sábado, 27 de agosto de 2022

Democracia sem hipocrisia e cegueira

 

Democracia sem hipocrisia e cegueira

 

Péricles Capanema

 

Avalanche publicitária acachapante. Nas últimas semanas o Brasil assistiu a enorme avalanche publicitária em apoio da democracia ▬ entrevistas sem conta e alguns manifestos, sobressaindo-se a “carta” às brasileiras e brasileiros lida em 11 de agosto nas Arcadas. Nesse clima, o Datafolha constatou o maior índice histórico de brasileiros a seu favor: 75% (democracia é sempre melhor). Em fevereiro de 1992, segundo o mesmo instituto, o índice patinava em 43%. Nada tenho contra a defesa das liberdades naturais, a limpidez na votação e o respeito ao resultado das urnas. Sou a favor, sempre fui, reitero-o agora. hoje está cada vez mais necessário enfatizar o óbvio.

 

Fuga do efeito manada. Não gosto, contudo, de chover no molhado; de diferente ângulo, praticar a adesão fácil, que pode levar ao efeito de manada mental. E, todos viram, houve adesão fácil ao movimento, tinha ficado bonito e muitos baixaram a guarda. O que me faria tendente ▬ razão circunstancial, não determinante ▬ a não me juntar ao bando que então se manifestava. São águas passadas. Aponto agora ponto relevante da questão.

 

Veracidade e lucidez, pré-condições de arena pública saudável. A avalanche virou enxurrada, está se transformando em filete. “Flopou”. Por quê? Faltou autenticidade. Ficou notório, o movimento era inautêntico no miolo, eivado de contradições: de fato, tinha rumo, favorecia a candidatura petista. Marco Aurélio Mello, ministro aposentado do STF, ecoando sentimento generalizado, declarou à CNN: “"Se soubesse que o manifesto seria usado como instrumento político para fustigar o atual governo e apoiar um candidato de oposição, no caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eu não o teria assinado. Se arrependimento matasse, vocês estariam encomendando a minha missa de sétimo dia”. Embeiçado pelo palavreado sedutor, foi na onda. Pulou fora ddo retrocesso que até então patrocinava. Com ele, incontáveis. Desvelada a falsidade, recuaram; com a lucidez recobrada, deram as costas para o logro.

 

Inautenticidade e contradições. Ponto fundamental da autenticidade é a ausência de contradições; coerência, enfim. A apologia da hoje tão celebrada democracia precisa ser ampla, geral e irrestrita. Ser a favor dela aqui e com sinceridade também defendê-la lá fora. Não foi o que aconteceu. Um sem número de políticos e pessoas com presença nos meios de divulgação, partidários notórios da ditadura na Rússia, China, Venezuela, Nicarágua e Cuba, apresentaram-se e foram aceitos como lídimos paladinos da democracia. Esta incoerência logo que melhor percebida, esvaziou o entusiasmo da ala que recusava a inautenticidade. A duplicidade (dos simpatizantes de ditaduras) estava intoxicando o ambiente.

 

Ilustração amarga. Deixo aqui apenas um exemplo, sintoma relevante de posições de efeitos nefastos para o futuro brasileiro, infelizmente bastante generalizadas. A| ex-presidente Dilma Rousseff foi palmeada por ter firmado a carta lida em 11 de agosto nas Arcadas. Por aqueles dias deu declarações turibulárias sobre a ditadura comunista chinesa, onde o PCC oprime centenas de milhões de pessoas. A China, afirma ela, é “modelo admirável”. Modelo para quem? Certamente para o Brasil, chamado para babar de admiração pelos dirigentes do Partido Comunista que a aplicam. “Representa uma luz nessa situação de absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais”. Sendo assim, as sociedades ocidentais, trevosas, são ofuscadas pelo fulgor da política aplicada pelo Partido Comunista da China. Contradições assim, aberrantes e ovantes, eliminam a seriedade na assinatura de qualquer manifesto a favor da democracia. Quem as aceifa, evidencia cegueira. Quem as pratica, como poderá evitar o epíteto de conduta hipócrita, que nasce natural, impulsionado de forma incoercível pela força da lógica?

 

Conluio da cegueira com a hipocrisia. Aliança mistificadora, ainda que inconfessada e até despercebida, mais comum que se costuma pensar, esteada no romantismo e na superficialidade, sempre prenhe de catástrofes. Entre outros efeitos, leva a opinião nacional a se acostumar com o engodo e a dissimulação. À vera, é caldo de cultura para miséria material e moral, fortalecendo condições para perpetuação de governos ditatoriais. Em especial nesse clima eleitoral, a opinião nacional estará sujeita a mistificações que ofuscarão seus olhos e farão os ouvidos mais abertos à hipocrisia. Quanto não à mentira descarada.

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