domingo, 20 de março de 2022

Esperando na borrasca

 

Esperando na borrasca

 

Péricles Capanema

 

Esperança na borrasca. Pequeno fato, espoleta do artigo, a seguir relatado, deu-se no já distante 1964, quando estudava em Belo Horizonte, começo do segundo ano do científico. Lendo o mensário “Catolicismo” (ano XIV, nº 160 ▬ abril de 1964), deparei-me com título que me impressionou de imediato. Nunca o esqueci. “Pensando, criticando, matizando e esperando na borrasca do século XX”. Encimava coluna do professor Plínio Corrêa de Oliveira, análise de fatos da atualidade, que não se perpetuou na publicação, seria uma espécie de sucessora do “7 Dias em Revista” do antigo Legionário. A borrasca era o fato bruto, dele não se escapava. Contudo, no meio dela, nada de desorientação e abatimento, indispensável manter a esperança. Mais ainda, espera ativa, vigorosa, com profícua atividade intelectual: pensando, criticando, matizando. Essencial a matização; não basta empilhar slogans e chavões, repetir frases e pensamentos empacotados. Nos últimos dias a frase esclarecedora voltou quase obsessivamente: pensar, criticar, matizar sobre fatos da atualidade borrascosa.

 

Previsão infelizmente certa. Escrevi em meu artigo “O dia da vergonha”, postado em 17 de fevereiro último: “Viajou com o presidente [para Moscou] um nutrido acompanhamento militar para estabelecer “cooperação técnico-militar”, aliás explicita e sintomaticamente citada no comunicado: “fortalecimento da cooperação e intercâmbio militar”, como uma das metas da viagem. Compra de material militar russo? Técnicos russos assessorando o Exército brasileiro? Na América Latina a Rússia já vende material militar e oferece assessoramento para Nicarágua, Cuba e Venezuela”. Sinal dos tempos, são as novas companhias do Brasil. China, também. Às vezes, Coreia do Norte. Voltamos as costas para Estados Unidos, Alemanha, Austrália, Japão, Inglaterra. Outros mais, do mesmo campo.

 

Brasil – Rússia: cooperação na produção de energia nuclear para os campos civil e militar. Menos de mês após o artigo acima mencionado, informa Igor Gielow na Folha de S. Paulo de 16 de março sobre tratativas de cooperação entre Brasil e Rússia que veem de anos, foram meritoriamente freadas pelo anterior chanceler Ernesto Araújo, contrário ao afastamento em relação aos Estados Unidos, mas que agora caminham celeremente. “A recusa dos Estados Unidos em ajudar o Brasil em seu projeto de submarino nuclear levou o presidente Jair Bolsonaro a pedir apoio de Vladimir Putin, o que foi acertado na sua polêmica viagem de fevereiro a Moscou e agora está em xeque devido à guerra na Ucrânia. [...] Bolsonaro foi convidado e aceitou visitar o Kremlin, quando o russo já era acusado abertamente pelo Ocidente de preparar a invasão da Ucrânia ▬ que aconteceu uma semana depois de o brasileiro deixar a Rússia. [...] Nada foi citado na viagem sobre a questão dos submarinos, mas o ministro das Minas e Energia, almirante da reserva Bento Albuquerque, confirmou que conversou com a estatal russa de energia atômica Rosatom acerca da participação dela na usina de Angra 3, que o governo quer ver finalizada até 2026. Isso seria a face civil do acerto. [Existe, portanto, parte militar nas tratativas]. Bolsonaro, contudo, escorregou. Em encontro com empresários depois da visita a Putin, falou brevemente sobre os temas da viagem e citou interesse na área nuclear "por causa da propulsão do nosso submarino". O Brasil dá as costas para países ocidentais que detêm a tecnologia e se lança nos braços da Rússia. Escolha de campo. É o campo onde, na América Latina, já estão bem enraizadas Cuba, Venezuela, Nicarágua.

 

Reações em Washington. O Brasil tem acordo de 2009 com a França para a propulsão nuclear de submarinos. Está atrasado o cronograma: “O atraso é claro: o submarino que deveria chegar ao mar em 2025 não o fará antes do fim da próxima década. Isso se o fizer, dadas as implicações geopolíticas subjacentes não só ao namoro com os russos. As resistências americanas são perceptíveis”. De outro modo, os Estados Unidos observam com evidente, compreensível e justificado desagrado o escandaloso namoro do Brasil com a Rússia. Namoro, decorrência necessária, manifestado em praticamente todas as votações do Brasil em órgãos internacionais de importância a propósito da crise ucraniana. De um lado, tem sido o normal, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Japão, Austrália etc. Do outro, China, Brasil, Rússia, Belarus etc. Situação, aliás, constatada com satisfação por Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia: “Há atores que nunca aceitariam uma aldeia global com um xerife americano. China, Índia, Brasil, Argentina, México. Tenho certeza de que esses países não querem estar em uma posição em que o Tio Sam lhes ordene fazer algo e eles digam 'Sim, senhor'”. Em resumo, é o fato borrascoso, o Brasil tem manifestado subserviência em relação aos objetivos da diplomacia russa e, ao mesmo tempo, age com frieza e distanciamento em relação a Washington, Londres, Berlim, Viena, Roma. Tóquio. Para horror e vergonha do Brasil que presta.

 

Migração para nova área de influência. A sinalização prenunciativa é de migração para nova área de influência, com abandono trágico da área de influência dos Estados Unidos. É congruente, já pipoca no noticiário a subserviência em relação a Pequim e Moscou, sonho da diplomacia petista. Se Lula ganhar as próximas eleições presidenciais, tal processo será acelerado, ninguém duvida. Se Bolsonaro ganhar, entre as forças que terão contribuído para a vitória eleitoral, haverá setores ponderáveis que, embora fazendo parte da coligação vitoriosa, abominam a migração, propugnam pela continuidade do Brasil na área ocidental. Serão freio para impulso demolidor. Estamos em meio de borrasca violenta. Mantenhamos esperança, olhos abertos, discernimento, visão panorâmica; hora de vigília, pensar, criticar, matizar. Daí poderá vir a vitória.

 

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