O observador isolado
Péricles Capanema
Vou falar das eleições, enveredando antes por um desvio
▬ só aparentemente. Não é de hoje, para tristeza nossa, o Brasil tem sociedade enormemente
atrofiada, em especial se considerarmos até onde poderia ter chegado. Só um
exemplo, pesquisa recente aponta que mais de 30% dos brasileiros são
analfabetos funcionais, proporção que se mantém estável há 10 anos. Boa parte
do restante não está distante daí, pois só 12% se comunicam adequadamente pela
escrita. Imaginem o que essa chaga significa de exclusão social. Nem falo do
Estado, ali existe atrofia, claro, porém o que choca de plano é a elefantíase. Paquidermes
doentes têm membros e órgãos com movimentos atrofiados.
Estado de espírito preocupante, como nação estamos nos
acostumando ao decaimento, poucos agora falam do Brasil como país do futuro, reflexões
antes correntes, carregadas de tons esperançosos e até de ufanismo por vezes infantil.
Exemplo tocante e ingênuo de tal propensão foi o livro do conde Afonso Celso
“Por que me ufano de meu país”. Temos atenuante, as decepções repetidas
corroeram crenças, as esperas dilatadas exauriram ânimos ▬ imaginem, o livro do
simpático conde é de 1900.
Enfim, se o ufanismo louvaminheiro era ruim, nunca o
foi a esperança. Não é o que de momento vemos, repito. O público parece aceitar
resignado um presente cinza e a perspectiva de porvir inexpressivo. E ainda existe
pessoal que brinca com a situação desoladora, destilando fel em comentários
agridoces.
Não é consolação, mas tal apatia dissolvente alanceia ainda
pessoas, famílias, regiões. Aos milhões; basta olhar ao redor de nós, gente acomodada,
apática, em situações gritantemente inferiores a sua condição originária. O último
imperador da China, Pu Yi (1908-1967) passou seus últimos anos como funcionário
apagado da burocracia maoísta. Deixou escorrer os anos como jardineiro e
bibliotecário. Comenta-se, vivia conformado, pior, satisfeitinho. Terrível
exemplo de decadência e demolição de personalidade. Poderia ser jardineiro e
bibliotecário, ocupações dignas, mas o olhar precisava estar imerso na grandeza
que a Providência lhe destinara, esmigalhada pelos infortúnios. Para todos,
para não afundar cada vez mais, a única reação decente é a inconformidade enérgica
(quando possível, o exercício intenso, com norte, das potencialidades indolentes).
Não vislumbro outro caminho para restauração, prosperidade e felicidade; pelo
menos para manter para si e diante dos outros o respeito devido.
Não houve desvio, fiquei no trilho. Estamos em período
eleitoral, o combate à atrofia deveria ser a prova dos nove, o teste do
tornassol de todas propostas; de outro ponto de vista, o substrato dos debates.
Se a proposta nos ajudar a sair do poço da atrofia e
escalar a montanha da plenitude, é aproveitável. Na educação, economia, privatização,
reforma previdenciária, controle fiscal, segurança, saúde pública, ciência e tecnologia,
enfim, em tudo, a simpatia deveria ir para candidatos cujos compromissos (e
exemplo de vida) estimulem o desenvolvimento de potencialidades nos campos em
que a administração pública tenha condições de influir. Soltar amarras,
desburocratizar, diminuir impostos, aumentar as responsabilidades de cada um
pelo seu próprio destino (condição de autonomia), limitar o poder do Estado e
ampliar o âmbito de ação das forças sociais, destravariam nosso potencial. E
nos forneceriam recursos para atender aos fracos e desvalidos.
Em suma, a busca da plenitude, perseguida com senso de
proporção e animada pela justiça é caminho real para a inclusão social. Perto
de nós temos exemplos dilacerantes de escolhas atrofiantes, Cuba e Venezuela no
destaque, xodós da esquerda católica e do petismo, de cujos efeitos cruéis deveríamos
fugir como da peste.
Nelson Rodrigues certa vez afirmou “aprendi a ser o
máximo possível de mim mesmo”. Conhecimentos e hábitos podem nos levar ao
máximo possível de nós mesmos. No conhecimento estão as percepções. Com auxílio
de Deus, tantas vezes é possível entrever o que a Providência preparou pelo
arranjo de qualidades pessoais e circunstâncias do meio para pessoas e grupos
sociais. São vocações das mais variadas naturezas, lobrigadas por sintomas de
difícil explicitação. Igual vale para o Brasil, o tema transcende campanhas
eleitorais, sei bem, mas substancialmente é o grande assunto subjacente à
algaravia da ocasião. Queiramos ou não, o substrato tudo em debate é a escolha
plenitude versus atrofia.
Por que titulei o artigo de observador isolado? Poucos
analisam assim, são hoje uns isolados. Contudo, vista desse belvedere, a
paisagem é mais ampla e instrutiva. Meu convite cordial, observem também daqui
o panorama.
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