Carga pesada
Péricles Capanema
Vai e vem; e vem e vai sem fim. Em evidência nos
últimos dias, o caminhoneiro é das profissões mais simpáticas do Brasil. Trabalho
duro, perigoso, espinhento. Sofre trombadas, não capota, segue na pista. Empreendedor,
esbanja energia para crescer; sabe, vitamina de motorista é poeira. O
carroceiro é seu parceiro, pequeno caminhoneiro das antigas cidades do interior
(e até das capitais). Foram longe na estrada da vida, grandes fortunas no
Brasil têm origem na carroça, no assento e no burro (hoje, na carroceria, na
boleia e no motor).
Breca. No começo da paralisação recente veio desse
acervo grande parte do enorme apoio público de que gozaram. Gente sofrida, era
preciso apoiá-la. Imediatamente depois a paralisação foi vista como oposição a “tudo
o que está aí”, corrupção, privilégios malucos, gastança. Era também para
consertar o Brasil, ampliou em muito a aprovação.
O apoio murchou na hora em que as telas mostraram as
cenas de desabastecimento, apodrecimento e morte da produção, suspensão de
cirurgias, gritarias de produtores rurais, advertências de economistas, comida faltando
na mesa. Como um pêndulo o sentimento popular correu ligeiro para o outro
extremo. De fato, ficou impopular a paralisação, mas se manteve o apreço pelos
caminhoneiros. Os políticos e os formadores de opinião, temerosos de lhes
faltar chão nos pés, também oscilaram fortemente em poucos dias, o apoio
inicial caloroso se fez silêncio ou crítica.
Uma primeira lição, já clara no rescaldo dos protestos
de 2013 (lembro outro, também no movimento do Cansei): bobagem confundir
oposição séria com exasperação emocional. Na irritação do sentimento existe
oposição, mas é pouco aproveitável na maior parte dos casos. E, no longo prazo,
ou a emoção se faz princípio e aí gera decisão estável, ou, nada feito.
Na raiz da paralisação está um ponto cada vez mais
destacado por fundamental. O crédito subsidiado do BNDES no governo Dilma levou
a excesso de compra de caminhões. Financiamento fácil, caminhões demais. Daí excesso
de oferta de frete, pois houve queda na demanda por ele. O movimento dos
caminhões nas estradas de momento é 26% menor do existente entre 2003 e 2007.
Entre 2014 e 2016, último ano nas estatísticas, foram fechadas 72 mil vagas de
motoristas. Com a crise, já de uns cinco anos, o setor está asfixiado. O único
modo de ter fretes melhores é com o desenvolvimento da economia ▬ aí cresce a
necessidade por fretes e sobe seu preço. Não dá para mexer nesse quadro em
poucos dias.
Pior ainda, nas últimas semanas subiram forte as
cotações do barril do petróleo no mercado internacional, o maior patamar em
duas décadas. Provocaram ajustes contínuos no mercado interno no diesel e na
gasolina.
A insatisfação explodiu. Como paliativos, foram
oferecidos tabelamento, contratação sem licitação por órgãos públicos,
diminuição de R$0,46 por litro de óleo. Nos órgãos públicos, aplica-se a
tabela. Ali, o caminhoneiro lucra, perde o contribuinte.
Em muitos casos, de particular para particular, o contratante
do frete vai fazer cotação. E o caminhoneiro, que já vivia mal, mas vivia desembolsando
os R$0,46 que agora não paga, vai baixar ainda mais sua proposta para não ficar
parado. A vantagem aqui irá para o contratante do frete. Vai ter um extra à custa
do contribuinte. Nota Armando Castelar, economista da FGV: “A concorrência vai
aumentar, clientes podem pedir desconto. Esses fatores podem reduzir o valor do
frete”. Uma vez mais, o perigo das soluções artificiais.
Fala-se que o governo cedeu muito por estar fraco,
sangrando com as denúncias de corrupção. Correto e insuficiente. A razão maior é
outra: 7 de outubro. Os políticos governistas estão pressionando, temerosos de
derrotas e consequente fim de carreira pública. Podemos esperar mais subsídios,
descarados ou disfarçados, no gás de cozinha e na gasolina. Depois das
eleições, a conversa provavelmente mudará de tom. Sempre foi assim, são maravilhas
da democracia.
Termino com um quem avisa amigo é. Em vários momentos
da paralisação, juntaram-se as gritarias da esquerda e de certas direitas, reclamando
ou celebrando. Para mim, recordaram de forma canhestra o pacto Ribbentrop-Molotov
que uniu os interesses da Rússia Soviética e Alemanha nazista, de Stalin e
Hitler, de 23 de agosto de 1939 a 22 de junho de 1941. Fortaleceu ainda a união
nazi-comunista o Acordo Comercial Germano-Soviético de fevereiro de 1940. Dois
anos, grosso modo, trabalharam em
uníssono. Partilharam a Polônia, a Rússia anexou territórios, enviou matéria-prima
para o esforço de guerra nazista. E tanta coisa mais. Por que agora trago à
baila o pacto Ribbentrop-Molotov? Para despertar desconfianças. Quando virem
uniões de esquerda e direita, desconfiem, a direita provavelmente será
inautêntica. E a boa causa (em outras palavras, o que resta da ordem temporal
cristã) acabará prejudicada. Seguro morreu de velho, o desconfiado ainda vive.
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