O que prefere, influência
ou poder?
Péricles Capanema
Influência ou poder? Já vi, quer juntar os dois. Um ou
outro, dependendo das circunstâncias. Se fosse necessário escolher, qual deles?
Rumine sem pressa, nem precisa optar agora. E, praticamente, o mais importante é
saber agir para ter os dois ao mesmo tempo.
Influência, indica a palavra, fluir para dentro, mexer
com o interior, modificá-lo. Poder é imposição, coerção. Nas famílias, tantas
vezes o pai tem o poder, pouca ou nenhuma influência. E a mãe, sem poder
efetivo, exerce influência. O mesmo sucede em famílias estendidas, pais, mães,
avós, primos, empresas, grupos de amigos; enfim, em ajuntamentos humanos de
todo tipo. Com uns, o poder; com outros, sobretudo a influência. Existem países
de gigantesco poder. Há nações de ampla influência e, relativamente, pouco
poder. E é sobre isso que pretendo discorrer hoje. Importa especialmente ao
Brasil, país vocacionado para a influência, tem valor para qualquer país.
Joseph S. Nye, professor em Harvard, criou a expressão
soft power (poder suave, brando). Está
mais ligado à influência que ao poder. Uma das definições do autor: “Soft power á a capacidade de conseguir o
que você deseja mediante atração e não coerção ou compra. Brota da atração das
políticas, ideais políticos e cultura de um país. Quando nossas políticas são
vistas como legítimas aos olhos dos outros, aumenta nosso soft power”. Continua o professor: “A sedução é sempre mais efetiva
que a coerção”. Soft power, percepção
subjetiva, é simbolismo, irradiação, capacidade de atrair, encantar e ser
imitado, até determinar em certa medida a direção da vida.
A ela se opõe a expressão hard power (poder duro). No meio está sharp power (poder cortante). Hard
power é poder militar, força econômica. Disse acima, imposição e coerção. Sharp power é a região cinzenta entre os
dois extremos, mistura influência e imposição, “confiança na subversão,
bullying, e pressão, na promoção da autocensura”, lembra o professor Joseph
Nye. Arma de “regimes autoritários, impõe condutas internamente e manipula
opiniões externamente”, acrescenta.
O mais conhecido exemplo de sobrevalorização do hard power, acho, vem de Stalin. Em 1935,
depois de assinar o pacto de assistência mútua com a Rússia soviética, Pierre
Laval, ministro do Exterior francês, queria aliança mais ampla, englobando
Mussolini, Inglaterra e até a Igreja Católica. Em conversa com o ditador
soviético, para tornar mais fáceis as tratativas, sugeriu a ele que diminuísse
a perseguição contra os católicos, duríssima em especial na Ucrânia. Resposta
do tirano: “Quantas divisões tem o Papa?” Como o Papa não tinha força militar,
nem iria considerar a sugestão. A manifestação boçal do chefe comunista, enorme
tolice, negava que o soft power pudesse ser determinante.
Seu maior exemplo de eficácia de que agora me recorde foi
a oratória galvanizadora de Winston Churchill durante a 2ª Guerra Mundial, fator
decisivo da resistência e vitória da velha Albion. “Winston Churchill mobilizou
a língua inglesa e a lançou na batalha”, dito real e que ficou célebre.
Saiu o relatório The
Soft Power 30 – a global ranking of soft power – 2017 [Os 30 primeiros
Estados em soft power – lista global
de 2017, em tradução bem livre], confeccionado sob a coordenação de Jonathan McClory,
lido com grande atenção mundo afora por gente influente nos governos, empresas
e universidades que contam. Para a elaboração da lista, além de opinião de grandes
especialistas, foram ponderados itens como cultura, governo, capacidade de
relacionamento, importância e atratividade das universidades, pesquisa, nível
da informática; até culinária entra.
A França não lidera apenas em culinária. Em 2017, é a
nação mais influente do mundo para tais estudiosos. Em segundo lugar está a
Inglaterra. Apenas em terceiro vêm os Estados Unidos. Quarto lugar, Alemanha. A
China aparece em 25º, Rússia em 26º, o que mostra a reserva, até mesmo a
oposição generalizada a seus intuitos expansionistas, bom sinal.
O Brasil detém a posição 29. Mau sinal. Para o
empurrão costa abaixo contam vários fatores, dos quais um é o governo lotado de
corruptos que vem desde os dois períodos de Lula e, na percepção mundial,
continua até hoje. À frente do Brasil estão países como Cingapura (20º lugar),
prestigiada pelo ótimo ambiente de negócios, Suíça (7º posto), simpatizada pelo
governo eficaz e limpo. Outros países que nos deixam na rabeira: Japão (6º),
Dinamarca (11º), Portugal (22ª). O Brasil é o único latino-americano na relação
dos 30. Já fora dela, aparecem Chile (32º), Argentina (33º) e México (34º).
Em área, o Brasil é o 5º país do mundo (e não tem
desertos nem geleiras), em população é o 6º. Estar jogado na 29º posição mostra
desleixo, desperdício de talentos, falta de norte. Sei bem, a avaliação é
subjetiva, cada um pode fazer sua própria lista, com base em critérios
diferentes dos usados pelos estudiosos. Contudo, grosso modo, é aceitável a classificação, tem a favor argumentos
ponderáveis.
Empurrando para fora do quadro ufanismos
nacionalisteiros, sentimos que mereceríamos mais. Mereceríamos, condicional, se
fizéssemos por onde. Fizéssemos nossa parte. Estamos fazendo? Ninguém vai
garantir. A gente colhe o que planta.
O listão estrala como bofetada no rosto (o pior da
bofetada é o som, dizia Nelson Rodrigues). Falta criar vergonha e disparar no rumo
certo. O começo de qualquer caminhada correta é a constatação humilde, estar
fora do destino reto. Depois, propósito sério de pegar a estrada certa. Onde enxergamos
isso?
Nas ruas, o que vemos são blocos de foliões, festeiros
pelo menos resignados com a deliquescência generalizada. Daqui a pouco os
sequelados das fuzarcas estarão lotando delegacias e hospitais onde equipes
zelosas atenderão ferimentos, óbitos, bebedeiras, overdose, mães solteiras, sei
lá mais o quê.
Por que lembrar agora problemas, tão na contramão do alegre
e irrefletido clima carnavalesco que banha (ou suja) o País? Inconformidade. Quem
não percebe, nada disso ajuda a encontrar o norte, evitar o desleixo, eliminar o
desperdício de talentos humanos e recursos da natureza. Não me conformo ▬ e, estou
certo, tenho companhia ▬ em ver meu país que tem tudo para dar certo por
décadas teimando em dar errado. Sou dos muitos que anseiam por uma insurreição dos
inconformados, incoercível, pacífica e vitoriosa. Engraçado, fiquei na dúvida,
estou achando, o melhor título para o artigo seria “A insurreição dos
inconformados”. Vale mais ficar a inconformidade como tema de reflexão, à maneira
de um gostinho na boca, do que escolher entre poder e influência. Estimularia a
ação dos inconformados, a coorte dos que lançam mão do poder e da influência
para levar o Brasil à condição natural disposta pela Providência.
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