Edificante posição episcopal
Péricles Capanema
Olhar retrospectivo. A palavra edificante, ali no título, de repente, por
associação de pessoas e princípios, despertou recordações intensas em mim. Têm,
aliás, relação próxima com a matéria do artigo. Compartilho-as abaixo,
rapidamente, a figura que me veio à mente, merece atenção especial, não
deixarei ninguém roído de curiosidade. Privei, conversas de grande proveito, anos
a fio, uns quinze, imagino, uma ou duas vezes por semana, com dr. Arnaldo
Vidigal Xavier da Silveira. Outros também estavam sempre no grupo pequeno, em
geral cinco ou seis pessoas, dois dos quais seus irmãos. De quando em vez,
pessoas que moravam no Exterior, participavam dos encontros. Os convivas ali se
reuniam pela manhã (no início, em uma sala de hotel; depois, na residência dele)
por vários motivos, mas eram determinantes a atração pelo seu fulgor da
inteligência e solidez da cultura religiosa e filosófica, embebidas em bom
senso e despretensão. O ambiente e os temas alimentavam o que sentia palpitar
ali, vivacidade doutrinária. Hoje, já afundadas no passado aquelas reuniões, saudoso
▬ dr. Arnaldo faleceu em setembro de 2018 ▬ em mais que merecida homenagem, inclino-me
diante de sua memória, reverente e agradecido.
O poder existe para construir. Edificar, verbo que remete ao princípio lembrado por
mim. O poder existe para edificar; é da sua essência. Quando foge gravemente da
finalidade, são nulos seus atos. Sei, a aplicação a casos concretos é delicada,
mas o princípio é este, lembrado sempre por dr. Arnaldo. Era-lhe muito caro,
tinha-o a justo título por básico no Direito Natural, em parte do Direito
Positivo, bem como no Direito Canônico. Tratava dele repetidas vezes. É nula
ordem de um pai que manda o filho pular de janela alta. Ou que exige que tome
veneno.
Pensador de criação e complementação. Continuo rememorando. Foi pensador que quando não
criava, completava e matizava princípios conhecidos. Senso psicológico agudo,
clareza de pensamento e exposição, espírito prático, encontrava com facilidade surpreendente
saídas simples e luminosas para situações intrincadíssimas. A simplicidade da
conclusão nascia lenta, surgia ao longo dos encontros. Assim germinava a
solução, cada vez mais convincente, cada vez mais clara, cada vez mais simples.
Seus campos de eleição eram a Teologia (matizava situações e distinguia
posições de maneira exímia) e a Filosofia.
A alegria de elogiar. Viro o disco. As recordações acima jorraram de um ato
edificante e de enorme importância, infelizmente menos comum do que os
desejariam a maioria dos fiéis. Os bispos católicos do rito latino da Ucrânia,
diante da criminosa ofensiva das forças russas, pediram oficialmente ao Papa
Francisco que consagre publicamente a Ucrânia e a Rússia ao Imaculado Coração
de Maria, conforme rogos de Nossa Senhora em Fátima. Seria atitude digna do
Sucessor de Pedro, de grande valor simbólico e sobrenatural. Os bispos lembram,
imploram “nesta hora de dor incomensurável e calvário terrível para nossos
povos”, como resposta a numerosos pedidos de consagração a eles endereçados
pelos fiéis: “Respondendo a esta oração, pedimos humildemente a Vossa Santidade
que faça publicamente o ato de consagração da Rússia e da Ucrânia ao Coração
Imaculado de Maria, como pediu a Santíssima Virgem em Fátima”. Os bispos
ucranianos igualmente publicaram em sua página na rede um texto atualizado (em
ucraniano) de antigo ato de consagração da Ucrânia ao Imaculado Coração de
Maria, solicitando que seja rezado em privado depois de cada missa.
Piedade
corajosa. A solicitação episcopal (extraordinário poder da súplica
de hierarcas dotados de governo fundado no Direito divino, profundamente edificante
no caso) será atendida? Lamento a previsão, dói- me fazê-la, provavelmente será
ignorada. Poderá até ser malvista, considerada inoportuna e quem sabe desatenciosa.
E por isso sua postura tem um traço de coragem. Não importa. Está feita, brota
do dever pastoral. “Sursum corda”. O ato piedoso tocará o coração da Rainha da
Ucrânia nos céus, diante de Nossa Senhora produzirá efeitos. Não importa também
que os bispos católicos de rito latino representem apenas aproximadamente 1% da
população do país, seis dioceses sufragâneas da arquidiocese Lviv (ou
Leópolis). A maioria dos católicos pertence ao rito greco-católico, no total
cerca de 9 milhões de ucranianos em população de 44 milhões. Certamente juntam
seus corações às suplicas dos antístites do rito latino.
Esperança
fortificada. Importa sobremaneira aqui ressaltar um fato: a atitude
corajosa e edificante dos bispos ucranianos de rito latino que, em atmosfera generalizada
de agnosticismo, ateísmo e anticlericalismo, pedem ao Papa Francisco que
caminhe na trilha apontada por Nossa Senhora em Fátima. Seria consagração de
valor sobrenatural dificilmente mensurável. Rezemos para que, em que pesem circunstâncias
adversas fortíssimas, o Pontífice, sensível às preces dos fiéis e da Hierarquia
de rito latino, martirizados, caminhe nesta direção e, finalmente, atenda ao que pediu Nossa Senhora em
Fátima faz mais de século. E que nada tem de especialmente inovador, aliás, era
continuação de prática piedosa generalizada ao longo do século XIX, que ecoou,
em linhas gerais, até os anos 50. Um ponto era inovador: vinha acompanhada de
promessas, se os homens as levassem a sério. Ainda há tempo.
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