segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O observador isolado



O observador isolado

Péricles Capanema

Vou falar das eleições, enveredando antes por um desvio ▬ só aparentemente. Não é de hoje, para tristeza nossa, o Brasil tem sociedade enormemente atrofiada, em especial se considerarmos até onde poderia ter chegado. Só um exemplo, pesquisa recente aponta que mais de 30% dos brasileiros são analfabetos funcionais, proporção que se mantém estável há 10 anos. Boa parte do restante não está distante daí, pois só 12% se comunicam adequadamente pela escrita. Imaginem o que essa chaga significa de exclusão social. Nem falo do Estado, ali existe atrofia, claro, porém o que choca de plano é a elefantíase. Paquidermes doentes têm membros e órgãos com movimentos atrofiados.

Estado de espírito preocupante, como nação estamos nos acostumando ao decaimento, poucos agora falam do Brasil como país do futuro, reflexões antes correntes, carregadas de tons esperançosos e até de ufanismo por vezes infantil. Exemplo tocante e ingênuo de tal propensão foi o livro do conde Afonso Celso “Por que me ufano de meu país”. Temos atenuante, as decepções repetidas corroeram crenças, as esperas dilatadas exauriram ânimos ▬ imaginem, o livro do simpático conde é de 1900.

Enfim, se o ufanismo louvaminheiro era ruim, nunca o foi a esperança. Não é o que de momento vemos, repito. O público parece aceitar resignado um presente cinza e a perspectiva de porvir inexpressivo. E ainda existe pessoal que brinca com a situação desoladora, destilando fel em comentários agridoces.

Não é consolação, mas tal apatia dissolvente alanceia ainda pessoas, famílias, regiões. Aos milhões; basta olhar ao redor de nós, gente acomodada, apática, em situações gritantemente inferiores a sua condição originária. O último imperador da China, Pu Yi (1908-1967) passou seus últimos anos como funcionário apagado da burocracia maoísta. Deixou escorrer os anos como jardineiro e bibliotecário. Comenta-se, vivia conformado, pior, satisfeitinho. Terrível exemplo de decadência e demolição de personalidade. Poderia ser jardineiro e bibliotecário, ocupações dignas, mas o olhar precisava estar imerso na grandeza que a Providência lhe destinara, esmigalhada pelos infortúnios. Para todos, para não afundar cada vez mais, a única reação decente é a inconformidade enérgica (quando possível, o exercício intenso, com norte, das potencialidades indolentes). Não vislumbro outro caminho para restauração, prosperidade e felicidade; pelo menos para manter para si e diante dos outros o respeito devido.

Não houve desvio, fiquei no trilho. Estamos em período eleitoral, o combate à atrofia deveria ser a prova dos nove, o teste do tornassol de todas propostas; de outro ponto de vista, o substrato dos debates.

Se a proposta nos ajudar a sair do poço da atrofia e escalar a montanha da plenitude, é aproveitável. Na educação, economia, privatização, reforma previdenciária, controle fiscal, segurança, saúde pública, ciência e tecnologia, enfim, em tudo, a simpatia deveria ir para candidatos cujos compromissos (e exemplo de vida) estimulem o desenvolvimento de potencialidades nos campos em que a administração pública tenha condições de influir. Soltar amarras, desburocratizar, diminuir impostos, aumentar as responsabilidades de cada um pelo seu próprio destino (condição de autonomia), limitar o poder do Estado e ampliar o âmbito de ação das forças sociais, destravariam nosso potencial. E nos forneceriam recursos para atender aos fracos e desvalidos.

Em suma, a busca da plenitude, perseguida com senso de proporção e animada pela justiça é caminho real para a inclusão social. Perto de nós temos exemplos dilacerantes de escolhas atrofiantes, Cuba e Venezuela no destaque, xodós da esquerda católica e do petismo, de cujos efeitos cruéis deveríamos fugir como da peste.

Nelson Rodrigues certa vez afirmou “aprendi a ser o máximo possível de mim mesmo”. Conhecimentos e hábitos podem nos levar ao máximo possível de nós mesmos. No conhecimento estão as percepções. Com auxílio de Deus, tantas vezes é possível entrever o que a Providência preparou pelo arranjo de qualidades pessoais e circunstâncias do meio para pessoas e grupos sociais. São vocações das mais variadas naturezas, lobrigadas por sintomas de difícil explicitação. Igual vale para o Brasil, o tema transcende campanhas eleitorais, sei bem, mas substancialmente é o grande assunto subjacente à algaravia da ocasião. Queiramos ou não, o substrato tudo em debate é a escolha plenitude versus atrofia.

Por que titulei o artigo de observador isolado? Poucos analisam assim, são hoje uns isolados. Contudo, vista desse belvedere, a paisagem é mais ampla e instrutiva. Meu convite cordial, observem também daqui o panorama.

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