organização comunista, braço do PT, e a CPT (segunda), extrema-esquerda eclesiástica, protegida pela CNBB (à vera, não apenas protegida, é órgão dela). A terceira, o INCRA.

 

Nos governos de esquerda, no INCRA diretoria, superintendências e enxames de funcionários solícitos encarniçadamente conluiados com PT, MST e CPT agrediam a propriedade particular no campo. No governo Temer, infelizmente continuou o INCRA a favorecer objetivos do MST (um pouco menos escancaradamente). Agora, sofreu uma trava. Continuam, porém, agentes do órgão em obstinada atuação deletéria, papocam aqui e ali funcionários efetivos e superintendências empurrando no rumo antigo. As três organizações formaram na prática um pactum sceleris (formaram no passado; a realidade ainda existe hoje, diminuída).

 

Assomou para desgraça do Brasil respiro importante para o MST. Em encontro com representantes da organização criminosa em fevereiro passado, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, comprometeu-se a não pautar (colocar para votação) projetos que o criminalizem. Criminalizar a atuação do MST ficou para as calendas. Foi promessa de campanha ▬ espera-se que apenas de momento arquivada. “Toda ação do MST e do MTST deve ser tipificada como terrorismo”, repetia o candidato Jair Bolsonaro. Com o incumprimento do compromisso, o MST preservaria suas possibilidades de ação no futuro.

 

Amarelou em 2019 o abril vermelho. Só pequena agitação em Salvador, onde um petista, Rui Costa, é inquilino do Palácio de Ondina. A própria Abin não julgou necessário alertar o governo sobre possíveis agitações. Por quê?

 

Porque o abril vermelho desde sempre foi show totalmente artificial, viveu do dinheiro público. Não representa em nada o sentimento do homem do campo. Em parte, o INCRA, por causa da nova direção, já não impulsiona abertamente a ação concertada do MST-CPT. Ficaram ainda focos infeccionados, já disse. O presidente Jair Bolsonaro apontou outro fator: “Incra registra só 1 ocupação no 1º trimestre diante 43 ações no mesmo período de 2018. O MST está mais fraco pela facilitação da posse de armas, iniciativa que terá derivações pelo governo, falta de financiamento do setor público e de ONG”.

 

O ponto maior é esse, faltou dinheiro público para o abril vermelho. Por exemplo, acabou a farra dos convênios. Contudo, estão intactas as leis e, em boa medida, as estruturas utilizadas pelas mencionadas três organizações. A anemia acabará no dia em que o dinheiro público voltar a fluir.

 

Lamento prever, gostaria de estar errado, mas vai continuar intacta a legislação e boa parte das estruturas. Não é politicamente correto acabar com a infecção. Temos no Brasil tumores de estimação. São cancerígenos, matam as possibilidades de avanço, prejudicam os pobres, mas são nossos tumores de estimação. Um dos mais virulentos é o programa da reforma agrária.

 

É, repito, politicamente incorreto enunciar o óbvio ululante: desde o início, lá pelos anos 60, a implantação da reforma agrária representou retrocesso monumental, um atraso de proporções amazônicas. Se nunca no Brasil se tivesse falado de reforma agrária, os pobres hoje estariam mais bem de vida no campo e na cidade, os alimentos estariam mais baratos, seríamos hoje potência agrícola mais poderosa. E as montanhas de dinheiro que foram desperdiçados no programa maluco poderiam ter atendido larga e beneficamente a saúde e a educação.

 

Inexistisse o xodó pelo tumor, a medida mais comezinha e lógica seria acabar imediatamente com o programa da reforma agrária. Aqui não. E continuam as declarações bestas do tipo: “Vamos aplicar a legislação, o programa da reforma agrária não parou, vai ficar sério”. “Vamos aproveitar os lotes abandonados”.

 

Todos sabem, são centenas de milhares de lotes com contratos de gavetas, abandonados, empregados para outros fins, produtividade baixíssima. Já foram utilizados 880 mil quilômetros quadrados nessa doidice (o Estado de Minas Gerais, 586. 528 km2, área do Rio Grande do Sul, 281.748 km2; soma dos dois 868.266 km2). Ou seja, se somarmos a área de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul não dá a área esperdiçada na maluquice do programa de reforma agrária (disseminação de favelas rurais, roubalheira, pobreza, clientelismo de movimentos sociais). O agronegócio salva a economia brasileira, garante a balança comercial, distribui riquezas, dá empregos. Sabem com que área? Vejam esse dado: em 2016, a Embrapa Territorial havia calculado a ocupação com a produção agrícola em 7,8% (65.913.738 hectares. 659.137 km2.

 

Relatório do TCU de 2016 indicava que o valor das áreas com indícios de situação irregular dentro do programa de reforma agrária era de R$159 bilhões, utilizada a avaliação do IBGE. Se for em valor de mercado, pode facilmente chegar a R$300 bilhões. Terra tratada na esbórnia, na desorganização, no desconhecimento. Advertia que bilhões de reais emprestados poderiam não ser pagos (claro, nunca foram). Vejam o disparate nas palavras do relatório do TCU: “Conforme informado pelo INCRA, os créditos eram concedidos a estruturas associativas formais ou informais e distribuídos entre os integrantes dos PAs (projetos de assentamento), não havendo registro individualizado organizado sobre quem recebeu os créditos, ou seja, o prejuízo pode ser muito maior.” Entenderam? Sociedades informais (patotas de privilegiados dos movimentos sociais), sem registro individualizado recebiam dinheiro público.

 

R$300 bilhões de terras na bagunça. Coloque os empréstimos não devolvidos, os perdões de dívidas, a assistência técnica estatal para aproveitadores, o controle tirânico dos assentamentos pelos agentes do MST, a venda ilegal de madeira. Os escândalos do mensalão e do petrolão são fichinha perto do escândalo do programa da  reforma agrária.

 

Mas, é claro, não se pode extinguir o programa. Razão técnica? Nenhuma. Não aumenta a produtividade. Razão social? Nenhuma. Piora a situação dos pobres. Razão de paz social? Nenhuma. Tensiona a região em que se implantam os assentamentos. Mas trona e sobrepassa tudo uma razão inamovível. É tumor de estimação. Tumores de estimação são intocáveis.

 

 

14) Postado em 19.2.2019

 

Delenda est Carthago

 

Péricles Capanema

 

Pensava eu com meus botões, fosse outra a educação secundária entre nós, “Delenda est Carthago” seria agora expressão nos lábios de muitos. Em minha juventude, foi. Vira e mexe a ouvia para indicar que alguma coisa encrespada deveria sempre chamar a atenção no meio de outras preocupações. De momento, em muitas circunstâncias importantes (vou ressaltar uma), cai como uma luva. Contudo, nunca é escrita, nunca é ouvida em conversas. Lembro duas razões, a primeira, já não se estuda latim; a segunda, é superficial, para dizer pouco, o estudo da História.

 

E assim, para alguns vou explicar. Quem já sabe tudo a respeito, pule este e o parágrafo próximo. “Delenda est Carthago” significa Cartago deve, precisa ser destruída. Outras fórmulas circulam, indicando no fundo a mesma coisa. “Ceterum censeo Carthaginem delendam esse” ou “Ceterum autem censeo Carthaginem delendam esse”. Julgo, penso, acho que Cartago deve ser destruída. Eram afirmações populares na Roma do século II a.C., por ocasião das guerras púnicas, como se sabe a disputa entre Roma e Cartago, dois grandes poderes da Antiguidade. Em suma, a existência de Cartago poderosa era o grande problema para a continuidade de Roma como Estado soberano e livre. Todo o resto vinha depois.

 

Um homem público simbolizou tal política, Catão, o Velho (234-149 a.C.). Senador, sempre terminava seus discursos, não importava o tema, com a frase “Delenda est Carthago” ▬ Cartago precisa ser destruída.

 

Vou aparentemente dar um salto carpado triplo. Tereza Cristina, a nova ministra da Agricultura, ecoando reivindicação dos produtores rurais reclamou: “Desmame de subsídios não pode ser radical”. Ou por outra, é preciso desacostumar devagar o bezerro (os produtores rurais) das tetas (o Tesouro). Se não, o bicho pode crescer franzino ou morrer.

 

A ministra reconhece implicitamente que um dia o bezerro, já novilho, vai viver do pasto, sem crédito subsidiado e proteção alfandegária para alguns produtos. Só não diz quando. E aqui, no longo prazo, dá razão à equipe econômica que pretende acabar com a farra de subsídios, protecionismos e incentivos pois em casos sem conta além de pesar no Tesouro praticamente falido e invadir o bolso do contribuinte, estimulam a ineficiência; em suma, lesam o bem comum.

 

Quanto à realidade vivida no momento pelo setor, a ministra fustigou: “Vamos quebrar a agricultura? É esse o propósito? Tenho certeza que não é. Não pode criar um pânico no campo”.

 

Ela tem razão. É situação a ser tratada com luvas de pelica, problema que a bancada ruralista precisaria conversar preto no branco com a equipe econômica. Todas as preocupações são justificáveis.

 

Destaco a expressão criar pânico no campo. No longo prazo, tem uma espada de Dámocles sobre a classe rural, pior que o problema dos subsídios e do protecionismo ▬ delenda nela. Começa com a vigência tranquila do ignóbil artigo 184 da Constituição Federal que estatui: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação”. Continua com o alastramento do problema, que não está só na Constituição, espalha-se como a peste negra pela legislação infraconstitucional.

 

Vou expor aqui, passo a passo, o método já largamente utilizado para ir entregando partes das terras a grupelhos fanatizados. 1º) Escolha da fazenda, verificação da situação fiscal, tributária etc por amigos dos grupelhos; 2º) Contratação de magotes de agitadores dirigidos pelo MST, CIMI, CPT, PT, PSOL, por vezes FETAG, acumpliciados com pessoal do INCRA e de outros órgãos públicos (em especial com utilização de dados técnicos, fiscais, tributários que tornam mais fácil o esbulho). Tumulto na região escolhida, em que se localiza a terra a ser roubada. No caso, na prática, todas essas entidades agem como organizações criminosas acumpliciadas. 3º) O governo com base na tensão social artificialmente criada pelo conluio de organizações criminosas expropria (esbulha) a terra. E a enche de desocupados, arruaceiros para constituir mais uma favela rural, intitulada assentamento, valhacouto de brigas, roubalheira, até tráfico de drogas, sempre com baixíssima produtividade e dinheiro público para ficar em pé..

 

Esse expediente, biso, foi largamente usado pelos governos Lula e Dilma. Se vier um novo governo de esquerda e de tonalidades mais agressivas, vai utilizá-lo sem dúvida a rodo para desgraça do Brasil. E infelizmente temos de momento em Brasília episódios contínuos de autodemolição, que levantam preocupações quanto ao resultado das eleições de 2022. E poderemos então escorregar rumo à presente situação da Venezuela.

 

A reforma agrária, estou cansado de repetir, tumor de estimação nosso, só traz desgraça, devia acabar para nunca mais ser dela se falar, mas continua viva, um disparate sem fim destruindo o campo, afugentando investidores e empreendedores ativos, baixando a produção, comprimindo salários. É uma praga do Egito para os pobres. Fora o resto.

 

Relembro agora o que escrevi semanas atrás e já o relaciono diretamente ao título do artigo. Allende comunistizou o Chile com esteio na legislação existente, “os resquícios legais”. Não precisou de legislação nova. Atenção, vou repetir: não precisou de legislação nova. Entre nós, com base na Constituição de 1988 e em legislação infraconstitucional vigente, o campo pode ser devastado.

 

Vou dar apenas um exemplo. Um dos dispositivos mais letais para as desapropriações delirantes do período Lula-Dilma, sempre utilizado pela dupla para cevar grupelhos de extrema esquerda agrária foi o artigo 15, cujo teor é o seguinte: “Art. 15. A implantação da Reforma Agrária em terras particulares será feita em caráter prioritário, quando se tratar de zonas críticas ou de tensão social.”

 

Criar zona crítica ou de tensão social é tarefa fácil para organizações criminosas conluiadas. Acima está o método na sua simplicidade. E aí chega o Poder Público, também no conluio e desapropria. Ninguém nunca mais cancela a injustiça. O artigo 15 é de qual lei? Não a indiquei ainda. É da lei nº 4504 de 30 de novembro de 1964, presidente o marechal Castello Branco, Roberto Campos o ministro do Planejamento e Octávio Gouveia de Bulhões na Fazenda.

 

Para segurança jurídica dos próximos anos e das gerações futuras de produtores rurais, é urgente limpar a legislação das disposições ignóbeis, facilmente utilizáveis por qualquer governo mal-intencionado. A existência de tal arcabouço, mesmo que não pareça, é o maior obstáculo para a segurança jurídica e a tranquilidade dos produtores ▬ agora e daqui a 50 anos; a lei de 1964 que em boa hora (para eles) caiu no colo de Lula tem 55 anos. Este fato é pior e mais ameaçador que o fim abrupto dos subsídios. Não se berrou contra o “entulho autoritário”, que precisava ser varrido logo? E sobre este entulho de maldição, garantia de devastação da agropecuária, logo que a esquerda o tenha em mãos vai pairar o silêncio sepulcral? “Delenda est Carthago”.

 

 

15) Postado em 22.1.2019

 

Voz que clama no deserto - 2

 

Péricles Capanema

 

Tempos atrás publiquei artigos denunciando perigos da aproximação do Brasil com a China. Pelo que me recordo, o primeiro foi de janeiro de 2016, ainda no governo Dilma. Sob o título “O Brasil servo” explicava os riscos mortais da aproximação insensata com a China, então vivamente estimulada pelos deputados federais do PT. Citei nele partes do documento da bancada petista que exigia crescente alinhamento comercial com a China comunista: “A China tem um conjunto de bancos de fomento que ofertam linhas de crédito e investem em projetos no exterior. Esses bancos têm incrementado sua presença na América Latina”.

 

O título da matéria, “O Brasil servo”, resumia tudo; a direção econômica exigida pelo PT naquele documento no futuro acabaria com a efetiva independência nacional. Depois de numerosas peças sobre a mesma questão, em 18.2.2016 escrevi “Clamando no deserto”. Parecia-me estar isolado em minhas denúncias. Ninguém ventilava o tema. Lamentava eu: “Vez por outra sucede eu ter a sensação de clamar no deserto. Verifico, entre surpreso e desolado, ninguém está dando bola para aquilo por mim tido por importante. [...] Vejo com horror o avanço do capital estatal chinês sobre ativos brasileiros. De fato, são gigantescas propriedades no Brasil passando celeremente para o governo do PCC (Partido Comunista Chinês), que vai utilizá-las, mais dias, menos dias, para seus objetivos de dominação de nossos assuntos internos e de hegemonia mundial”.

 

Não podia imaginar que, quase três anos depois, o assunto retornaria acalorado. Lendo as notícias a respeito da comitiva de deputados federais brasileiros (parece-me, também uma senadora) na China, entristeceu-me e me apavorou o desconhecimento palmar do conteúdo, o balbucio inconclusivo das justificações, a superficialidade arrogante, o primarismo ovante, ▬ perdoem-me a próxima palavra, mas a verdade tem seus direitos ▬ a boçalidade desinibida de muitas das intervenções no debate. Pobre do país que padecer tal representação popular (rezo a Deus que o plantel lá na China não seja amostra válida da totalidade de nossos representantes). É difícil aqui não recordar o dito amargurado de Ulisses Guimarães: “Está achando ruim essa composição do Congresso? Então espere a próxima: será pior”.

 

Vou repetir agora o que escrevi dias atrás: 87% das inversões chinesas no Brasil são de empresas estatais. Os eufemismos, no caso sintoma de subserviência e temor, correm soltos, disfarçando tal realidade. Expressões preferidas, “capitais chineses”, “investidores chineses”, “capitais da China”. E, de novo, martelo no óbvio: a imensa maioria dos diretores das estatais pertence ao Partido Comunista Chinês. Congruentemente, sua ação favorece os interesses do comunismo chinês que na América Latina, entre outros objetivos, quer minar a influência dos Estados Unidos e apoia abertamente Venezuela e Cuba. Nenhum diretor de estatal faz a menor ação que possa prejudicar os interesses do comunismo chinês. Os 13% restantes do capital  investido, na maior parte, provêm de empresas com ligações próximas com o governo chinês. Vou fazer uma previsão. Você não vai ser informado que 87% do capital chinês aplicado no Brasil provêm de estatais dirigidas pelo Partido Comunista Chinês. Vai continuar a ler e escutar “investidores chineses”, “capitais chineses”, “capitais da China”, eufemismos, repito, que ocultam a realidade amedrontadora. Continuo a clamar no deserto. Clamor no deserto-1, digamos.

 

Mas não quero tratar hoje da disputa acima. Vou falar de outro assunto, mais imediato, reforma agrária. Aqui também já estou começando a clamar no deserto (no caso, clamor no deserto - 2). A verdade evidente, de um óbvio ululante, é que a reforma agrária precisa acabar, já fez mal demais ao Brasil. Prejudicou os pobres, abaixou salários no campo, diminuiu a produção, trouxe insegurança jurídica, tornou improdutivas ou pessimamente aproveitadas terras que poderiam estar produzindo com tecnologia de Primeiro Mundo, gerando riquezas, aumentando a oferta e baixando o preço dos alimentos. São bilhões e bilhões de reais que ao longo dos anos foram para o ralo (quando não para o bolso de espertalhões, grandes e pequenos). A educação poderia estar mais bem atendida, a saúde, a segurança, sei lá mais o quê. A reforma agrária, disparate sem fim, pesadelo delirante para qualquer um de bom senso, já vitimou 880 mil quilômetros quadrados do território nacional.

 

Visitem os assentamentos, se puderem (se as patrulhas do MST permitirem), conversem com os vizinhos deles para conhecer na prática o que domina lá dentro. A intimidação, os negócios escusos, as bebedeiras, os roubos, o desrespeito às leis. Tudo isso apoiado pelo INCRA, cuja ação deletéria fez realidade a maldição da reforma agrária para o Brasil. Transcrevo Xico Graziano, ex-presidente do INCRA: “Em 2015, ao completar 45 anos, o Incra divulgou que em sua existência havia assegurado o acesso à terra para 968.887 famílias, agrupadas em 9.256 assentamentos fundiários, distribuídos por 88 milhões de hectares de terra. Para comparação, basta dizer que toda a área colhida na safra passada somou 78,2 milhões de hectares. O Brasil realizou a maior distribuição de terras, pela via democrática, no mundo. [Os assentamentos são] verdadeiras favelas instaladas no meio rural. Bilhões se investiram nessa agenda. [Não existem dados} que permitam aquilatar a contribuição produtiva dos assentamentos. Não se sabe quanto nem o que produzem. A lacuna é intencional. Uma rosca sem-fim. As entidades que lutam pela reforma agrária sempre foram contra a titulação das terras distribuídas. Por quê? Porque preferem ver os ‘sem-terra’ vivendo, décadas, de forma precária, subordinados ao Estado. Somente dessa forma, os MST da vida conseguem manter sua dominância sobre os pobres coitados, fazendo-os comer na sua mão. E, desgraçadamente, aproveitar-se dessa situação para morder nacos do dinheiro públicos. Não promove, pelo contrário, é contrária à emancipação dos agricultores pobres no campo. Os ‘movimentos sociais’ gostam de criar submissão, a mais desgraçada das misérias humanas. Atualmente, já funciona um enorme mercado, paralelo, de venda de lotes, com a conivência do poder público e a participação dos ‘movimentos sociais’. Existe uma brutal concentração fundiária dentro dos assentamentos rurais, onde quase tudo está, irregularmente, arrendado para outrem. Rola uma tremenda picaretagem agrária nas barbas das autoridades. Que ficam de bico calado.”

 

Apesar da realidade evidente, continua a conversa fiada de que é preciso fazer uma reforma agrária criteriosa. O bom critério aqui é acabar já com a reforma agrária, parar tudo, desfazer os estragos em curso, e passar a trilhar rumo sensato que ajude produtores, aumente a produção e favoreça de fato os pobres.

 

Outro ponto que agride os tímpanos: de momento não existe dinheiro para aplicar no programa. Se houvesse recursos, seria moralmente criminoso torrar o escasso dinheiro público na reforma agrária. Crime contra os pobres, crime contra os produtores, crime contra o bem comum.

 

Terceiro ponto, a partir de agora, sem levar em conta as invasões, vai se aplicar a legislação. Também é enganador dizer que não haverá reforma agrária para invasor. O normal é nem para invasor, nem para ninguém. A medida que vai favorecer os pobres é sumir com a reforma agrária. Terra para quem quer plantar? Sim, a pública. E nãoo indiscriminadamente, comsujeição ao MST e aos apaniguados do INCRA, mas em quadro novo para quem tem capacidade técnica e habilidade comercial.

 

Uma palavra final sobre a legislação. A legislação brasileira a respeito é péssima em vários de seus aspectos fundamentais, já deu e tem dado margem a toda sorte de abusos, precisa ser urgentemente revista e consertada, quando não extinta.

 

O presidente marxista Salvador Allende comunistizou o Chile, arrebentou sua economia, aplicando legislação existente, anterior à sua ascensão ao poder. A estatização das empresas no Chile, iniciada em fevereiro de 1971, foi feita com o uso dos então chamados “resquícios legais”.

 

A legislação existente hoje no Brasil, como a do Chile à época de Allende, tem muitos “resquícios legais”, eufemismo para indicar legislação facilmente utilizável por governantes de esquerda. Se tal legislação não for extinta, propiciará condições para que um futuro governo de coloração petista nos leve no agro à situação hoje padecida pela Venezuela.

 

Apenas um exemplo entre dezenas de disparates na legislação. A medida natural, lógica dos defensores da propriedade rural (preocupação para a bancada ruralista) é promover já a aprovação de uma PEC que elimine a essência demolidora do artigo 184 da Constituição.

 

Reza o monstrengo: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. §1º: As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação”.

 

A verdade que salta aos olhos: desapropriar por interesse social é uma gazua, que permitiu sucessão de disparates (roubos, depois de arrombada a porta). Todo mundo sabe que desapropriar por interesse social, espada de Dâmocles, no Brasil é enganação. Logo a seguir vem a foiçada da desapropriação. O título da dívida agrária na prática é o instrumento legal do esbulho. A desapropriação sai por valor inferior ao real (quando não há tramoia e a desapropriação dispara, aí existe comilança para muita gente) e, a mais, o TDA é negociado com grande deságio. Espoliado o proprietário, ali se instalada a doideira dos assentamentos.

 

Infelizmente já vou avisando, vou clamar no deserto (o clamor-2) reclamando uma PEC que extraia o tóxico do artigo 184. E é veneno que pode no futuro jogar o Brasil no coletivismo agrário. Falta reatividade viva, interesse lúcido, senso efetivo de proteção aos pobres. Inexiste coragem ▬ a patrulha vai cair de quatro ▬ para propor esta medida de necessidade evidente.

 

A verdade é que parte do Brasil que conta tem tumores de estimação, xodós cultivados, acariciados e alimentados.  Gosta de manter tumores cancerosos. E são vários, dos quais lembrei um, a reforma agrária. Poderia lembrar outro, as estatais. No campo das ideias e emoções, a pena romântica (não efetiva) pelos pobres e o igualitarismo difuso. Tantos mais. Por que não o INCRA? Também o INCRA e sua fedentina. Para boa parte dos dirigentes políticos e mesmo para alguns produtores rurais, é tumor de estimação. Precisa ser tocado de leve, nutrido.

 

 

16) Postado em 22.1.2019

 

Artigo sem título

 

Péricles Capanema

 

Medida inicial promissora foi o título que dei de saída para o presente artigo. Cancelei-o, não encontrei substituto. Esperançado, iria discorrer sobre a notícia seguinte “Governo Bolsonaro paralisa reforma agrária e demarcação de territórios quilombolas. Segundo o INCRA, cerca de 250 processos foram interrompidos; órgão está subordinado ao Ministério da Agricultura”, veiculada na rede por vários órgãos de divulgação em 8 de janeiro.

 

Assegurava a informação, como está acima, o governo Bolsonaro havia determinado a paralisação da reforma agrária e da demarcação de territórios quilombolas. Aleluia! Ufa! Até que enfim, no caso, a verdade evidente, depois de levar surras cruéis por várias décadas, começava a ganhar a disputa contra a mistificação!

 

Minha alegria durou 24 horas; a paralisação deixou de existir, segundo fontes do governo em comunicado do dia 9 de janeiro. Decorrência lógica, a farândola demolidora poderia voltar logo a infernizar a vida dos brasileiros. A satisfação murchou, sufocada pela preocupação.

 

Por que coloquei de primeiro no título, medida inicial promissora? Era passo inicial (desculpem o jogo de palavras, paralisar aqui seria um grande passo); havia razões para crer, continha promessa de caminhada na mesma direção. Durou pouco o alívio de ser informado, finalmente se começava a estancar a sangria em corpo ferido.

 

Todo mundo ligado ao agro sabe, nesse assunto, a medida normal, enraizada fundo no mais elementar bom senso, vai muito além. É de um óbvio ululante: extinguir a reforma agrária. Ponto final. Sumir com ela do panorama. Simples assim. E, congruente, abolir a legislação tingida de vermelho que a embasa, devolvendo, em seguida, quando ainda factível [essa maluquice no Brasil já tem mais de 50 anos, a SUPRA é de 1962, o Estatuto da Terra é de 1964 e a Revisão Agrária Paulista é anterior, de 1960], aos donos legítimos, muitos em situação desesperadora, o que o governo roubou, para que, de olho no mercado, façam a terra produzir. A providência favorecerá a paz no campo, o aumento da produção, a harmonia nas relações patrão-empregado, bem como ajudará a diminuir, quando não eliminar, a pobreza rural.

 

Largas faixas da opinião nacional têm sido escravas dóceis desde há décadas de preconceito politicamente correto, delirantemente absurdo. Qual preconceito? De que a reforma agrária é exigência da justiça, ajuda os pobres. Assim, ser contra a reforma agrária equivaleria a ser contra os pobres e a favor do latifundiário.

 

Os fatos provam, é falsidade deslavada. A reforma agrária no real piora a situação dos pobres e ajuda aproveitadores, agitadores e desonestos. Relembro a opinião abalizada e serena do agrônomo Xico Graziano, antigo presidente do INCRA: “Devastador. Assim classifico o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os assentamentos de reforma agrária no Brasil. Foram identificados 479 mil beneficiários irregulares. Escandaloso. Esbórnia agrária. Foi nesses termos que a Folha de S. Paulo tratou o assunto em editorial (edição de 08/04/2016), afirmando que tamanho desvio ‘não surge do nada, só se constrói, anos a fio, com a omissão ou a conivência de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)’. Triste conluio do governo do PT, com a parceria do MST e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). A malandragem é assustadora: foram identificados 248,9 mil assentados com local de moradia diferente do lote concedido; 23,2 mil já contemplados antes pela reforma agrária; 144,6 mil funcionários públicos; 61,9 mil empresários; 1.017 políticos titulares de mandato eletivo, sendo 847 vereadores. Sem-vergonhice. Tétrico. O TCU aponta 37,9 mil pessoas mortas na lista dos beneficiários da reforma agrária. Entre os vivos, 19.393 cadastrados são donos de veículos de luxo, como Porsche, Land Rover e Volvo. Picaretagem pura. [...] Vem de longe a existência de um "mercado de terras", em que se vendem, se compram e se arrendam lotes nas barbas do INCRA. Tudo proibido, mas rola fácil. Propina descarada. A cada análise crítica, os ideólogos da chamada "esquerda agrária" bradam contra nossos alertas. Para nos desqualificar, acusam-nos de defensores do agronegócio. Eles, os puros, defendem a "agricultura familiar" e, mais recentemente, a "agroecologia". Caiu a máscara. Já mostrei anteriormente como uma série de convênios governamentais destina milhões às organizações agrárias ligadas ao esquema da corrupção no campo. Dinheiro público na veia do "exército vermelho", aquele que Lula diz comandar. Basta acessar meu site www.xicograziano.com.br e conhecer a lista completa das ONGs, com os respectivos valores que receberam nos últimos 10 anos. Definitivamente, acabou a utopia da reforma agrária. [...] Há muita sujeira escondida debaixo do tapete. Podridão agrária.”

 

Quem age contra a reforma agrária, na prática já atua a favor dos pobres. E ajuda o Brasil a evitar o destino da Venezuela (10.000.000% de inflação anual, êxodo dos miseráveis, ladroagem, fora o resto). A aliança espúria, beirando a oficial, MST-INCRA-CIMI-PT-ONGs-CONTAG, protegida por cima pelo estímulo ou conivência dos partidos que governaram o Brasil nos últimos lustros nos empurravam para o destino da Venezuela.

 

Lembro alguns dos males da reforma agrária brasileira, obsessão besta e destruidora da academia, de políticos e de eclesiásticos desde os anos 50. Dificulta a produção, lesando o bem comum. Inibe investimentos na pecuária e na lavoura, empobrecendo investidor, patrão e operário. Cria insegurança jurídica, diminuindo emprego e renda. Torra dinheiro público, sem aumentar a produção e salários, impedindo a aplicação de montanhas de dinheiro em educação, saúde e segurança. Sem falar na comilança e roubalheira que propicia para políticos, dirigentes de órgãos públicos, chefes de ongs, negociantes de lotes nos assentamentos.

 

Por que fiquei sem título? Pela notícia seguinte: “O presidente substituto do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Francisco Nascimento, revogou os memorandos circulares do próprio órgão do último dia 3 que haviam paralisado o programa de aquisição de terras para reforma agrária no país. A decisão foi tomada às 22h13min desta terça-feira (8)”.

 

O que houve? Repito o que afirmei em artigo passado, de conhecimento público: o INCRA fede. Dentro de seus escritórios ao longo dos anos foram planejadas invasões de terras no Brasil, milhares talvez, a ali depois protegidas. Seus relatórios em sem número de vezes falsearam a situação da propriedade ameaçada, desvalorizavam-na (roubo), para assim tornar mais fácil a sanha expropriatória. Suas superintendências sempre foram valhacoutos de políticos extremistas, incompetentes e corruptos. Seus assentamentos são foco permanente de criminalidade, bebedeira, roubalheira. Perguntem aos vizinhos dos assentamentos como é trágica a situação deles. E agora, o INCRA manda dizer que a coisa não mudou? Santo Deus!

 

Logo a seguir falou Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários. Suas palavras, de sabor agridoce, não espancaram a preocupação. Afirmou em resumo que o INCRA não tem recursos para fazer a reforma agrária no País [se os tivesse, faria?]. Segundo ele, as atividades de reforma agrária tocadas pelo INCRA não foram paralisadas: “É claro que o INCRA vai continuar funcionando, só que dentro da lei. A realidade hoje é que não tem mais dinheiro no INCRA, não tem dinheiro para fazer a reforma agrária.” Seria extraordinário se essa máquina de destruição parasse de funcionar.

 

Ainda vai continuar a moer o Brasil? Sabem quantos hectares já foram utilizados para a reforma agrária? 88 milhões, 880 mil quilômetros quadrados. Torraram bilhões de reais (dinheiro seu) que poderiam ter sido utilizados para melhorar a situação dos pobres na saúde, educação, segurança. E essas terras hoje estariam produzindo muito mais, exportando mais, pagando melhores salários aos que nela labutassem. Sem falar que boa parte da dinheirama foi para ongs, políticos, aproveitadores, MST, funcionários do INCRA e vai por aí afora.

 

Espero que um dia no Brasil triunfe o bom senso mais elementar, e aí extinguiremos esse disparate ▬ vou mudar, extirparemos esse tumor cancerígeno. Continuamos, por enquanto, esbofeteando o óbvio ululante. Talvez daqui surgisse um bom título para o artigo, mas, por comodidade, fica hoje sem cabeçalho. Última confissão, tenho esperança que o bom senso acabe triunfando, pois tenho visto passos nessa direção. Não falei da questão quilombola. Faltou espaço. Mas é semelhante em suas linhas gerais.

 

17) Postado em 22.11.2018

O INCRA precisa mudar de nome

 

Péricles Capanema

 

Do novo governo só reclamo que cumpra as promessas consoantes ao bem comum. Solicito, contudo, uma providência simples para o bem do Brasil. Mais que pedido, é sugestão enraizada na força das coisas simbólicas.

 

O INCRA precisa mudar de nome. Seria medida de enorme simbolismo. Tantas vezes o impacto de providência de tal tipo vale mais que fatos de outra natureza, muda o clima, determina rumos. Seria fato prenunciativo, sugeriria intenções de construção e progresso. O INCRA é retrocesso macabro.

 

O MST, companheiro, parceiro e cúmplice do INCRA por anos sem fim, conheceu bem o poder dos símbolos. Fazia questão que as autoridades enfiassem na cabeça o boné vermelho dos bandoleiros e agitadores do campo brasileiro, cuja ação tantas vezes foi qualificada, com pertinência, de terrorista. Até mesmo e repetidamente por Jair Bolsonaro. Recentemente, advertiu o presidente eleito: “Quando você vê o pessoal do MST invadindo propriedades, depredando, matando animais, tocando fogo em prédio, você fica indignado com isso. Temos que ter uma relação bastante dura, para que esses que vivem fora de lei sejam enquadrados. Muitas vezes os proprietários entram com ação judicial de reintegração de posse, ganham na Justiça, mas os governadores não cumprem a ordem por questões ideológicas. Toda ação do MST e do MTST devem ser tipificadas como terrorismo. A propriedade privada é sagrada”.

 

Por trás, não foi raro, essas ações eram combinadas nos escritórios do INCRA, com participação de gente do INCRA. Hoje se cala isso. Mas é fácil verificar, é só perguntar aos agredidos Brasil afora como as coisas aconteciam.

 

Aliás, tenho boa companhia em minha proposta de mudar o nome do INCRA. O deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), médico ortopedista, ministro indicado para o ministério da Saúde do próximo governo, tem grandes planos para a pasta. Qual é a primeira medida proposta por ele? Simbólica. Quer mudar o nome do Mais Médicos para Mais Saúde. Com isso, expulsa do programa a fedentina castropetista. Ótima profilaxia, desinfeta. Declarou o dr. Luiz Henrique: “Era um dos riscos de se fazer um convênio e terceirizar uma mão de obra tão essencial. Me pareceu muito mais um convênio entre Cuba e o PT e não entre Cuba e o Brasil. Era um risco para o qual a gente já alertava de início. Improvisações costumam terminar mal. Não deveria ter esse nome. Deveria se chamar Mais Saúde”.

 

Proponho o mesmo com o INCRA. Mudem o nome, INCRA fede. Vamos desinfetar. Perguntem a qualquer produtor rural, desde os muito pequenos até os grandes, que já tiveram contato próximo com as traficâncias do órgão, e a resposta será sempre nessa linha: “Catinguento, por mim podiam fechar essa porcaria”.

 

Vou apenas transcrever agora a opinião de Xico Graziano, especialista reputado, ex-presidente do INCRA: “Devastador. Assim classifico o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os assentamentos de reforma agrária no Brasil. Foram identificados 479 mil beneficiários irregulares. Escandaloso. Esbórnia agrária. Foi nesses termos que a Folha de S. Paulo tratou o assunto em editorial (edição de 08/04/2016), afirmando que tamanho desvio ‘não surge do nada, só se constrói, anos a fio, com a omissão ou a conivência de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)’. Triste conluio do governo do PT, com a parceria do MST e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). A malandragem é assustadora: foram identificados 248,9 mil assentados com local de moradia diferente do lote concedido; 23,2 mil já contemplados antes pela reforma agrária; 144,6 mil funcionários públicos; 61,9 mil empresários; 1.017 políticos titulares de mandato eletivo, sendo 847 vereadores. Sem-vergonhice. Tétrico. O TCU aponta 37,9 mil pessoas mortas na lista dos beneficiários da reforma agrária. Entre os vivos, 19.393 cadastrados são donos de veículos de luxo, como Porsche, Land Rover e Volvo. Picaretagem pura. Há tempos alguns de nós, estudiosos da reforma agrária, denunciamos os desvios do processo de distribuição de terras. Vem de longe a existência de um “mercado de terras’, em que se vendem, se compram e se arrendam lotes nas barbas do INCRA. Tudo proibido, mas rola fácil. Propina descarada. A cada análise crítica, os ideólogos da chamada ‘esquerda agrária’ bradam contra nossos alertas. Para nos desqualificar, acusam-nos de defensores do agronegócio. Eles, os puros, defendem a ‘agricultura familiar’ e, mais recentemente, a ‘agroecologia’. Caiu a máscara. Já mostrei anteriormente como uma série de convênios governamentais destina milhões às organizações agrárias ligadas ao esquema da corrupção no campo. Dinheiro público na veia do ‘exército vermelho’, aquele que Lula diz comandar. Basta acessar meu site www.xicograziano.com.br e conhecer a lista completa das ONGs, com os respectivos valores que receberam nos últimos 10 anos. Definitivamente, acabou a utopia da reforma agrária. Pouco importa as razões do passado, ou a ideologia. Na sua existência real, é triste perceber a falência do modelo estatal-distributivista da terra. Pior, mancha nossa história verificar sua trágica degeneração. Não basta suspender a distribuição de terras pelo INCRA. Será apenas um remendo. Há muita sujeira escondida debaixo do tapete. Podridão agrária”.

 

Quer saber, o que revelou o relatório do TCU ainda foi só a ponta do iceberg. A reforma agrária no Brasil, desde o começo com a SUPRA janguista, é uma coleção quase inconcebível de disparates, desacertos, desperdício de dinheiro público, roubalheira. Prejudicou os produtores, piorou a situação para quem precisava de emprego, em geral foi engano para os que receberam parcelas. O Brasil sofreu muito com os delírios mitomaníacos dos setores obcecados com a reforma agrária, inimigos da realidade e escravizados ao fanatismo ideológico. É preciso acabar logo com o absurdo para o bem de todos. Chega de retrocesso e gatunagem.

 

Mudar de nome é só o começo, mas vale muito, sinaliza vontade do rumo novo, com o abandono definitivo da trilha em que se torrava dinheiro público a rodo e só causava desgraça.

 

Outro ponto. O INCRA tem apaniguados de partidos e restos renitentes de petismo, indicações políticas (menos do que nas gestões Lula-Dilma, mas o disparate continua em Brasília e nas superintendências regionais). Essa turma além de especializada em embolsar, só dá prejuízo. Ojo!, dizem os espanhóis, cuidado com as más surpresas. Os produtores rurais e os brasileiros de bem se lembram da visita, tetricamente simbólica, 1º de junho de 2016, de Zé Rainha, outros dirigentes da FNL (Frente Nacional de Lutas) ▬ xerox do MST ▬ acompanhados de Paulinho da Força ao presidente Temer. Era o aviso de que a jararaca ainda tinha veneno nas presas.

 

Depois do bom golpe simbólico, todos sabem, será necessário modificar rapidamente a legislação e transformar o órgão renovado em real servidor dos produtores e dos que trabalham no campo, ou seja, promotor da segurança jurídica, indutor de emprego e renda, imã de investimentos. Aí ajudará de fato os pobres.

 

Por fim, volto ao início: nada mais desanuviador que de saída mudar o nome do avantesma que, linha auxiliar de agitadores bem treinados, foi carrasco do produtor e instrumento diligente de políticas persecutórias que impediram a melhoria das condições da vida no campo. Sem a maldição da reforma agrária, teríamos hoje o Brasil mais próspero e melhores empregos no campo.

 

O nome novo? Que lembre um ou vários dos valores seguintes: propriedade rural, produção, emprego, investimento. O governo tem bons técnicos em propaganda. E a medida sinalizaria oxigênio nos pulmões, traria felicidade ao campo.

 

18) 9.9.2018

 

O berreiro dos promotores da exclusão

 

Péricles Capanema

 

Em 7 de setembro aconteceu mais uma patética caminhada do “Grito dos Excluídos”. A pantomima ridícula é repetida desde 1995, sempre arrastando os mesmos e desgastados grupelhos. A organização da caminhada por cidades importantes, que de plano obviamente exclui todo o Brasil que presta e só inclui minorias contestatárias, nasceu na CNBB e se mantém com seu auxílio, para vergonha dos católicos.

 

Na 56ª Assembleia Geral da CNBB, abril de 2018, dom Guilherme Werlang, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da entidade, em companhia de outros bispos da tal comissão, dom Canísio Klaus, dom José Valdeci, dom André de Witte, dom Rodolfo, dom Luiz Gonzaga, informou aos demais bispos presentes a respeito da organização da marcha de 2018 que se realizaria em setembro. É triste, mas não consta que tenha havido desacordo sobre os planos.

 

Trata-se simplesmente de mais uma promoção de órgãos da CNBB, sempre fiel à sua cultivada condição de linha auxiliar do PT. O tal “Grito dos Excluídos” ▬ minha proposta, pisando o real, a pantomina poderia ser adequadamente denominada “O berreiro dos promotores da exclusão” ▬ nasceu em 1994 e a primeira foi realizada em setembro de 1995 com o objetivo de aprofundar o tema da Campanha da Fraternidade daquele ano. A partir de 1996 passou a fazer parte do “Projeto Rumo ao Novo Milênio”, com aprovação da assembleia geral da CNBB. Naquele ano, o lema do Grito (melhorando, berreiro) foi “Trabalho e Terra para Viver”. Ligou-se o tal Berreiro notória e confessadamente à agitação do MST nas ocupações de terras e promoção da reforma agrária. A reforma agrária no Brasil ▬ dificulta a produção, afugenta investidores e piora a situação dos trabalhadores rurais  ▬, obsessão um tanto delirante do fanatismo socialista da CNBB, é em verdade nua e crua a venezuelização do campo. Enquanto não colocar o campo brasileiro numa situação parecida com a Venezuela de hoje não vão sossegar.

 

A marcha de 2018 do Berreiro (24ª edição) teve como lema Desigualdade gera violência - Basta de privilégios - Vida em primeiro lugar. De passagem, a promoção da desigualdade harmônica é fator de paz social. A imposição da igualdade traz fome e tirana, ensina de forma trágica e sanguinolenta a história do século 20 e 21.

 

Quem participa do Berreiro no Brasil inteiro? Uma amostra do público que a CNBB atrai e dá espaço: líderes do PT, dirigentes do PCO, militantes do MST; assemelhados a rodo (não são muitos). E o público que exclui aos pontapés? Multidões e multidões, o Brasil da gente direita: donas de casa e mães de família católicas, proprietários rurais ameaçados pelas invasões, professores que querem ensinar e manter disciplina nas aulas, entre outros. Foge espavorido o Brasil que estuda, trabalha, cria os filhos, quer crescer na vida.

 

Dos fatos divulgados pela imprensa, deixo aqui dois exemplos. No Rio de Janeiro, foi realizada no mesmo horário do desfile militar. Entre os participantes de destaque estava Indianara Siqueira, uma trans, vamos chamar assim (nasceu varão). Ele (ou ela) organiza na antiga capital federal a Marcha das Vadias. Diz de si: “Nasci em 18 de maio de 1971, sete anos depois do golpe de Estado que implantou a ditadura militar no Brasil. Aos 12 anos comecei a tomar hormônios femininos. Aos 18 anos passei a usar roupas femininas. Virei prostituta em Santos. Virei militante pelos direitos humanos, me tornei presidente fundadora do grupo Filadélfia de travestis de Santos”.

 

Indianara estava no “Grito dos Excluídos” do Rio de Janeiro para se posicionar contra o fundamentalismo e para lutar pelos direitos das pessoas trans e profissionais do sexo: “As pessoas trans são as mais excluídas da sociedade, assim como na área trabalhista, quem se prostitui é excluído até dos direitos trabalhistas. E a maioria das trans tem como única opção a prostituição para sobreviver. Então, não existe uma luta só pelos direitos trans que também não passe pelo direito da regulamentação da prostituição das profissionais do sexo”, declarou.

 

Em São Paulo, o “Grito dos Excluídos” teve participação de muitos candidatos às próximas eleições. Foram ali na esperança de pescar alguns votos. Entre eles, Nivaldo Orlandi (Partido Comunista Operário), candidato ao Senado, que no microfone da marcha comentou assim o monstruoso atentado a Jair Bolsonaro: “Ninguém viu sangue nenhum. Vimos um grande chororô da imprensa, das lideranças ditas democratas. Agora, esse anjinho fascista, será que merece nossa solidariedade?”.

 

Vou recordar o óbvio, ser conselheiro Acácio. A CNBB oficialmente foi criada para levar as almas ao rebanho de Cristo, e de forma congruente favorecer a ordem temporal cristã como situação favorável ao “salus animarum” de seu múnus. No caso em análise, restou algum resquício de tal missão? Ou vemos o contrário? Veio-me incoercível à mente afirmações do arcebispo Carlo María Viganò em recente documento de repercussão mundial: o antigo núncio apostólico em Washington denunciou pastores que, palavras suas, incitavam os lobos a destroçar o rebanho de Cristo. É possível fugir da associação?

 

Outra obviedade: o Brasil limpo, amazonicamente majoritário, é o grande excluído do berreiro dos promotores da exclusão. Aqui está ponto que já há décadas dificulta e tem prejudicado gravemente a evangelização no Brasil. A CNBB, evidenciando falta de transparência, fecha-se sobre ele. Esse partidarismo das panelinhas ideológicas, retrocesso lamentável, diminui o oxigênio nos ambientes católicos; debilita-os. Com isso, impede avanços tonificantes. Arejamento, a asfixia precisa acabar.

 

 

19) Postado em 5.7.2018

 

Brasil e México perderam de goleada

 

Péricles Capanema

 

A eleição de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) representou derrota acachapante para todos os povos da América Latina. Repito, não só o México perdeu (estamos diante de um grande país, não é uma Nicarágua, um El Salvador); todos perdemos de goleada. O caudilho eleito assume em 1º de dezembro, e só nos resta esperar prevenidos o pior, pois sentiremos logo efeitos deletérios da atuação de AMLO.

 

Parafraseio dito conhecido: diga-me quem te elogia e te direi quem és. O político mexicano está sendo jubilado por líderes representativos de políticas de esquerda que sempre trouxeram miséria e sofrimento para seus povos. E há muita mentira pelo meio. Primeiro, os elogios. Depois, as mentiras.

 

Evo Morales afirmou que o triunfo de Obrador escreverá “nova página na história da dignidade e soberania latino-americana”. Nicolás Maduro saudou-a como “o triunfo da verdade sobre a mentira”. Dilma Rousseff imagina, a eleição “será uma vitória não apenas do México, mas de toda a América Latina”. Cristina Kirchner, no mesmo diapasão, o triunfo de Obrador “é uma esperança não apenas para o México, mas para toda a região”. Já chega, né? O tom é o mesmo nas milhares de congratulações e manifestações de alegria dos diferentes quadrantes da esquerda, desde a mais carnívora, até a mais herbívora. Raul Castro, Maduro, Evo Morales sentem que a situação deles melhorou. Melhorou também a de Lula no Brasil. Se estão satisfeitos, coisa boa não vem por aí, fico triste.

 

Falo agora a respeito das mentiras. Muita gente vem dizendo que é o primeiro triunfo da esquerda no México. Santo Deus! Lá a esquerda está no poleiro desde começos do século 20. E vou deixar de lado o século 19. Aqui reside boa parte dos motivos pelos quais o México não vai para a frente. Empantanou no retrocesso e afundou no atraso, apesar de condições potencialmente favoráveis, como a riqueza de petróleo.

 

Está todo mundo esquecido de que o México foi o país escolhido por Leon Trotsky para se asilar (1937), de que o governo mexicano nunca rompeu com Fidel Castro? Por anos, foi o único país latino-americano a manter relações com Fidel Castro. O PRI, no poder de 1929 a 2000 por meio da ditadura efetiva, da fraude e da corrupção, é membro da Internacional Socialista. Tudo isso deixa sequelas.

 

Apesar da história incontroversa, o site do PT, em artigo celebrando a vitória de López Obrador, descaradamente proclama: “Sua vitória põe fim a um domínio de quase 90 anos da direita e centro-direita na política mexicana”. À vera, apenas de 2000 a 2012 o México teve governos com propensão liberal na economia.

 

Repito o óbvio, a esquerda vem infelicitando o México há décadas. Ninguém padece impunemente o infortúnio de governos de esquerda. E com isso, a carga de coletivismo, burocratização da vida, intervencionismo, estatismo, corrupção lacera fundo os ombros do povo mexicano. Tudo o indica, tais mazelas vão se agravar nos seis anos à frente, período do mandato de López Obrador.

 

Só um exemplo. A reforma agrária mexicana, medida xodó de todo tipo de esquerda, começou forte na década de 10 do século 20. Esse disparate entre nós deu seus passos iniciais bem mais tarde, com a criação da SUPRA (Superintendência de Reforma Agrária) em 11 de outubro de 1962 no governo João Goulart. Depois se agravou muito com os desastres em série que conhecemos.

 

No México, de 1911 a 1992 (71 anos com espada de Dámocles sobre os produtores) o governo expropriou mais de 100 milhões de hectares de terras, o equivalente a dois terços das terras agriculturáveis. Melhorou a situação do campo? Não, como aqui, foi desastre ininterrupto, dinheirama torrada, fracasso de 70 anos. Hoje, parte dos camponeses foge espavorida rumo aos Estados Unidos (onde ninguém pensa em reforma agrária), para trabalhar lá como mão de obra barata, ganhando muito mais que no seu país natal, em que foram presenteados pela reforma agrária redentora. Acontece o mesmo em Cuba, agora na Venezuela. Os pobres tentam delas escapar, chicoteados pela fome e desesperança, têm horror dos efeitos das políticas sociais generosas de seus redentores socialistas. Debandam atraídos pela esperança de dias melhores nas egoístas sociedades capitalistas.

 

Queria falar de outra coisa ainda. A revolução mexicana, da qual Obrador é herdeiro confesso, perseguiu a Igreja, roubando-lhe terras, nacionalizando propriedades, fechando conventos, proibindo culto público e educação religiosa, vestes talares nas ruas, assassinando padres, freiras e fieis. Foi das mais furibundas manifestações do ódio religioso nas Américas. Perseguidos, morreram como mártires ou soldados cerca de 30 mil cristeros durante a insurreição dos católicos inconformados (a reação cristera). Muitos deles foram beatificados ou canonizados pela Igreja.

 

Entre todos, avulta-se a figura do sacerdote jesuíta Miguel Pro, fuzilado. Tombou bradando “Viva Cristo Rei”. São dele os extratos de uma poesia-oração a Nossa Senhora das Dores que transcrevo abaixo:

 

Deixai-me viver a Seu lado, minha Mãe

Para fazer companhia a sua solidão

Eu não quero no caminho da minha vida

Desfrutar da alegria de Belém, adorando o Menino Jesus

Eu não quero desfrutar em sua humilde casa de Nazaré

Eu quero em minha vida

O desprezo e a zombaria do Calvário

Quero, ó Virgem dolorosa, estar perto de ti, em pé.

 

Beato Miguel Pro, rogai por nós, ajudai o México, sua pátria em perigo, enormemente necessitada de sua intercessão.

 

 

20) Postado em 9.3.2018

 

Intolerância mal disfarçada

 

Péricles Capanema

 

Fernando Henrique Cardoso concedeu reveladora entrevista, largamente distribuída, a Fernando Grostein Andrade. Como se sabe, o atual presidente de honra do PSDB, além de elder stateman, é o mais conhecido intelectual público do Brasil. A entrevista tem advertência importante, vem a seguir; traz ainda péssimas posições, mau agouro para o que pode vir para o Brasil. Por itens.

 

1. A advertência: o tráfico vai financiar e eleger candidatos. Estamos a sete meses da eleição de deputados, senadores, governadores, presidente da República. As campanhas serão caríssimas, mesmo que pouca gente o reconheça. Lembro, ninguém ou quase tanto quis fazer valer o voto facultativo, o que as baratearia de imediato. E o STF proibiu o financiamento empresarial. O dinheiro público será insuficiente, o grosso virá de outras fontes, em geral não registradas, receia-se com razão. Diz o antigo presidente da República: “Olha, quando comecei a mexer com essa questão de política de drogas, minha preocupação era com a democracia. Pouco a pouco, os narcotraficantes foram tendo influência política. Pablo Escobar é o maior exemplo disso. Mas não é só ele e não é só lá. O Brasil ainda não tinha chegado a este ponto, mas está começando. O problema é que os narcotraficantes dominaram certas áreas. E começam a entrar na vida política. Aconteceu na Colômbia. Vai acontecer no Brasil, está acontecendo. O tribunal eleitoral proibiu o uso do dinheiro das empresas., quem é que tem dinheiro? É o narcotraficante, as igrejas [evangélicas] têm, que é do dízimo”.

 

2. Apoio ao desatino da reforma agrária brasileira e simpatia pelo MST. Na entrevista, FHC satisfeito vira as costas para os ruralistas e aplaude ufano a subversão no campo, certamente prejudicando a candidatura Alckmin e de vários companheiros do PSDB, mas danos eleitorais parecem migalhas, diante da perspectiva de mais uma vez o político tucano se mostrar afinado com a esquerda, mesmo a mais radical: “Reforma agrária no Brasil foi feita por duas pessoas. Duas pessoas, não, dois governos. O do Lula e o meu. Ninguém sabe o quanto de terra foi distribuído. É uma barbaridade. Mas fui eu o Lula quem fizemos. O MST ajudou, porque faz barulho”.

 

3. Só a briga pelo poder afasta PT e PSDB. FHC vê os tucanos como doutrinariamente próximos ao PT, partido que tem em seus documentos o coletivismo total como meta (coletivismo é outro nome para comunismo): “Por que o PT e o PSDB nunca se juntaram? Por disputa de poder, não por disputa ideológica. Se eu pudesse reviver a História eu tentaria me aproximar não só do Lula, mas de forças políticas que eu achasse progressistas. Eu gosto do Fernando Haddad”. O presidente honorário do PSDB continua indiferente às devastações eleitorais que pode causar em correligionários, escorraçando eleitorado que agora pensa votar no PSDB como barreira ao PT. Esbofeteia alegremente conveniências eleitorais de aliados e bafeja possibilidades de vitória de adversários.

 

4. FHC prega frente comum com correntes libertárias. Enquanto que, da direita, quer distância, em especial dos conservadores em matéria de costumes, faz frente comum com libertários: “Você tem uma direita em matéria de costumes, conservadora. Eu sou liberal em matéria de costumes, completamente liberal. Acho que a diversidade tem de ser respeitada. O pessoal da direita reacionária não acha isso. Está errado”.

 

5. Jean Wyllis, coincidimos em geral. Jean Willys (PSol-RJ) é o deputado das causas LGBT, tem posições à esquerda do que publicamente defende a maioria dos deputados do PT. FHC vai até ele: “Eu já defendi o Jean Willys publicamente. Tive um debate com ele e em geral coincidimos. Eu o defendi publicamente, porque acho que ele é corajoso”.

 

6. Intolerância com conservadores e direitistas. Num sentido, o líder tucano favorece o programa demolidor da esquerda, almeja para ela liberdade total em suas tentativas de implantá-lo. Em rumo oposto, gostaria de cercear o pensamento “não progressista”. Intolerante, advoga na prática, ainda que de forma disfarçada, pelo banimento da cena pública de ideias das quais discorda. Para elas, ostracismo perpétuo, a mordaça inconfessada. Dois exemplos. O BTG tem convidado pessoas públicas de vários quadrantes ideológicos para palestras, debates e entrevistas. Convidou Jair Bolsonaro. FHC não gostou, achou “irresponsável” a atitude do banco: “Pra que convidar alguém que tem esse tipo de pensamento?” Outra vítima da intolerância. O conceituado economista Paulo Guedes apresentou esboço de programa econômico de governo com ênfase nas privatizações. Tem ficado clara sua preocupação social, conjugada com o propósito de sanear as contas do Estado e estimular a produção. Com as privatizações, segundo ele, haveria recursos públicos para, por exemplo, aplicar em saúde e educação, hoje na UTI. FHC, coçando a língua para atacá-lo, escolheu o caminho fácil: “Eu não conheço o Paulo Guedes, mas pelo que leio ele acredita que basta liberalizar que tudo se resolve. Tá na lua, né”? São no mínimo declarações irresponsáveis por induzirem o leitor a ter ideia falsa do que pensa o economista. Não conhece e já sai descendo a madeira?

 

Não há inimigos à esquerda, foi lema conhecido na Europa, em especial na França. Existe uma misteriosa atração pelo abismo (pelo extremo da própria posição) presente em correntes de centro-esquerda. Existiu em Kerensky. Abriu o caminho para Lenine. Existiu em Eduardo Frei. Abriu o caminho para Allende. Quem pode negar que o período FHC em boa medida preparou os oito anos de Lula? A entrevista revela a mesma misteriosa atração pelo abismo no mais importante líder peessedebista ▬ um exemplo do que existe Brasil afora em grupos dirigentes dos mais variados setores. Inexistindo vacina na opinião pública, a conivência e a subserviência de tanta gente podem ser decisivas para a determinação dos destinos do Brasil pós-eleição.

 

Pelo menos deixa no ar alerta benéfico. Consequência dela incoercível, vive na lua quem achar que bastaria votar de olhos fechados em candidato tucano para salvar o Brasil do petismo e de outras formas de bolchevismo atualizado.

 

 

21) Postado em 7.3.2018

 

O Brasil de braço quebrado

 

Péricles Capanema

 

Estou de braço quebrado. Pior, o direito, e sou destro. Já sei, problema meu, ninguém tem nada a ver com isso. Podem ficar tranquilos, não vou falar de mim só por falar, sirvo apenas de exemplo, tratarei mesmo é do Brasil, catando milho nas teclas do computador com a mão esquerda. Eça de Queiroz imaginou a vida de Gonçalo Mendes Ramires como metáfora de Portugal. Modestamente, “proportione servata”, fiapos disso seguem abaixo.

 

Quieto, não sinto dor; se mexo, dói pra chuchu. Não espanta, a imobilidade deve ser total, advertiu o ortopedista, uns 45 dias na tipoia, por baixo. Obedeço, fazer o quê, mas é difícil. A cabeça continua igual, ainda que um tanto desorientada pelo fechamento brusco do leque das possibilidades. Hoje posso fazer quase nada, um tanto de coisas vai sendo deixada para trás a toda hora, sei lá se e quando as retomarei. Aflijo-me em olhar o abismo entre o que quero e o que posso fazer.

 

A sensação primeira foi de turbilhão, algo como um beduíno inexperiente envolto por tempestade de areia. Dores, desorientação, desconhecimento do que vem por aí e terei de enfrentar. Até o momento, ignoro se será necessário a cirurgia ou se bastará o repouso para a reconstituição da fratura. Nem sei se o braço terá os movimentos prejudicados. Como será a fisioterapia? Disseram-me, vai ser necessária, nada mais. Na melhor hipótese, daqui a poucas semanas tudo volta ao que era. Tentei escrever, saiu uma garatuja. Perguntei tímido ao médico: ▬ Posso escrever? ▬ Melhor não. ▬ Paro por aqui, ao contrário de Xavier de Maistre não vou relatar viagem em torno do meu braço partido. Rezem por mim.

 

O Brasil parece estar de braço quebrado. Sua “maior et sanior pars”, a gente que presta, o pessoal mais ativo e decisivo, sente que, mesmo com os atuais recursos, eliminados obstáculos artificiais, muita coisa boa pode ser feita já. É preciso que, anos sem fim, apenas 2,1% dos alunos de famílias pobres tenham aproveitamento escolar decente? Nenhuma nação terá futuro de relevo com tragédia dessas. Em Hong Kong, 53,1% dos filhos de pobres têm bom desempenho na escola; em Macau, 51,7%; em Cingapura, 43,4%; no Japão, 40,4%. Sexagésima segunda nossa posição entre os países, os dados, da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), estão nos jornais dos últimos dias. Nas últimas semanas também fomos informados por órgão ligado ao Banco Mundial que no item Leitura (ciências humanas, digamos), posto o ritmo atual, precisaremos de 260 anos para atingir o nível dos países desenvolvidos. E no item Matemática (ciências exatas, digamos), 75 anos. É como estar de braço quebrado. A “sana pars” do Brasil vê com clareza, pode planejar a saída, mas as instituições a bem dizer tornam inviáveis quaisquer movimentos nesse sentido. É uma espécie de imobilidade forçada que não leva à cura.

 

No Brasil dos anos 60 a “maior et sanior pars” presenciou desgostada a irrupção nas praças e ruas do padre de passeata e da freira de minissaia, como os ferreteou Nelson Rodrigues. Hoje fazem companhia a eles o juiz de passeata e os procuradores de passeata, horrores impensáveis naqueles já distantes anos, em que a gravidade, a discrição funcional e o senso do bem comum dos magistrados parecia valor adquirido na sociedade brasileira. A espetacularização achincalhante do Judiciário avança despudorada sob o olhar asqueado da “sana pars” do Brasil. São trincas em uma das colunas institucionais do Brasil. O que fazer? De certa maneira, aqui também, de forma temporária, estamos condenados à imobilidade.

 

A podridão que exala das estatais (deixo de lado no momento os prejuízos amazônicos, a incompetência e o descalabro proverbiais), constatada no mensalão, no petrolão e no eletrolão, na bica, fez com que a privatização avançasse no público. Já não se admite como possível, muito menos como recurso eleitoral, a ridícula figura de Geraldo Alckmin vestindo jaqueta com os logos das estatais, herança melancólica da campanha de 2006. Melhorando, vergonhosa. O atual é Paulo Gudes, o principal assessor econômico de Bolsonaro, declarando o que vai a seguir sem acarretar perda de densidade eleitoral para o candidato: “O governo é muito grande, bebe muito combustível. Mas se você olhar para educação, saúde, ele é pequeno. Já que a democracia vai exigir a descentralização de recursos para Estados e municípios, o governo federal tem que economizar. Onde? Na dívida. Se privatizar tudo, você zera a dívida, tem muito recurso para saúde e educação. Ah, mas eu não quero privatizar tudo. Privatiza metade, então. Já baixa metade da dívida. Tem clima para não privatizar? Onde começou o mensalão, Bradesco ou Correios? Onde se acusa o Eduardo Cunha? Caixa, loterias, fundos de pensão. Onde foi o petrolão? Petrobras. Você vê clima para continuar com as estatais? O povo brasileiro é contra? Ou será que são vocês [imprensa]? Eu nunca escutei isso do povo. Eu escutei isso da Folha, de jornalistas tucanos, petistas. Por que não pode vender o Correio? Por que não pode vender a Petrobras? E se o mundo for para um negócio de energia solar? E o shale gas [gás de xisto]? E se o petróleo, daqui a 30 anos, estiver valendo US$ 8 [o barril]? Você sentou em cima de um totem, ficou adorando o Deus do óleo. Por que uma empresa que assalta o povo brasileiro tem que continuar na mão do Estado”? Aqui a fratura de décadas, parece, começa a consolidar.

 

Um monte de fraturas ainda precisa consolidar. Já estou no fim. Só dois exemplos. O disparate delirante da reforma agrária. O programa de décadas atira pelo ralo uma dinheirama que não temos, não aumenta a produção, não ajuda os pobres, é foco de corrupção. Todo mundo tem receio de tocar nesse tumor de estimação. Outro tumor, a subserviência e entrega do Brasil em relação à China comunista, colocando a independência nacional em risco. Também já completa décadas. Fraturas e tumores, temas atuais para a campanha presidencial. O que deles pensam os candidatos? Rezem pelo Brasil e votem bem, cuidado também na escolha de deputados, senadores e governadores, são coisas boas que podem ser feitas já.

 

 

22) Postado em 7.3.2017

 

Brincando com fogo

 

Péricles Capanema

 

O de que vou falar não é brincadeira. Já tratei do assunto quatro vezes, “O Brasil servo”, “Clamando no deserto” (18.2.2016), “Tumores de estimação” (2.4.2016) e “Ocultando a realidade ameaçadora” (17.10.2016).

 

Volto hoje ao tema. O Estadão de 3 de março estampa em manchete: “Shangai Electric fará proposta para assumir obras de R$ 3,3 bi da Eletrosul”. Em destaque gráfico o jornal recorda fatos relacionados: “Últimas compras feitas por chineses: CPFL. Em julho de 2016 a State Grid comprou fatia de 23% da Camargo Corrêa na CPFL por R$ 5,8 bilhões. Neste ano, concluiu a compra do controle por R$14 bi. Estrela. Em agosto de 2015, a China Three Gorges (CTG) comprou duas hidrelétricas da Triunfo Participações e Investimentos por quase R$ 2 bilhões. Leilão. Em novembro de 2015, CTG venceu o leilão da Ilha Solteira e Jupiá (CESP), por R$ 13,8 bilhões. Em 2016, comprou a Duke Energy por US$ 1,2 bilhão”.

 

Informa a reportagem assinada por Renée Pereira, a Shangai Electric deve apresentar até  10 de março proposta para assumir várias concessões de linhas de transmissão de energia da Eletrosul, subsidiária do grupo Eletrobrás.

 

Em nenhum momento, o texto elucida que a Shangai Electric é controlada pelo governo chinês. Também não esclarece que a China Three Gorges e a State Grid são estatais chinesas. Outro modo, são empresas controladas pelo Partido Comunista Chinês (PCC). Nenhum leitor terá visto o PT condenar a tomada paulatina do setor elétrico brasileiro pelo capital estrangeiro (no caso, o capital comunista chinês). Convém-lhe o fato.

 

Passo agora à reportagem de agosto de 2016, revista Exame, assinada por Maria Luiza Filgueiras. Título “O setor elétrico brasileiro caiu no colo dos chineses”. A jornalista lembra que a State Grid fatura 340 bilhões de dólares por ano, tem 1,5 milhão de funcionários. Outra empresa gigantesca, a Huadian gera o equivalente a toda a energia elétrica produzida no Brasil. Está negociando a compra da Santo Antônio Energia. A reportagem ainda menciona a SPIC e a CGN, ainda de origem chinesa.

 

A State Grid tem hoje no Brasil 7 mil quilômetros de linhas em funcionamento e 6,6 mil quilômetros em construção. É o sintoma de um fenômeno em estágio inicial, a dominação do mercado por empresas chinesas, afirma a citada jornalista. “Eles vão comprar tudo”, disse a ela um banqueiro de investimentos. Nos últimos cinco anos (matéria de agosto de 2016), os chineses investiram 40 bilhões de dólares no setor elétrico brasileiro.

 

Todas essas empresas são estatais chinesas (na grande maioria das vezes, fato ocultado do leitor brasileiro). A diretoria delas, nomeada pelo governo, tem o aval do PCC, que governa ditatorialmente em regime de partido único aquele desventurado país. De outro modo, está caindo no colo do Partido Comunista Chinês o setor elétrico brasileiro.

 

Adiante. O governo brasileiro começa a discutir a venda de terras para estrangeiros. Em entrevista à GloboNews, 15 de fevereiro, o ministro Henrique Meirelles afirmou que o governo liberaria nos próximos 30 dias a venda de terras brasileiras para estrangeiros. “O Brasil precisa de crescimento e de investimento. O agronegócio foi a área que mais cresceu em janeiro. Temos que investir, gerar mais empregos”. É tema delicado, requer debates de entendidos, do livro e da prática. Que se ouça com especial atenção o produtor rural, aqui também quem trabalha em terras arrendadas, que poupa na esperança de comprar seu pedaço de terra. Li em fontes várias, a proposta do governo virá com nota demagógica: 10% da terra comprada por estrangeiro terá que ser dedicada a projetos de reforma agrária. Soa como barretada ao MST, CNBB, e entidades similares, medida na certa prejudicial ao campo e à produção, e que em nada ajudará o trabalhador rural. Exprimo o temor de que o PCC, por meio de estatais e fundos de investimento, acabe comprando centenas de milhares de hectares, se não milhões. E a imprensa na certa vai noticiar na cantilena: “grupos chineses”, “investidores chineses”.

 

Relembro abaixo o que adverti meses atrás. A compra de gigantescos ativos pelas estatais chinesas traz o Partido Comunista Chinês para dentro da economia brasileira; para dentro da política brasileira. Tais empresas serão instrumentos para alinhar o Brasil aos interesses do comunismo chinês, no caso, de imediato, fortalecer na região os intuitos de Pequim e minar a influência norte-americana. Os mesmos objetivos, com métodos iguais, estão sendo levados a cabo na Argentina, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia. E em outros países.

 

Por que tanto silêncio? Ponho a nu razão que morde no bolso. Em razão de longa política exterior de hostilidade aos Estados Unidos e à União Europeia, a China hoje é o maior parceiro comercial do Brasil, cerca de 20% de nosso comércio exterior. Vendemos em especial matérias-primas (commodities), sobretudo minério de ferro, soja, óleos brutos do petróleo, em geral por volta de 80% do total, itens com pouco valor agregado. E compramos mercadorias com alto valor agregado, máquinas, aparelhos elétricos, aparelhos mecânicos, produtos químicos orgânicos, em torno de 60% do total. Conta ainda na pauta de exportações a presença crescente de produtos do agronegócio, como carnes, couro, açúcar. É um imenso universo de fornecedores, de cujo vigor depende a sanidade da balança comercial brasileira.

 

 

De alguma maneira nos tornamos reféns da China. Ela pode trocar fornecedores, contratá-los em outros países, caso Brasília e setores privados atuem eficazmente contra sua crescente presença, ainda sobretudo econômica, entre nós. Concebível, setores privados e autoridades governamentais então prefeririam, para salvar vantagens econômicas, o silêncio confrangido (acovardado) sobre o avanço imperialista chinês dentro de nossa casa. No fato, conveniências de momento seriam fatores determinantes para conduta que desagua na independência condicionada e na limitação da soberania. Nenhum país sério tolera arranhões em sua independência e em sua soberania. A omissão a respeito caracteriza descumprimento dos deveres de defesa nacional. Se não for cortado esse passo de forma sensata, com lucidez e determinação, no horizonte, já antevisto, desenha-se para nós o estado vergonhoso de protetorado efetivo.

 

 

23) Postado em 25.10.2016

 

Nova CPI da FUNAI e do INCRA: os tumores precisam ser lancetados

 

Péricles Capanema

 

Repito, já disse em outras ocasiões, no Brasil nutrimos tumores de estimação; para piorar, tantas vezes com temor reverencial. Enquanto não tivermos deles o horror que uma pessoa saudável experimenta de abscesso no próprio intestino, o país permanecerá infectado.

 

Agora busco distante uma ilustração aterradora, em Uganda, centro da África, quase 250 mil quilômetros quadrados, perto de 40 milhões de habitantes, mais de 40% católicos. Agnes Igoye hoje é uma ugandense ativista, 44 anos. Sua vida começou horripilante, agredida por atavismos bárbaros. O pai, chefe de uma tribo da etnia Teso, na garupa de bicicleta levou a mãe através da selva, leões rondando a trilha, até um hospital, onde a menina nasceu no dia seguinte. Pelos costumes da etnia, não se comemora nascimento de menina. Mulheres que não concebem meninos podem ser devolvidas às famílias e o dote dado por elas cobrado por maridos insatisfeitos. Situações dantescas de tumores de estimação.

 

Na família, Agnes Igoye foi, em fileira, a terceira menina. A tribo queria um garoto para herdar a chefia do pai. Este, contudo, formação católica, outra mentalidade, não se importava, gostava muito das filhas. Teve ainda dois meninos. “Meu pai era o filho mais velho do chefe da tribo e herdou as terras e a liderança do meu avô. Como foi educado na escola da missão católica, tinha uma visão diferente da dos demais. Era contra algumas tradições como, por exemplo, a poligamia. Rompeu com os costumes, educou os filhos de forma ocidental. Todos fizemos faculdade. Meu pai também se recusou a receber dinheiro ou bens em troca de suas filhas para casá-las”.

 

Agnes Igoye fala sobre sua experiência: “As lembranças mais duras de minha vida estão relacionadas ao Exército de Resistência do Senhor (ERS). [O Exército de Resistência do Senhor chegou a ter 60 mil crianças em sua frente de batalha]. Eram guerrilheiros cruéis. Eu era adolescente, tinha 13 ou 14 anos quando o ERS atacou minha vila. Meu pai não queria abandonar os Tesos naquela situação. Mudou de ideia quando soube que estavam sequestrando as meninas. Fomos morar em um convento, também em Pallisa, que servia de abrigo para refugiados. Recomeçamos a vida do zero”.

 

Em Uganda continua a existir o dantesco tráfico de meninas. Agnes Igoye hoje treina funcionários para identificar traficantes de pessoas, capacitou cerca de dois mil. Pelo jeitão, ela já desconfia. Relata o trabalho: “Quando terminei a escola, fui estudar ciências sociais. Comecei a trabalhar como agente na Imigração. Uma vez um homem estava tentando atravessar a fronteira. Decidi detê-lo, foi intuitivo. Ele era membro do ERS, procurado por matar mulheres e crianças”. No outro dia, descobriu mulheres que seguiam o chefe do ERS. Pediu para serem tratadas como vítimas: “Quando meus superiores me perguntaram como os identificava, falei sobre gestos, atitudes e maneirismos. Respondi-lhes que poderia treinar outros para fazer o mesmo. Fui então nomeada gerente de treinamentos. A partir daí, passei a treinar policiais para detectar suspeitos”.

 

Agnes aponta o objetivo do trabalho: “Na África, há todo tipo de tráfico de pessoas. Os criminosos atraem as vítimas com promessas de emprego. Pagam a viagem delas e depois cobram a quantia, dizendo que vão descontá-la do salário. Dizem, então, que as vítimas não estão rendendo. Há ainda o tráfico de órgãos, de crianças para adoção, para sacrifícios religiosos, e de meninas e meninos para servirem aos guerrilheiros. Trabalhamos em uma campanha pelo fim do tráfico infantil em Uganda. A ideia é informar a população. Como muitas comunidades não têm rádio nem televisão, levamos vítimas resgatadas nas escolas, para contarem o que houve aos alunos. São relatos de trabalho e casamento infantil (legais no país), crianças usadas como soldados nos conflitos. O método funciona. Em 2013, resgatamos por volta de 800 pessoas, o dobro do ano anterior”.

 

Por que a África acolhe tal abominação, que faz jorrar na memória o plangor de Castro Alves? “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade. Tanto horror perante os céus?!” A razão, simples e trágica, está na tumoração social, são costumes selvagens vistos com apatia onde dominam e deveras no mundo todo. Houvesse horror lá e alhures, nada disso aconteceria. Recordo, tais crimes persistem em parte como chaga social, em boa parte por decorrência de descolonização imprudente e utópica, capitaneada pelas esquerdas de vários matizes.

 

Terminou a ilustração, agora o Brasil, exponho escândalo tumorigênico de décadas, na raiz causas aparentadas com as africanas, enraizados e péssimos atavismos. A Câmara dos Deputados vai instalar, segunda vez, a Comissão Parlamentar de Inquérito da FUNAI e do INCRA. A primeira, boicotada, teve fim melancólico em agosto último, sem relatório final. A CPI foi criada em outubro de 2015 para investigar supostas irregularidades na demarcação de terras indígenas e quilombolas, além dos conflitos agrários e a relação das entidades do governo federal com ONGs. A lista não deixa dúvidas, estamos diante de focos de agitação, roubalheira, incompetência e malbarato de recursos públicos. Fatores de empobrecimento, torram montanhas de dinheiro do contribuinte, que poderia ser utilizado para educação, saúde, geração de empregos. O normal seria despertarem horror.

 

Leitor, um teste. Você pode estar em qualquer lugar do Brasil. Procure o assentamento da reforma agrária mais próximo. Qualquer um, novo ou velho, existe esta loucura no Brasil há mais de 30 anos. Tente entrar e dar um passeio sem estar acompanhado por ninguém do MST ou da CPT. Provavelmente, não vai conseguir, são áreas vigiadas. Se conseguir, observe com seus próprios olhos a situação dos assentados, converse com eles, sem ninguém do MST, CPT ou INCRA por perto. Nem de gente indicada por eles. Aí você perceberá a realidade tétrica, ocultada cuidadosamente. Vá lá, faça você mesmo o teste. Terra indígena demarcada? Mesma coisa. Pergunte a quem conhece o que está acontece hoje na Raposa Terra do Sol. São tumores de estimação.

 

 

E, repetindo os mesmos mantras, defendendo o indefensável, continua a farândula de CNBB, MST, CPT, CIMI, partidos de esquerda, girando em torno da vítima, o Brasil. Que a CPI tenha lucidez e coragem para lancetar o pus. E, por fim, não deixe de aprofundar o que, na primeira vez, declarou o general Guilherme Theóphilo, até há pouco comandante militar da Amazônia: existem clandestinos dez mil hectares plantados de coca na Amazônia, ademais de exploração de muitos minérios valiosíssimos, ilegalmente enviados para o Exterior.

 

 

24) Postado em 10.9.2016

 

Não subestimem

 

Péricles Capanema

 

Vou começar pelo fim, a surpresa, comum, vale mais que o conhecimento; este virá, a seu tempo. Não subestime, fuja dos otimismos como da peste, não se deixe embeiçar pela (tantas vezes) balela da pacificação. Firme alianças com amigos, desista de conquistar adversários, pelo menos parte deles. São como serpentes sopitadas pelo frio. Esquente-as, ao recobrar movimentos, o que primeiro farão será picá-lo. Acabou a introdução.

 

Veja isto. Em 5 de maio de 1789, os Estados Gerais (ou Ordens) se reuniram em Versalhes. Cerca de 600 deputados do povo (o Terceiro Estado ou Ordem, se quisermos), 300 da nobreza (Segundo Estado) e 300 do clero (Primeiro Estado). Em 17 de junho os deputados do Terceiro Estado se rebelaram, declararam-se em Assembleia Nacional, exigiam a Constituição. Em 24 de junho a grande maioria dos deputados do clero os apoiou. No dia seguinte, 50 deputados da nobreza se uniram ao grupo, já majoritário. Em 27 de junho, Luiz XVI convidou seu “fiel Clero” e sua “fiel Nobreza” a se juntar aos deputados do Terceiro Estado.

 

E então a Assembleia Nacional se proclamou Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de dar à França uma carta estável, garantidora de direitos, democrática, progressista. Os acontecimentos se precipitaram rumo à revolução. Poucos dias depois, 12 de julho, os líderes revolucionários, açulados pelas vitórias, tendo como massa de manobra agitadores exacerbados, foram até a fortaleza da Bastilha. Ali houve combate. O governador, marquês de Launay, ordenou cessar fogo tranquilizado pela promessa de que ele e seus soldados teriam a vida salva. Acordo logo descumprido, o marquês foi linchado e os revolucionários passearam com sua cabeça fincada numa lança pelas ruas de Paris. Manhã de 14 de julho de 1789, a Bastilha estava nas mãos dos insurrectos. Na tarde, o duque de Liancourt avisou Luiz XVI, que perguntou apalermado: “É uma revolta? Respondeu o duque: “Não, Majestade, uma revolução”. O rei não levou a sério o duque. Às 18 horas, ordenou às tropas, abandonar Paris. A monarquia caiu em 21 de setembro de 1792. O monarca perdeu a vida, guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. Sua mulher, a rainha Maria Antonieta, teve a cabeça cortada em 16 de outubro de 1793. O filho, seria Luiz XVII, de 1785, morreu na prisão, provavelmente em 1795. A filha Maria Teresa, de 1778, conseguiu escapar, foi a duquesa de Angoulème, falecida em 1851. Constituições? Uma em 3 de setembro de 1791, outra em 24 de junho de 1793, uma terceira em 22 de agosto de 1795, a quarta foi de 13 de dezembro de 1799, logo a seguir outra de 2 de agosto de 1802, mais uma de 18 de maio de 1804. O Terror pelo meio. Na França se consolidou a ditadura bonapartista, com a sequela de guerras sem fim. Quantos perderam a vida nas matanças? Estimativas variam, algumas chegam perto dos cinco milhões. Ah, faltou uma constituição, a Constituição Civil do Clero, de 1790, que confiscou os bens imobiliários da Igreja e tornou os sacerdotes funcionários do Estado.

 

Aqui começo à vera o artigo. Na China, perguntado sobre as agitações de rua no Brasil, o presidente Michel Temer deu o tom da resposta do governo: “São pequenos grupos, parece que são grupos mínimos, né? As 40 pessoas que estão quebrando carro? Não tenho numericamente, mas são 40, 50, 100 pessoas, nada mais do que isso. Agora, no conjunto de 204 milhões de brasileiros, acho que isso é inexpressivo”. A seguir, em outro episódio, repete o amadorismo inconsequente. Cercado de ampla publicidade entrou numa loja chinesa para comprar um par de sapatos. Gastou aproximadamente R$389,00. Sentadinho satisfeito, só de camisa experimentando os sapatos mostram fotos suas publicadas por toda parte na China e no Brasil. A visita de Temer àquele país teve entre os objetivos ampliar vendas de produtos made in Brazil. Claro, reagiram consternados e incrédulos os calçadistas brasileiros, impiedosamente atingidos pela concorrência chinesa. Da Abicalçados recebeu um par de sapatos nacionais grátis, "para que possa verificar a qualidade", disse seu presidente Heitor Klein. Temer gastou ainda aproximadamente R$195,00 em um agrado para o filho, um cachorro eletrônico. Desagrado igual na indústria de brinquedos.

 

Outras na mesma rota que, não depende de mim, é incoercível, representam autodemolição. Em estratégia para se aproximar dos movimentos sociais, o governo promoveu reuniões com grupos ligados às questões da terra (MST e movimentos afins), noticiou o Estadão. Eliseu Padilha, na Folha, afirmou que o governo ia separar a luta política dos protestos. Vamos à distinção artificiosa: luta política, ouvidos moucos, cois para os partidos da base aliada; protestos com pauta, outra coisa. “Quando for protesto com uma pauta de reivindicação, como a reforma agrária, vamos chamar estas pessoas para conversar no Palácio do Planalto, ouvi-los e buscar uma negociação", afiançou Padilha. Exemplo, a conversa que teve e mais quatro ministros com representantes do MST. O governo comemorou o fato: "Ficamos mais de três horas conversando com estas lideranças do grito dos excluídos, e acertamos um encaminhamento de negociação". A reforma agrária é um desastre, torra dinheiro público num misto de roubalheira, incompetência e coletivismo. Não melhora a situação da gente do campo, espanta investimentos. Não tem importância, é xodó das esquerdas, tumor de estimação a ser nutrido com cuidado. Até que intoxique o corpo inteiro. O gesto foi aceno amigo para as lideranças extremadas abrigadas no MST, FNL, CUT, MTST. Deus queira, vou repetir, que o futuro não escancare, foram mais alguns episódios de tática suicida, no mínimo amadorismo insensível às consequências, embaído pelo engodo da pacificação.

 

Outra. Michel Temer em 7 de setembro tomou vaia de plateia muito próxima ao palanque oficial, isto é, estava ali porque o governo lá a havia colocado. A colunista Eliane Cantanhêde procurou verificar o fato estranho e encontrou explicação desconcertante: “[As vaias] partiram de 120 convidados da USP. O convite à universidade é tradicional, mas o governo mudou, esqueceu de atualizar a lista de convites e instalou o inimigo ao lado da tribuna de honra – onde estavam Temer e Marcela”. E exemplifiquei com poucos fatos, a lista é grande.

 

 

Por que comento tais fatos? Treze anos de PT arrebentaram o Brasil. O governo tem condições de restaurar parte do estrago, já é muito, se parar de dar tiros no pé.

 

 

25) Postado em 23.8.2016

 

Depois do impeachment

 

Péricles Capanema

 

Dissolve-se o clima festivo das Olimpíadas e a vida quotidiana retoma seus direitos. O que nos espera? O que aguarda o Brasil? João Domingos, jornalista, questionou o senador Lindbergh Farias sobre as manifestações populares pró-Dilma. “Não estamos mais conseguindo mobilizar ninguém”, admitiu o petista. João Domingos foi até Miguel Rossetto, o mais próximo conselheiro de Dilma. Indagou por que havia sido relativamente fácil afastar a Presidente: “Por que não temos 10% de apoio. Não temos as ruas”. Alvejou ao constatar o óbvio: “Porque os golpistas têm mais força do que nós”. Dizem os espanhóis, a confesión de parte, relevo de pruebas. Convém recordar, a enorme impopularidade da administração petista decorreu da queda do padrão de vida, da carestia, do desemprego crescente. Veio ainda da sensação de roubalheira generalizada. Os senadores favoráveis ao impeachment, provavelmente mais de 54, ao votar não terão em vista apenas os crimes de responsabilidade. Seu olhar se fixará também no destruidor conjunto da obra petista. Tudo o indica, Dilma será esquecida e logo respiraremos outra atmosfera, cada vez menos relacionada com o clima anterior.

 

Provável, o governo novo terá até dezembro de 2018 para executar seu programa. Se o TSE reprovar as contas de campanha da chapa Dilma - Temer antes de 31 de dezembro próximo, difícil acontecer, o Presidente terá o mandato cassado, assumirá Rodrigo Maia e em 90 dias nova eleição presidencial. Se a referida condenação do TSE acontecer após 31 de dezembro próximo, mesma situação, mas, em eleição indireta o Congresso elege outro presidente. Nesse caso, o provável é a eleição de alguém com programa de governo parecido ao de Temer. O rumo pouco mudaria.

 

Agora, o decisivo. Na atmosfera renovada, qual proporção de oxigênio, qual de gases tóxicos? Claro, são suposições; caminhamos longe das exatas, pisamos o volúvel terreno das realidades humanas. A anunciada política econômica desperta esperanças. Há intenção confessada e gestos favoráveis à menor intervenção do Estado, estímulo à livre iniciativa, amplo programa de privatizações, seriedade no manejo das contas públicas. Para levar adiante tais objetivos, foi escolhida equipe de gente conhecida e testada, competente. A mais, a postos um time de articuladores políticos tem condições de viabilizar a aprovação no Congresso das medidas necessárias e amargas. Haveria freio no aumento dos gastos públicos e a retomada ascensional da atividade econômica, com fundamentos razoavelmente sólidos, presságio de anos de crescimento.

 

Tudo aqui é esperança? Infelizmente, não. De pronto, preocupam três pontos xodós da esquerda: reforma agrária, meio ambiente, relações com a China, tumores de estimação, tocados com temor reverencial na mídia e no público em geral.

 

Reforma agrária. O governo faz circular a ideia de que o ministério do Desenvolvimento Agrário será recriado. É gesto simbólico de mau agouro. Pior, aproxima-se da FNL (Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade). Recebeu em palácio com grande publicidade seu dirigente Carlos Lopes, que exigiu a aceleração da reforma agrária. A reforma agrária, pleito histórico dos comunistas e de suas linhas auxiliares, tem sido no Brasil um poço sem fundo para torrar dinheiro público, foco de agitação, roubalheiras e incompetência; em nada contribuiu para melhorar a situação dos pobres. É infecção que afugenta investidores, atemoriza fazendeiros e prejudica e produção. Na segunda, 22 de agosto, tira-gosto do que vem por aí, baderneiros da FNL e de outros movimentos subversivos invadiram o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário em Brasília. Quebraram vidros, destruíram armários. No mesmo dia, aproximadamente 300 agitadores da FNL invadiram a Fazenda Esmeralda em Duartina. Reclamam mais rapidez nas desapropriações e na reforma agrária. Esse namoro com agitadores não conseguirá novos aliados, não conseguirá popularidade; pelo contrário, afastará amigos atuais e potenciais.

 

Em fevereiro do corrente ano, o mencionado Carlos Lopes, agora próximo ao governo, foi um dos dirigentes do Carnaval Vermelho. A agitação ocupou prédios públicos em dez Estados. Seus líderes exigiam assentamento imediato das famílias acampadas, imissão na posse das áreas já desocupadas, demarcação imediata das terras indígenas, extinção da PEC 215 (transfere do Executivo para o Legislativo a decisão sobre remarcação de terras indígenas), reconhecimento dos quilombolas e seus territórios. Outro modo, a pauta da esquerda mais radicalizada do PT, na prática passos no carreiro já enveredado por Venezuela e Cuba rumo à miséria extrema.

 

Meio ambiente. Michel Temer entregou o ministério do Meio Ambiente para o deputado Sarney Filho, que já há anos adotou como sua a agenda dos ambientalistas mais extremados. Entre outras tomadas de posição, combateu até o fim a reforma legislativa do Código Florestal. O excesso de legislação ambientalista também prejudica os negócios e a efetiva melhoria da situação dos pobres. Não vou me estender a respeito por falta de espaço.

 

Relações com os chineses. A China já é o primeiro parceiro comercial do Brasil. Equipes da State Grid e da China Three Gorges, duas gigantes estatais chinesas, estão percorrendo o Brasil para comprar empresas. Têm caixa e possibilidade de escolher negócios. De momento, procuram empresas elétricas, que facilitarão a atuação no País de companhias chinesas de engenharia e fabricantes de equipamentos. Visam ir empurrando o Brasil para a área de influência da China. Contribuem para o objetivo chinês de enfraquecer os Estados Unidos na região. Com o tempo, o Brasil corre o risco de ser reduzido a inconfessado, mas efetivo, protetorado chinês. Limitados em nossos movimentos, só teremos para garantir a independência, os Estados Unidos, internamente cada vez mais divididos entre um internacionalismo concessionista e acomodatício e um isolacionismo míope e reducionista, ambas situações prejudiciais aos interesses brasileiros. Sobre tal avanço apocalíptico, silêncio. Em muitos é decisivo o temor de retaliações em nossas exportações para a China. Em resumo, falta prudência e coragem, sobra otimismo e irreflexão em assunto delicadíssimo.

 

 

Existem outras preocupações. Como se posicionará o governo na educação, na saúde, no direito de família? Política dos gêneros, homossexualismo? Ficam para outra ocasião.

 

 

26) Postado em 13.8.2016

 

O que parece, é

 

Péricles Capanema

 

“Em política, o que parece, é”, acertou Antônio Salazar, antigo primeiro-ministro português. Mesmo rumo, Gustavo Capanema afirmava, em política a versão vale mais que o fato. Michel Temer deveria ouvi-los.

 

Vamos ao caso. O ministro Eliseu Padilha anunciou de passagem, em setembro o governo recriará o ministério do Desenvolvimento Agrário. O motivo fundamental, noticiaram órgãos de divulgação, é a tentativa de arvorar bandeiras sociais. Daria ao governo maior apoio popular (balela), acenaria para setores sociais que costumam se identificar com partidos de esquerda (verdade, mas dali não viria apoio). A reforma agrária seria acelerada (continuando a torrar rios de dinheiro público num programa demolidor).

 

Em visita ao gabinete presidencial, foi o que, semanas antes, patrocinados pelo deputado Paulinho da Força, exigiram de Temer dirigentes da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e, ali também mimado, o ex-líder do MST José Rainha. Carlos Lopes, dirigente da FNL, declarou na saída: “Na reunião, falamos sobre a extinção do ministério do Desenvolvimento Agrário. O campo não aceitará isso. Esta foi a forma como a FNL se projetou. E ele assumiu o compromisso de construir as condições para que o MDA volte”.

 

José Rainha foi dirigente do MST. Em 2007 abandonou o movimento porque era (e continua) linha auxiliar do PT. Então no governo, o PT dificultava a generalização das invasões. Queria as mãos livres. O mesmo Rainha, agora inexplicavelmente paparicado como eventual apoio precioso, foi condenado a 31 anos e 5 meses de prisão por estelionato, formação de quadrilha e extorsão. Recorre em liberdade. Outro fato que precisa ser gritado dos telhados: em abril passado o TCU mandou parar o processo de reforma agrária, detectou 578 mil benefícios irregulares. Ladroagem, favoritismos, desvios de dinheiro público no meio do constante caos administrativo.

 

Existe no ar cheiro forte que o disparate anterior não foi eliminado, a coisa permanece igual nas linhas gerais. Pois na contramão de severíssimo e indispensável ajuste nas contas públicas, o governo Temer anuncia que, na prática, vai continuar torrando dinheiro público com uma política que em nada aumenta a produção no campo, não melhora a situação dos agricultores mais necessitados, a mais de consolidar estruturas de agitação, do tipo MST e FNL que se locupletam, política e financeiramente, com o assistencialismo estatal. Decorrência forçosa, afugentará do campo investidores temerosos das consequências do inesperado e escandaloso apoio de cima para agitadores profissionais. Tudo acontece em momento que representantes do empresariado e operadores do mercado se dizem temerosos que o governo não disponha de força política para tomar as necessárias medidas de recuperação econômica. Não adiantam a respeito desmentidos ad hoc, nem enunciados de boas intenções, desmentidas pelos fatos. O público mantém a péssima impressão anterior.

 

Lógico, expressaram estranheza filiados da Frente Parlamentar da Agropecuária, que congrega cerca de 200 deputados federais e senadores. Entre eles, o senador Caiado; afirmou que vai contra o discurso de austeridade do governo. Acrescentou, o MDA foi criado por Lula por questões ideológicas para contemplar setores do PT (lembro, entregue a correntes radicalizadas do PT, adversárias históricas do agro). Concluiu o senador goiano: “Talvez porque o PT e o PMDB estiveram juntos por muito tempo, essa ideia contaminou o PMDB. O Temer poderia se livrar desse tipo de contaminação ideológica”. Na mesma direção manifestaram seu desacordo os deputados Onyx Lorenzoni e Nilson Leitão, para quem é prejudicial “ceder a este tipo de pressão”.

 

Aqui aparece ponto indispensável das agendas da Frente Parlamentar da Agropecuária e da CNA. Tem relação não apenas com a saúde do campo, mas pode influir fortemente no futuro do Brasil. A História não as perdoará se, por comodismo, deixá-lo de lado. Não custa recordar, toda a política da reforma agrária é um dos vários tumores de estimação que intoxicam o Brasil. É politicamente incorreto apontar a bagunça larápia em que foi executada e a desgraça escancarada para todos que trouxe ao campo.

 

Michel Temer, faz pouco, garantiu: “As pessoas se acostumam a [achar,] quem está no governo não pode voltar atrás. Quem está no governo, se errou, não tem de ter compromisso com o erro. Somos como o JK, nós não temos compromisso com o equívoco. Portanto, quando houver equívoco, nós reveremos”.

 

 

Michel Temer precisa ouvir Michel Temer. Precisa ouvir JK. Esquecer esta bobagem (queria dizer providência demolidora) de recriar o MDA. E, finalmente, executar o programa de reconstrução nacional. É o que dele esperam os brasileiros patriotas, ansiosos de não ver desperdiçada essa ocasião, talvez única nos últimos tempos, de colocar bases para um futuro pátrio de prosperidade e grandeza cristã.

 

 

27) Postado em 21.4.2015

 

As apostas arriscadas do PT

 

Péricles Capanema

 

Tarso Genro, ex-tudo, bamba do PT, chiou no twitter: “É constatação sobre decisão da Presidenta: PT está fora das decisões principais do Governo. Que são as de corte político e econômico. Outra constatação, para o bem e para o mal: PT é cada vez mais acessório no governo. Não é nem consultado para medida dessa envergadura.”

 

Tarso se queixava da entrega da política para Michel Temer e da economia para Joaquim Levy, sem o PT sequer ser consultado sobre as escolhas. É jogo de cena em especial para o público interno. De fato, o PT continua com a mão no leme, e sozinho, em áreas fundamentais. O experiente petista percebe, encantoado pelo amazônico inchaço da indignação popular, é vergonhoso ser petista hoje no Brasil, o governo se agarra nas duas boias para não afundar. Ou é isso, ou, pela força das coisas, o impeachment fica incoercível. Que me relevem a metáfora batida, entregou os anéis para não entregar os dedos.

 

Vai dar certo? Só Deus sabe. O petismo espera recompor a situação. As chances de aprovar o ajuste fiscal nas duas casas do Congresso melhoraram com a saída dos trapalhões e a entrada em cena de Temer. E está no forno uma rodada de concessões de atividades econômicas à iniciativa privada. Distende. Ainda por cima, no Congresso foram desativadas duas bombas. Uma, a CPI do BNDES no Senado, arquivada, e com ela, entre outras, a investigação dos escandalosos empréstimos a ditaduras comunistas como Cuba, ou já quase lá, como a Venezuela bolivariana e tiranias africanas (o BNDES alega segredo comercial para escapulir dos pedidos de esclarecimento). O Brasil, quebrado, torra dinheiro alto; bota grátis a grana preta na mão de ditadores de esquerda (os empréstimos nunca serão pagos, todo mundo sabe). Na Câmara, como reação, está em curso tentativa de desarquivar o espinhoso assunto; vamos ver no que vai dar. Outra, o arquivamento da CPI dos fundos de pensão das estatais, que investigaria aplicações bilionárias, no mínimo suspeitas, feitas pela cumpanherada neles encarapitada.

 

A receita trará num primeiro momento retração na economia, queda nos salários, crescimento do desemprego. Daqui a alguns meses, tudo indica, virão melhoras no emprego e na renda. E, por sua banda, Temer tem condições de evitar danos irreparáveis no Congresso. Com isso, é a esperança dos dirigentes petistas, o partido salva o possível do incêndio e mantém vivas suas chances para 2016 e 2018. De outro jeito, Lula ou um substituto voltam a ser competitivos, o PT pode eleger alguns governadores e prefeitos, ademais de bancada federal numericamente respeitável. Os maiores responsáveis pela virada? Na primeira fila, Levy e Temer. Um pouco atrás, os que os acolitam nesse trabalho que leva à recomposição da popularidade e estufa a cesta de votos, em particular figuras de passado direitista como Kátia Abreu e Guilherme Afif, agora na melancólica posição de companheiros de viagem. Líderes assim continuam aceitos pelos seus por apresentarem uma contrapartida: tiram do papel e atendem certas reivindicações antigas. E assim, na superfície, favorecem as causas sempre defendidas por eles. Em profundidade, com a desorientação que causam, dissolvem resistências contra a avalanche demolidora.

 

Infelizmente também contribuem para a recomposição vozes oposicionistas relevantes que desnorteiam e adormecem. O senador José Serra, em Harvard, afirmou ser “mais à esquerda que o PT, partido reacionário”. Seguindo o raciocínio, o pior do PT é não estar suficientemente à esquerda. E FHC, em Comandatuba, trotou na mesma direção: “O PT é um partido importante, gente, um partido que contribuiu em muitos momentos da vida brasileira”. Mesmo Aécio que, prensado por bases insatisfeitas, está meritoriamente subindo o tom, convocou o povo a ir às ruas com miadinho de fecho: “o Brasil merece muito mais do que esse governo medíocre”. Parece incrustada no DNA do PSDB uma maldição original, pedir desculpas ao PT por não ser suficientemente de esquerda e, a contragosto, acuado por seus eleitores, se ver compelido a fazer oposição, ainda que com luvas de pelica. O PSDB, para se tornar barreira dura contra a investida demolidora, precisa se exorcizar urgente dessa mancha congênita.

 

Se a recomposição petista vingar, e muita gente, consciente ou inconscientemente está trabalhando para isso, lá na frente, a demolição do Brasil poderá continuar por mais alguns anos, tendo como base êxitos eleitorais, trombeteados como sintoma da força da esquerda.

 

Viro a página. Em pontos decisivos o PT não bate em retirada; está agora, na aparente derrocada, ganhando o jogo, manteve o governo compartimentado, áreas enormes entregues de porteira fechada ao que o PT e aliados da extrema esquerda têm de mais virulento e ativo. À vera, não existe coligação, mas governo de compartimentos. Persistindo segmentos estanques, é fraude falar em coligação, e mero flatus vocis a reivindicação de líderes do PMDB de que não desejam cargos mas participação na formulação política. Agredir os Estados Unidos, o maior mercado do mundo, e financiar esmolambadas ditaduras comunistas, combate a pobreza? Assim também o paulatino aparelhamento do Supremo, o financiamento dos blogues sujos. São políticas sociais? A coligação só teria direito autenticamente a esse nome com a extinção dos compartimentos e a instauração de uma só e coerente política de governo. Ainda por cima vemos o aproveitamento velhaco de oportunidades para fazer avançar a agenda da esquerda.

 

Na educação, exemplo recente. Cid Gomes, político de carreira, boquirroto incontenível, passou pelo PMDB, PSDB, PPS, PSB e atualmente estaciona no PROS. Foi uma espécie de sombra do irmão Ciro Gomes, que começou na direita universitária, foi para o PDS (sucessor da ARENA), depois PMDB, PSDB, PPS, PSB; de momento, também parqueado no PROS, é secretário da Saúde da administração cumpanhera do Ceará. Cid Gomes perdeu o cargo por ofensas gratuitas aos deputados. Quem o substituiu no importante ministério da Educação? Renato Janine, intelectual revolucionário, com potencial de estrago sem comparação maior que o de Cid Gomes. Terceirização? O petismo carnívoro ganhou na troca.

 

Adiante. Frei Betto, na declaração de apoio a Dilma, afirmou o seguinte: “Darei meu voto à Dilma para preservar a política externa do Brasil, soberana e independente”. Foi a primeira razão, depois despejou uma carrada de motivos. O frade dominicano conhece fundo os interesses da revolução socialista. Vou pôr em português claro: “Darei meu voto a Dilma porque ela agride interesses vitais dos Estados Unidos, bafeja ditaduras socialistas.” Na linguagem rançosa bolchevista, os Estados Unidos são o “inimigo principal”, vale tudo para prejudicá-lo. Isso deixa frei Betto eufórico. Com sua ação, o Brasil contribui para a sobrevida do comunismo em Cuba, estimula a situação revolucionária na Argentina, Equador, Bolívia, Equador e em tantos outros países. Beneficia a expansão imperialista do autocrata Putin, ajuda a revolução iraniana. São de fato objetivos da coligação de governo ou metas internacionalistas da agenda petista? A política externa é compartimento fechado; o ministro Mauro Vieira um tanto de vezes serve de biombo para a ação revolucionária do radical Marco Aurélio Garcia, porta-voz frequente do que o PT tem de mais tóxico. Terceirização?

 

Kátia Abreu no Ministério da Agricultura também serve de biombo. O que é biombo no caso? Uma defensora da propriedade rural no ministério, ainda que cerceada, aquieta, anestesia, leva muita gente a não ter o horror merecido à reforma agrária, à entrega de terras aos supostos quilombolas, à demarcação arbitrária e abusiva de terras indígenas. E ainda torna mais fácil a agressão contra produtores rurais pelas milícias expropriadoras encasteladas no MDA e no INCRA.

 

Para o Supremo, Dilma Roussef escolheu o prof. Luiz Fachin, entre as várias candidaturas aventadas, a que mais exala o bodum petista. Em 2010, ao declarar voto em Dilma Roussef, na companhia dos hoje ministros Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, Fachin se jactou ser dos juristas que “tomaram lado”. Homem que tem lado, está na bica de vestir a toga de juiz do Supremo. Coligação ou governo monocrático.

 

 

Em 1917, nos estertores do czarismo, o maior perigo para o futuro da Rússia não estava em Lênin. Morava na atitude otimista e desleixada de políticos burgueses como Kerensky, adormeciam a reatividade; irresponsavelmente abriram caminho para a servidão do povo a um partido de doutrina totalitária e coletivista. O riso antecedeu a algema. Pode ser igual no Brasil, depende de cada um de nós.

 

 

28) Postado em 10.1.2014

 

A escabrosa desapropriação da Fazenda Limeira

 

Péricles Capanema

 

A Fazenda Limeira é antiga, formada, tamanho médio, 363 hectares, ótima localização, à beira da estrada asfaltada que liga Pará de Minas a Tavares; fica a 6 quilômetros por asfalto da BR-262 e a uns 50 de Belo Horizonte. Há quatro gerações está na posse tranquila da mesma família, cujas mãos operosas ali produzem pacificamente desde a primeira década do século 20. Situação simpática e até com laivos de tocante. No Brasil de hoje, por incrível que possa parecer e por mais estapafúrdio que seja, azar dela. Misteriosamente, com obstinação delirante, grupo enquistado no INCRA e no Ministério da Reforma Agrária, cego por entranhado preconceito ideológico, quer expropriá-la na lei e na marra, maquinando manobras ao arrepio da lei e forjando cavilosamente expedientes escusos para, no final, lograr, com arrogância, pisotear direitos inconcussos, se analisados com isenção. Para tal, esbofeteia sem escrúpulos a legislação, o bem comum, o bom senso e a justiça. Em que pese a parlapatice, cada vez mais vazia, de que vivemos num Estado de Direito, até agora no caso, a patota expropriadora, agredindo diretamente ou ladeando ardilosamente a lei, tem conseguindo levar adiante seus intuitos demolidores. De maneira didática, vamos examinar a questão, em que se constata o cime permanente de um confisco cruel, desumano, injustificado. Nenhuma indenização na destruição da propriedade produtiva. O crime permanente de um confisco que esbofeteou a lei, cruel, desumano, injustificado. Nenhuma indenização. Pretexto falaz: função social da propriedade. Motivo real: intervenção ditatorial do Estado para satisfazer imposições de movimentos revolucionários, comunistas. Efeito: destruição da produção, tensão na região, empobrecimento de modestos produtores rurais. Nem um tostão de indenização de ato tirânico perpetrado em 2004. Estamos diante de esbulho claro, retrocesso legal que se perpetua, expressão do atraso das políticas públicas no Brasil. Pequenos produtores foram excluídos do ofício, cortados de seu meio de vida, lançados injustamente na penúria, e seu torrão familiar foi ocupado por agitadores, incompetentes, meliantes, traficantes de glebas outorgadas pelo Poder Público, escorados em medidas disparadas pelo extremismo no poder. O entorno da propriedade antiga ficou desvalorizado.  Pela teoria dos motivos determinantes, a validade de um ato administrativo (no caso a desapropriação), está ligada os motivos indicados como seu fundamento. E todos os motivos foram falsos; ato administrativo nulo. É mais um exemplo doloroso da política de exclusão, regressiva ao extremo, praticada por ideólogos fanatizados, quando tomam o poder estatal. A ferida infecciona a região, é fator de inquietação, traz insegurança jurídica, inibe investimentos, impede a criação de empregos. Dessa forma, tal desapropriação fere a função social do emprego e da propriedade. Repita-se, o autêntico esbulho ali perpetrado diminui a oferta de emprego e comprime salários na região, bem como inibe a produtividade das propriedades naquela zona. Eliminar tal retrocesso constitui obrigação moral; avivaria o senso de justiça e manifestaria preocupação efetiva com os mais necessitados. Em suma, a devolução da propriedade a seus donos legítimos, medida de progresso e inclusão, traria a pacificação social à região.  

 

Um primeiro problema, a área é muito valorizada, está colada em Belo Horizonte e nenhuma tensão social ali existe. Só com muito desconhecimento da realidade e manipulações que fariam inveja a Maquiavel pode chegar a ser considerada como própria para reforma agrária. Mas a isso conduziu a obstinação febril dos, na prática, confiscadores profissionais, pagos generosamente pelo dinheiro do contribuinte. O hectare agrícola na beira da estrada asfaltada Pará de Minas-Florestal (Tavares fica na metade do caminho) está entre R$20.000,00 e R$40.000,00. É facílimo verificar, coisa de meia hora. Basta passar a mão num telefone e ligar para corretores de áreas rurais que trabalham em Pará de Minas, Florestal, Itaúna, Pitangui e até em Belo Horizonte. Então, por baixo, na bacia das almas, o hectare da Fazenda Limeira em média está valendo R$20.000,00. Caro demais, inabilita para a reforma agrária segundo a legislação vigente; em consequência, o INCRA, respeitando a lei, deve se desinteressar dela. Ponto final. Para os mitomaníacos da reforma agrária não importou, só contou a obsessão de expropriar. O INCRA fez pesquisa minuciosa, funcionários seus cochicharam evasivas esfarrapadas, à socapa ouviu gente, fez pesquisa direcionada com corretores, e finalmente a hoje para tantos sinistra repartição pública chegou à conclusão delirante que o hectare da Fazenda Limeira vale menos de R$8.500,00 (na sua exatidão mentirosa e minuciosa, R$8.458,75). De outro jeito, pisoteando a realidade, jogou lá para baixo a avaliação. Aqui está a primeira grande falsidade no caminho desta expropriação desmoralizante para a legislação brasileira. Falsidade fácil de ser desmentida: basta perguntar a dono de qualquer propriedade lindeira da Fazenda Limeira se ele, por este preço, menos de R$8.500,00 o hectare, está disposto a entregar o seu. Se o surpreso proprietário não achar que é piada, vai pensar que é caçoada ou até insulto. É óbvio que o espólio lesado vai contestar a avaliação insultante do INCRA. Com que eficácia? Só Deus sabe. Pela Portaria 7 de 31 de janeiro de 2013 do próprio INCRA e que deve ser obedecida nos processos de desapropriação é preciso precificar a terra “pelos valores atuais do mercado de terras”. Aqui, uma vez mais, o voraz órgão expropriador esbofeteou a legislação. Caso se consuma esta desapropriação sem base na lei, nascida da obsessão expropriatória de alguns funcionários bem colocados, ficará patente para o Brasil inteiro que a lei entre nós deixou de ter força. O arbítrio venceu. No século 18, um simples moleiro, diante da pressão de Frederico da Prússia, rei absoluto e grande guerreiro, de expropriar sua propriedade para ali fazer uma extensão do jardim do palácio de Sans Souci, negou argumentando que naquela terra seu pai havia falecido e seus filhos haveriam de nascer. O monarca absoluto insistiu, afirmando que poderia lhe tomar a propriedade. O moleiro respondeu tranquilo com palavras singelas, cujos ecos todos os séculos recolhem emocionados: Ainda existem juízes em Berlim. O rei desistiu, o moinho ficou no meio dos jardins, atestando o império da lei. Ainda existirão juízes no Brasil? É o que perguntam a justo título incontáveis produtores rurais alvejados pelo rancor ideológico de setores enquistados no aparato estatal.

 

Dos autos, recolho dois exemplos estarrecedores. Como apoio à desmiolada tese de que o hectare da Fazenda Limeira vale R$8.500,00, os autos trazem avaliação de outra fazenda, com este valor por hectare. Só que a propriedade está em Pequi, a quase 100 km de Belo Horizonte, parte da estrada de acesso é de terra (a Limeira fica a 50 km, tudo asfaltado) e a uns 40 km de BR-262 (a Limeira fica a 6 km). Outro exemplo, agora no rumo contrário. Foi feita pelo fiscal do INCRA em meados de 2011 a verificação do preço da fazenda Cana do Reino, esta sim, próxima da Fazenda Limeira, na mesma estrada, só que do outro lado da cidade; a rigor, um pouco mais distante de Belo Horizonte, mas também bem próxima da BR-262. De fato, a escolha no caso foi idônea, a comparação é válida, os pontos em comum com a Fazenda Limeira são muitos. Por descuido, parece, escapou no texto a pesquisa e surge de repente no meio do papelório enganador como normal o preço do hectare ali: R$50.000,00 o hectare. Vou repetir: R$50.000,00 o hectare, quando feita a comparação idônea. O fiscal do INCRA tranquilamente aceita que ali o preço, bem próximo da Fazenda Limeira e na mesma área, era mesmo de R$50.000,00 o hectare. E enfia nos autos. Por este preço a Fazenda Limeira valeria R$18.150.000,00 e não R$3.083.047,74 (6 vezes mais alta que a avaliação imposta com descaro e parcialidade gritante pelo INCRA). Será que as pessoas influentes no INCRA consideram os membros do Judiciário, do Legislativo e do Executivo totalmente ineptos para ajuizar em seus graves termos (graves aqui é eufemismo, deveria utilizar escandalosos) situação como essa? No maior descoco, colocam a avaliação de uma fazenda vizinha à Limeira, com características parecidas (terra, distância de Belo Horizonte e proximidade da BR-262) com o hectare 5,91 vezes mais caro que o preço que aceitaram pagar? Onde ficou a exigência legal de preço de mercado? A lei esbofeteada com atrevimento, aqui está uma escandalosa causa de anulação do processo.

 

Não parou aí a agressão minuciosa da injustiça armada com o braço do poder estatal contra os desvalidos, desarmados e atordoados proprietários tradicionais do estabelecimento rural (9 irmãos e a viúva meeira, que só querem a divisão tranquila de sua modesta terra entre eles para pacificamente poderem trabalhar e produzir). Pela mesma portaria acima referida o valor máximo que o INCRA pode torrar com cada assentado é R$80.000,00 (para o bioma da Mata Atlântica e outros espaços, valor de janeiro de 2013) e R$140.000,00 para as demais regiões. A Fazenda Limeira está no bioma da Mata Atlântica e na área do mapa do IBGE para a lei 11.428, que disciplina a espécie. Para evitar o teto de R$80.000,00, aplicável ao caso, e se ajeitar no mais cômodo de R$140.000,00 (janeiro de 2013), o INCRA, ─ é duro dizê-lo, mas é dever nosso ser escravos da realidade ─ falseando e enganando, com irregularidade gritante desconheceu os preceitos legais normativos no caso (bioma da Mata Atlântica, máximo de gasto R$80.000,00 por assentado, repico) e colocou a fazenda como pertencente às demais regiões. Só este fato é de molde a anular a malandríssima desapropriação. A mais, mesmo com os numerosos expedientes retorcidos, alguns dos quais veremos abaixo, o gasto por assentado ultrapassava muito o teto de R$140.000,00, já dito, inaplicável ao caso (ficou em R$178.178,00 com o hectare ali avaliado hilariamente a menos de R$8.500,00). O ministro interino da Reforma Agrária, utilizando prerrogativa legal, em setembro de 2013 autorizou arrebentar o teto, jogar para cima o gasto por assentado. Modo diferente, às favas o dinheiro público. É difícil não assomar a suspeita de que o ministro efetivo cheirou coisa mal feita e mais que depressa tirou o dele da reta. O ministro interino ficou com a batata quente na mão e inconsideradamente meteu a marreta no teto legal de gasto por assentado.

 

Tem mais. É normal que o assentado receba para cultivo o módulo rural da região, no caso 20 hectares. O módulo rural tem relação com propriedade familiar, cultivada pela família, apta para seu consumo, sustento e progresso. É tido como um pedaço pequeno que uma família cultiva sem recurso a mão de obra externa ou com pouco recurso a ela. Se o assentado recebesse o que seria normal, sua propriedade familiar, no caso os 20 hectares, pagos pelo preço de mercado o INCRA desembolsaria R$600.000,00 por assentado (caso de R$30.000,00 o hectare, 750% acima do teto) ou R$400.000,00 por assentado (caso de R$20.000,00 o hectare, 500% acima do teto). Nem falo do hectare acima de R$30.000,00, já negociado nesta faixa com frequência na região e nem sigo aqui a avaliação do próprio INCRA, constantes dos autos, da fazenda próxima à Limeira, a Cana do Reino, R$50.000,00 o hectare. E ainda estou muito bonzinho, não considerei as benfeitorias, das quais a propriedade está lotada: 3 casas boas, 2 casas menores, suinar (para os poucos que não conhecem a palavra, chiqueiro, mas enorme, coisa de 1º Mundo), 3 currais, pastos formados, pomar, viveiro de orquídeas e vai por aí afora. O próprio INCRA, na avaliação delirante, coloca o valor de R$461.318, 40 para as benfeitorias úteis e necessárias. De fato, por baixo, valem hoje mais de R$1.500.000,00. A soma total do INCRA, com mais alguns itens a indenizar, sobe para R$9.777,44 o hectare. Fica de novo evidente o disparate da desapropriação, menos para quem coloca a perseguição rancorosa ao produtor rural como obrigação ideológica prioritária e objetivo de vida. Por outro motivo relevante o INCRA fugiu dessa solução normal, 20 hectares para cada assentado. O mínimo por assentamento, constante da Portaria 5 de 31 de janeiro de 2013, é de 15 assentados em cada área desapropriada. Depois de considerada a reserva legal e a área de preservação permanente, sobravam só 160 hectares para assentar famílias. 15 x 20 = 300. E só existem 160. Ou seja, é inescapável, cada assentado tem de se contentar com menos de 10 hectares. O INCRA achou então que com 8 hectares para cada um já estava bem bom; dava e sobrava. 8 x 20 = 160. A conta fechou. De fato, arredondei para cima: o relatório do INCRA, de valor técnico inapresentável até para secundaristas gazeteiros, fala em “7,0 hectares de área líquida”. Encheu o processo de cálculos e perspectivas fantasiosas para provar uma situação que uma simples multiplicação já indicava como incontornável. Critério científico, como se vê. Fechou, em termos. Dois herdeiros do espólio vivem da propriedade há mais de 20 anos, têm preferência na hora da repartição. Outra herdeira tem residência na sede. Outra preferência na distribuição. Uma quarta herdeira, viúva, precisa para se manter da renda que aufere do aluguel de seu pedaço, divisão antiga, consensual entre os herdeiros. Sua área, intensamente explorada pelo locatário com técnicas modernas, com plantações de milho e sorgo doce de alta produtividade, aparece na estranha avaliação do INCRA como pasto. Vai ela também ser expulsa aos pontapés e deixada ao relento? Mais um problema a discutir. Na prática, vai sobrar bem menos de 160 hectares para a divisão. Qual o motivo da encarniçada desapropriação, desmiolada para uma pessoa de bom senso, senão a obstinada caça ao produtor rural e moldar o campo segundo uma utopia que invariavelmente se revelou empobrecedora onde foi aplicada?

 

O INCRA inventou, mais uma vez com base em análises laboriosas, supostamente técnicas, que a área do assentamento se destinará acima de tudo ao cultivo hortigranjeiro. Aparece então o plano futuro, polo de hortigranjeiros, no espetacularmente inepto relatório, de um primarismo boçal (perdoem-me a palavra forte, é forçosa, reflete até de maneira insuficiente a realidade; é triste constatar tal nível num órgão que deveria ter pelo  menos um pouco de seriedade técnica, mas basta abrir os autos para sofrer em saraivada as agressões das bobagens ali empilhadas como justificativas da desapropriação, que acarretará a desdita, quem sabe por decênios, de família honrada, grande e antiga conhecedora das lides do campo). Para mostrar o futuro do assentamento ali planejado, o deprimente texto fala então da suposta “vocação da região para as atividades de hortigranjeiros”. Descobriu a América! É preciso avisar já, na correria, arfando de contentamento, aos fazendeiros da região, esta novidade fulgurante, a boa nova de muito esperada por eles, para a qual, pobres cegos, nunca tinham atinado: eles têm ‘vocação” para plantar alfaces, nabos, rabanetes. Todo mundo na região da Fazenda Limeira sabe, ali nas propriedades se criam porcos, frangos, gado leiteiro; plantam-se milho, sorgo, feijão. Em nenhuma das propriedades lindeiras da fazenda expropriada há grande cultivo de leguminosas. Só hortinhas. Razão? Claro feito água do pote: dá prejuízo, de outro jeito, não é viável economicamente. Nenhum dos fazendeiros pé na terra jamais sonhou em fazer dali um polo produtor de couves e cenouras. A miragem delirante sonhada pelos dirigentes do INCRA, bem agasalhados em bons apartamentos das cidades grandes, seria ter lá na frente 160 hectares lotados sobretudo de alfaces e nabos. Sempre foi assim, nas salas esfumaçadas dos técnicos mitomaníacos da microexploração se desenham cenários róseos a partir de premissas fantasiosas delirantes, cuja base é o desconhecimento rombudo da realidade dura do dia a dia do produtor rural. Faltou aos estudos uma coisa básica: ver o que existe, perguntar aos sofridos fazendeiros que trabalham por ali se o plano do polo das alfaces tem alguma chance de dar certo. Mas como o dinheiro usado no assentamento vai ser público, não tem problema, não vai doer no bolso de ninguém. Só no do pagador de impostos que vai ver pelos anos afora mais um ralo onde seu dinheiro escoará sem utilidade nenhuma. Na exatidão, a possibilidade próxima, risco sério, é a criação de mais uma favela rural, igual às centenas em que se transformaram incontáveis assentamentos Brasil afora. Podem escrever e me cobrar depois. A terra morrada da Limeira, com poucas aguadas, se não for eliminada uma injustiça que clama aos céus, vai deixar as mãos de antiga e laboriosa família de ruralistas que nela labuta por quatro gerações, gente do ramo, com tarimba e ciência (um dos herdeiros que trabalha todos os dias naquela terra é veterinário conhecido e respeitado na região; outro cursou Economia), agora escorraçada aos pontapés pela corriola fanatizada pelo preconceito, infelizmente enquistada em postos influentes no INCRA e no MDA. No lugar da experiente família ruralista, o INCRA vai socar ali uns 15 ou 20 pobres coitados ─ na melhor das hipóteses, é o que mostra a triste experiência, pois com frequência entre os assentados escolhidos constam desordeiros, basta falar com quem conhece por dentro a sombria realidade dos assentamentos ─, de escassa instrução, sem vivência séria na agricultura, que em geral não conseguem diferenciar um pé da mandioca-mansa de um da mandioca-brava. É política social ou, na verdade, mais um caso de generalização da irresponsabilidade, do desperdício de dinheiro público e da pobreza?

 

A mais, algum ambientalista acredita à vera que os supostos 15 ou 20 assentados vão respeitar a minuciosa e estrita legislação que regula a exploração agrícola nos biomas da Mata Atlântica? E reparar o passivo ambiental constatado? No caso, para os obcecados expropriadores não tem importância alguma a facilmente previsível agressão às leis que preservam os escassos resíduos da Mata Atlântica em Minas Gerais.

 

Agora, o que fazer. Simples, fazer justiça. No caso, restabelecer a ordem lesada: suspender e depois extinguir o processo; a seguir, cancelar a desapropriação. É o que os homens de bem esperam da isenção animada pelo senso grave da ordem, o mais amplo possível, do douto Julgador e da sensatez dos políticos de valor autêntico, evitando que a injustiça estadeie impune seu triunfo e, com isso, se agravem indefinidamente a dilaceração social e o esbanjamento do dinheiro público. Aqui o número do processo de desapropriação da fazenda Limeira: 46397-47.2013.4.01.3800. E, in extremis, um apelo que ecoa a voz de milhões de brasileiros de espírito reto e coração bom: Presidenta Dilma, em cujas veias corre sangue de valorosos ruralistas do Triângulo, com equidade e coragem moral, dizei uma só palavra e impedireis a consumação de uma injustiça monstruosa que, independe de nós, no futuro será julgada como mancha purulenta e indelével de seu governo. Em hora que se valoriza o papel da mulher na sociedade e no Estado, da qual V. Exa. é exemplo, este gesto apaziguador, brotando da equidade, colocaria em destaque uma das mais importantes características femininas, que tanta falta faz em todos os âmbitos, a particular sensibilidade em mitigar a dor. Traria de imediato a justa e longamente esperada tranquilidade para filhas, mães, esposas e avós, hoje, contra a lei, sufocadas por angustiosa insegurança, caminhando sob o peso da cruz em calvário sem fim. Que Deus tenha pena de todos os injustiçados do Brasil.