De Estado soberano a
Estado cliente
Péricles Capanema
Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos,
desembarcou em Brasília na 3ª feira, 26 de junho. De lá foi para Manaus. No
aeroporto manauara, não o esperavam nem o governador nem o prefeito da cidade.
Ficou dois dias entre nós.
O presidente Donald Trump ainda não veio ao Brasil. Em
quase dois anos de governo, visitou a Itália (duas vezes), o Vaticano, Bélgica,
Canadá, China, França, Alemanha, Israel, Japão, Filipinas, Polônia, Arábia
Saudita, Cingapura, Coreia do Sul, Suíça, Vietnã.
Ampliando, até agora não visitou apenas o Brasil, de
fato não pôs os pés em nenhum país da América Latina, coalhada de tradicionais
aliados. A situação reflete deprimente realidade, nem é preciso comentar ▬ para
ambos os lados. Os fatos urram. De passagem, está marcada para 30 de novembro
próximo visita de Donald Trump a Buenos Aires para a reunião do G-20.
Em boa parte, política é símbolo. Em certo sentido, é
sobretudo símbolo. Que a constatação leve a um trabalho sério para aumentar objetivamente
a importância da América Latina.
Repito, Mike Pence desembarcou em Brasília. A primeira
gestão do mandatário, tentou coordenar com as autoridades brasileiras atitude
mais enérgica em relação a Caracas. Mais que mera gestão, veio para isso. Deveria
ter sido recebido com entusiasmo por tal objetivo.
Fracassou redondamente. Nosso chanceler jogou um balde
de água fria na esperança do norte-americano que, no caso, só queria mais efetividade
e menos lero-lero na compaixão que sentimos do povo venezuelano e maior consciência
das ameaças pelas quais passa o Brasil. Disse o vice-presidente dos Estados
Unidos: “O Brasil liderou esforços para expulsar
a Venezuela do Mercosul, uniu-se aos EUA para suspender a Venezuela da OEA.
Agora, chegou a hora de agir com mais firmeza, e os EUA pedem ao Brasil e às
outras nações mais atitudes contra o regime de Maduro”.
O recado era direto: chegou a hora de
atuar com mais firmeza, de resolver o caso. A resposta brasileira foi também
direta: chegou nada, não vamos proceder com mais firmeza, vai continuar o
lero-lero, azar do povo venezuelano. Sublinhou o chanceler Aloysio Nunes
Ferreira, ao frisar que a posição dos EUA sobre a Venezuela não coincide totalmente
com a do Brasil. “Somos contra qualquer iniciativa unilateral em matéria de
sanções. Para nós, o tema da Venezuela está colocado onde deveria estar
colocado: na OEA, a Organização dos Estados Americanos”.
Quem de momento mais
sofre com as atitudes lenientes do Brasil com a ditadura de Maduro? O povo
venezuelano. Quem poderia estar se deliciando com a frieza e o distanciamento
do Brasil em relação aos Estados Unidos? A esquerda em geral, claro, em
especial a China comunista. Pode ter dividendos amazônicos, é o que veremos.
Quem sofrerá duramente no futuro, se o rumo não for
mudado? Nós. Volto a assunto que nenhum brasileiro esclarecido deveria situar fora
de suas preocupações. Michel Temer não visitou Washington. Donald Trump não
visitou Brasília. Michel Temer visitou Pequim. Xi Jingping, presidente da
China, já visitou Brasília. Lembro, política é símbolo.
Política é realidade. Estamos nos lances iniciais de
uma gigantesca disputa comercial entre Estados Unidos e China que pode
degenerar em guerra comercial generalizada e daí, sabe Deus, em embates até
piores. Em tais choques, a China, perdendo mercado dentro dos Estados Unidos, pela
força das circunstâncias buscará novos fornecedores e novas parcerias.
À primeira vista, situação favorável para o Brasil.
Poderá substituir os Estados Unidos no fornecimento de numerosas commodities e apresentar
oportunidades de aplicação de capitais. É, aliás, o que já divulgam setores
ligados aos interesses chineses no Brasil. E vão continuar procurando criar clima
de simpatia pela posição chinesa, por apresentar reflexo favorável aos
interesses brasileiros. De parceiros comerciais seríamos alçados à condição de
aliados estratégicos. Balela, soft power diplomacia.
Respigo repercussões iniciais de fenômeno perigoso com
potencial gigantesco de expansão. “Para o chinês, o investimento não é
resultado de uma parceria geopolítica, ele é parte dessa parceria”, declarou
Eduardo Centola, sócio do Banco Modal, instituição parceira da estatal CCCC (China Communications Construction Company).
Aliás, a bem dizer todo o investimento chinês no Brasil provem de estatais
chinesas.
Talvez o sr. Centola não tenha percebido, mas parceria
geopolítica, por ele tanto elogiada, o que é? Geopolítica. Obviamente, favorecer
interesses chineses nessa parte do mundo. Qual deles salta logo à vista? Sitiar
os Estados Unidos. Aqui está tarefa à qual se prestaria o Brasil.
Vamos adiante. “A China olha o Brasil como um país
onde pode escoar capital, tecnologia e capacidade ociosa”, corrobora Kevin
Tang, diretor-executivo da Câmara de Comércio Brasil-China.
Satisfeita pelo novo quadro, constata Marianna Waltz,
diretora da agência de risco Moody’s; “o Brasil faz parte da estratégia global
[da China] de garantir acesso à matéria-prima e de construir a infraestrutura
necessária para importá-la”. De novo, houve noção da envergadura do que disse?
Pois esse é o papel que desempenhavam as regiões colonizadas em relação às
metrópoles nos séculos 19 e 20. Forneciam matéria-prima, as potências
colonizadoras construíam sua infraestrutura.
Com esse quadro de conjunto, para qual situação
o Brasil vai sendo empurrado? Para a de Estado cliente. Estado cliente, para
quem anda desmemoriado, é Estado econômica, política, às vezes militarmente
subordinado a outro. Sinônimos da expressão, Estado finlandizado, Estado
satélite, Estado vassalo, Estado tributário, protetorado.
Fascinado por bruxedos aliciantes, passo pesado,
o Brasil bambaleia atordoado numa estrada cujo ponto de chegada ▬ Estado
cliente ▬ vem sendo escondido. À vera, a estação de destino ainda está pouco
clara até mesmo a muitos de seus setores mais responsáveis. Recorro a Mike
Pence, chegou a hora de acordar.
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