Democracia sem hipocrisia e cegueira
Péricles Capanema
Avalanche publicitária acachapante. Nas últimas semanas o Brasil assistiu a enorme avalanche
publicitária em apoio da democracia ▬ entrevistas sem conta e alguns manifestos,
sobressaindo-se a “carta” às brasileiras e brasileiros lida em 11 de agosto nas
Arcadas. Nesse clima, o Datafolha constatou o maior índice histórico de
brasileiros a seu favor: 75% (democracia é sempre melhor). Em fevereiro de
1992, segundo o mesmo instituto, o índice patinava em 43%. Nada tenho contra a
defesa das liberdades naturais, a limpidez na votação e o respeito ao resultado
das urnas. Sou a favor, sempre fui, reitero-o agora. hoje está cada vez mais
necessário enfatizar o óbvio.
Fuga do efeito manada. Não gosto, contudo, de chover no molhado; de diferente
ângulo, praticar a adesão fácil, que pode levar ao efeito de manada mental. E,
todos viram, houve adesão fácil ao movimento, tinha ficado bonito e muitos
baixaram a guarda. O que me faria tendente ▬ razão circunstancial, não
determinante ▬ a não me juntar ao bando que então se manifestava. São águas
passadas. Aponto agora ponto relevante da questão.
Veracidade e lucidez, pré-condições de arena
pública saudável. A avalanche virou enxurrada, está se
transformando em filete. “Flopou”. Por quê? Faltou autenticidade. Ficou
notório, o movimento era inautêntico no miolo, eivado de contradições: de fato,
tinha rumo, favorecia a candidatura petista. Marco Aurélio Mello, ministro
aposentado do STF, ecoando sentimento generalizado, declarou à CNN: “"Se soubesse que o manifesto seria usado
como instrumento político para fustigar o atual governo e apoiar um candidato
de oposição, no caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eu não o teria
assinado. Se arrependimento matasse, vocês estariam encomendando a minha missa
de sétimo dia”. Embeiçado pelo palavreado sedutor, foi na onda. Pulou fora ddo
retrocesso que até então patrocinava. Com ele, incontáveis. Desvelada a
falsidade, recuaram; com a lucidez recobrada, deram as costas para o logro.
Inautenticidade e
contradições. Ponto fundamental da
autenticidade é a ausência de contradições; coerência, enfim. A apologia da hoje tão celebrada democracia precisa ser
ampla, geral e irrestrita. Ser a favor dela aqui e com sinceridade também defendê-la
lá fora. Não foi o que aconteceu. Um sem número de políticos e pessoas com
presença nos meios de divulgação, partidários notórios da ditadura na Rússia, China,
Venezuela, Nicarágua e Cuba, apresentaram-se e foram aceitos como lídimos paladinos
da democracia. Esta incoerência logo que melhor percebida, esvaziou o entusiasmo
da ala que recusava a inautenticidade. A duplicidade (dos simpatizantes de
ditaduras) estava intoxicando o ambiente.
Ilustração amarga. Deixo aqui apenas um exemplo, sintoma relevante de posições
de efeitos nefastos para o futuro brasileiro, infelizmente bastante
generalizadas. A| ex-presidente Dilma Rousseff foi palmeada por ter firmado a
carta lida em 11 de agosto nas Arcadas. Por aqueles dias deu declarações turibulárias
sobre a ditadura comunista chinesa, onde o PCC oprime centenas de milhões de
pessoas. A China, afirma ela, é “modelo admirável”. Modelo para quem?
Certamente para o Brasil, chamado para babar de admiração pelos dirigentes do
Partido Comunista que a aplicam. “Representa uma luz nessa situação de absoluta
decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais”. Sendo
assim, as sociedades ocidentais, trevosas, são ofuscadas pelo fulgor da
política aplicada pelo Partido Comunista da China. Contradições assim,
aberrantes e ovantes, eliminam a seriedade na assinatura de qualquer manifesto
a favor da democracia. Quem as aceifa, evidencia cegueira. Quem as pratica, como
poderá evitar o epíteto de conduta hipócrita, que nasce natural, impulsionado de
forma incoercível pela força da lógica?
Conluio da cegueira com a hipocrisia. Aliança mistificadora, ainda que inconfessada e até
despercebida, mais comum que se costuma pensar, esteada no romantismo e na
superficialidade, sempre prenhe de catástrofes. Entre outros efeitos, leva a opinião
nacional a se acostumar com o engodo e a dissimulação. À vera, é caldo de cultura
para miséria material e moral, fortalecendo condições para perpetuação de
governos ditatoriais. Em especial nesse clima eleitoral, a opinião nacional estará
sujeita a mistificações que ofuscarão seus olhos e farão os ouvidos mais
abertos à hipocrisia. Quanto não à mentira descarada.
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