Governar pelo bom exemplo
Péricles
Capanema
Como pai
e mãe educam os filhos? Começo por um dos fundamentos, o que interessa no caso.
A preparação para a vida entre os homens apresenta marcantes traços comuns com o
modo de, por exemplo, a onça e outros animais prepararem os filhotes para a
sobrevivência. Pela imitação, lei da natureza; outro jeito, pela força do
exemplo. Gradualmente, ensina-os a se defender dos perigos, a caçar, a procurar
abrigos. E o homem é mamífero, guiado pela razão.
De igual
maneira, enorme papel tem a imitação na educação infantil. Forma o caráter o bom
exemplo dos superiores, no caso, os mais naturais e imediatos, os pais. No
ambiente da família, o filho em especial imita o pai, a filha em particular a
mãe, ambos movidos fortemente pela admiração. Nada mais normal que,
aperfeiçoando a imitação, buscando padrões de comportamento, o filho idealize
os pais, para ele causa, modelos, mestres e regentes. E assim tantas vezes,
para bem formar o filho, pais e mães ocultam vícios e má conduta ▬ exemplo
corrente, os fumantes. Se não são, pelo menos precisam ser visto como sendo modelos.
A educação pela imitação admirativa repercute desde a mais tenra infância até a
extrema ancianidade. Qualquer desarranjo em tal processo traumatiza, deixa
sequelas vida afora. Depois na educação temos os ambientes familiares, sociais,
rodas de amigos, a escola. E então se avulta o papel do professor.
Mas não
pretendo falar de pedagogia do infante. Meu assunto é outro, governo ▬
pedagogia adulta. Sei, uma tem relação com a outra. Vamos lá. O Estado existe
para a promoção do bem comum (o bonum commune da Escolástica). João
XXIII na “Pacem in Terris” lembrou esta verdade, hoje tão esquecida, em
palavras precisas: “[A] realização do bem comum constitui a própria razão
de ser dos poderes públicos”. Emerge a pergunta: o que é o bem comum? Volto a
João XXIII: “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e
favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.
Destaco o enunciado “desenvolvimento integral da
personalidade humana”. Integral. Para tal crescimento, contam fatores
materiais, contam sobretudo fatores morais. E aqui entra o papel de formador do
governante. Na mais funda raiz, a obrigação do decoro, bem como a chamada
liturgia do cargo e a sujeição ao cerimonial se assentam na contribuição ao bem
comum advinda do bom exemplo do governante. Em decorrência, a lesão ao bem
comum que seu mau exemplo acarreta. E a congruência da punição a tal conduta. Expressão
de tal verdade temos no artigo 9º da lei 1079 de 10/4/1950 que tipifica como
crime de responsabilidade “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o
decoro do cargo”. O que pode levar à perda do cargo.
Na vida de uma nação todo esse edifício se apoia na
noção idônea de bem comum. A ideia de bem comum sem simplismos, rica,
multifacetada, abarcando toda a realidade, que incorpora com discernimento os
fatores morais, intelectuais, psicológicos e materiais é pressuposto da
democracia autêntica, da saudável participação popular, do governo realmente
voltado para os interesses populares e nacionais. Sem tal concepção, tornam-se desnaturadas
as noções de democracia, participação e governo; funcionam mal as instituições
e se escancaram as portas para a demagogia.
Fato ilustrativo, em 25 de agosto de 1928 o presidente
Washington Luís inaugurou a Rio-Petrópolis, a primeira rodovia asfaltada no
Brasil, e na ocasião pronunciou frase que se tornou célebre: “Governar é abrir
estradas”. Parece, nem ele julgava que governar se reduz essencialmente a abrir
estradas. Mas a afirmação simplista ficou no anedotário político. Exagerando,
puxando a corda para o outro lado se poderia dizer: “Governar é dar bom
exemplo”. Nem um, nem outro. Governar é promover o bem comum, simples assim, fazer
estradas e dar bom exemplo formam parte do todo.
Também a ideia correta de representatividade tem
relação com o bem comum. A promoção do bem comum supõe via de regra que a nação
se faça representar pelo que tem de mais expressivo. É parte da exemplaridade
própria às funções públicas ▬ probidade, decoro, brilho. Nunca ali deveria
estadear o extravagante, excêntrico e estapafúrdio. No Brasil, cada vez mais,
pecamos aqui, todos sabem.
Por que tratei hoje do tema? As reflexões brotaram
ao ler entrevista recente de dom Rafael de Orleans e Bragança e ali o príncipe dizia:
“Fomos ensinados desde pequenos a ser vistos como exemplos”. Amplio o tema na
mesma direção e fecho com episódio talvez um tanto legendário, ligado ao que se
poderia chamar com alguma liberdade o bem comum das almas (a salus animarum).
São Francisco de Assis certa vez convidou um jovem do convento para acompanhá-lo
em pregação. Caminharam em conversa animada até o povoado. Percorreram as ruas,
cumprimentaram pessoas, uma prosinha aqui e ali; para os transeuntes ensinamento
vivo de simplicidade, desapego e espírito sobrenatural. Na tardinha retornaram à
residência. O moço recordou a são Francisco, haviam esquecido a pregação. Respondeu
o santo mais ou menos assim: “Enquanto andávamos, era uma pregação o que
fazíamos. Nossas vestes, nosso porte, revelavam que servíamos a Deus. Pregamos
sermão mais tocante do que se tivéssemos falado na praça, exortando o povo à
santidade”.
Verba movent, exempla trahunt (Palavras comovem, exemplos arrastam). Faz muita falta
o arrastão do bom exemplo. Ajudaria o bem comum, facilitaria o apostolado. É
isso.
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