Identidade, nacionalismo
e Ocidente
Péricles Capanema
Três temas do noticiário cotidiano, identidade,
nacionalismo e Ocidente, circunstancialmente pularam para a mais ardente
atualidade por causa do choque entre Donald Trump e Emmanuel Macron na manhã de
11 de novembro nas comemorações dos cem anos do fim da 1ª guerra mundial.
Convém ter em mente, Estados Unidos e França, aliados históricos, valorizam a
proximidade especial já mais que bissecular, que começou com a participação
relevante do marquês de Lafayette na guerra de independência.
Nas mencionadas comemorações, presentes quase 80 chefes
de Estado e de governo das mais importantes nações do mundo, o presidente francês
no discurso oficial, abriu fogo com alvo certo: “O patriotismo é o oposto exato
do nacionalismo, este é uma traição daquele. Ao afirmar ‘nossos interesses
primeiro e não me importo com os outros’ apagamos o que uma nação tem de mais
precioso, seus valores morais”.
“Nossos interesses primeiro” em francês soou em inglês
como “America first”. E quem apaga os valores morais é o cínico ou o hipócrita;
vale para pessoas, vale para Estados.
Macron reforçou ali os disparos na mesma direção: “A
partir de 1918, nossos antecessores tentaram construir a paz. Mas a humilhação,
o espírito de vingança, a crise econômica e moral nutriram a ascensão dos
nacionalismos e dos totalitarismos. Vinte anos depois, a guerra veio de novo
devastar os caminhos da paz. Vejo os velhos demônios ressurgirem, prontos a
realizar sua obra e caos e de morte. Ideologias novas manipulam religiões, preconizam
um obscurantismo contagioso. Por vezes a história ameaça retomar seu rumo
trágico”.
O líder gaulês foi além, fustigou o que julga uma nova
traição das classes letradas [trahison
des clercs, expressão cunhada por Julien Benda]: “Juntos, poderemos vencer
a nova traição dos letrados em curso que [...] nutre os extremos e o
obscurantismo contemporâneo”
O mandatário norte-americano, que em várias ocasiões
já se declarou nacionalista, em resposta silenciosa, na tarde do mesmo dia não participou
do Fórum sobre a Paz, que reuniu os líderes políticos presentes em Paris. Foi
visitar um cemitério de soldados dos Estados Unidos. Logo tuitou: “Não existe
país mais nacionalista que a França”. E logo depois do referido discurso de 11
de novembro, de novo pelo tuíte, seu meio de comunicação habitual, em várias
oportunidades manifestou desacordo. Em sentido contrário, o presidente francês
reiterou suas convicções em entrevista bombástica a Fareed Zakaria da CNN.
Macron, com o pronunciamento de 11 de novembro e outras
tomadas de posição de mesmo rumo está se colocando como o novo líder da Europa.
Tem um discurso contrário a numerosos interesses dos Estados Unidos e lembra a
política de tous azimuts do general
Charles de Gaulle. Nesse sentido, apela ao sentimento nacionalista de parte do
povo francês. De fato, a liderança, antes de Angela Merkel, está vaga. A
chanceler alemã, no ocaso político, já não tem expressão para falar pelo Velho
Continente. Deixo de lado essa questão; dela, futuramente, pretendo me ocupar.
Volto aos temas do título. Aos três conceitos,
nacionalismo, identidade e Ocidente se opõem globalismo (ou mundialismo),
multiculturalismo e diversidade. Diversidade, se conceituada à moda antiga,
poderia ficar no primeiro bloco. Hoje, seu lugar é no segundo.
O que é ser partidário da identidade? O que é ser
nacionalista hoje? O que significa agora defender o Ocidente? Se fizéssemos
tais perguntas a vinte pessoas, provavelmente ouviríamos vinte respostas
diferentes.
Importa deixar claros alguns aspectos dos três temas,
em geral na sombra (de outro modo, pôr pingos em alguns is). Defender a identidade
entende-se, via de regra, defender não apenas os interesses do próprio país,
mas suas características, leis, costumes e demais qualidades que a História lhe
imprimiu. De forma congruente, ser cioso de sua soberania e, de momento ponto
candente, estabelecer limites, às vezes rígidos, à imigração.
Em 2006 no livro “Horizontes de Minas” escrevi o
seguinte: “Quem abandona suas origens, entra sem norte no porvir. Caminhante sem
farol na noite escura, assim é o povo quando levado apenas pelo interesse
imediato. De fato, não mais poderá ser chamado autenticamente de povo. Formará
um imenso agregado humano, deambulando sem rumo. Despencará para a condição de
massa. Seus integrantes serão apenas átomos perdidos e isolados no turbilhão
estonteante da civilização contemporânea.” Exprime o que penso.
A fidelidade às raízes
caracteriza o amor à própria identidade. Daí nasce a fidelidade ao tronco, aos
galhos, às flores e frutos. De outro modo, à sociedade inteira, desde seu
primeiro núcleo, a família, que a todos os órgãos superiores comunica sua
seiva. O Estado, entidade suprema, terá papel suplementar em relação aos
inferiores, que pulsam de vida própria. Tal realidade se expressa no princípio
de subsidiariedade e é vacina eficaz contra os delírios do gigantismo estatal,
expressos por exemplo em tantos totalitarismos que infelicitaram os homens ao
longo do século 20, desde o nazifascista até o comunista. Não é saudável um
nacionalismo centralizador, intervencionista, contrário aos regionalismos e
desrespeitador de direitos mais naturais e anteriores aos do Estado. Enfim, que
inflama doentiamente a função estatal, indispensável e benéfica.
Agora, o Ocidente. É fundamental
defender o Ocidente; é o que longinquamente ainda hoje lembra a ordem temporal
cristã. O conceito de Ocidente aqui vai além das realidades geográficas, claro,
inclui o Japão, Cingapura e outras nações asiáticas de orientação semelhante ▬ regime
de liberdade na vida privada e pública, bem como economia de mercado. A
realidade aparece funestamente amputada quando parte dos defensores do Ocidente
coloca suas raízes em Atenas e Grécia (compreensível), mas se cala sobre a ação
da Igreja, em especial seu papel essencial na formação da Cristandade. O
Ocidente, um eco atual da Cristandade, só existe porque existiu a Cristandade
como ideal nas almas e como começo de realização.
Em resumo, no mundo inteiro pululam
reações sadias contra a uniformização e universalização das pessoas e sociedades.
Se quisermos, são reações antiglobalistas, Merecem todo apoio, evitando no que for
possível que se exprimam mediante ideologias totalitárias, preconizadoras de tolas
superioridades, que lhe desnaturariam o conteúdo purificador. Pontos a colocar em
relevo já de início ao considerar identidade, nacionalismo e Ocidente: defesa
da família, do princípio de subsidiariedade e, fundada no testemunho real da História,
visão objetiva do papel da Igreja Católica e sua doutrina em todo esse
processo.
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