O bom pastor dá a
vida por suas ovelhas
Péricles Capanema
Tenho lido sobre a situação dos católicos na China e despertam
entusiasmo recentes atitudes do cardeal-arcebispo resignatário de Hong Kong,
dom Joseph Zen, religioso salesiano, 85 anos, saúde delicada. Cada vez mais
isolado nas cúpulas eclesiásticas, cada vez mais ligado e próximo ao católico
comum, ao fiel que frequenta igrejas e sacristias (sou um deles). Por quê? Verba movent, exempla trahunt. Peçamos a
Deus que em seus próximos passos continue a brilhar a fidelidade, coragem e lucidez.
O perfil atual de dom Joseph Zen o aproxima de um
herói anticomunista, o cardeal Mindszenty (1892-1975) que resistiu primeiro ao governo
fascista; depois se opôs ao governo comunista de Budapeste (foi preso,
torturado e condenado à prisão perpétua em 1949). Ficou na cadeia até ser
libertado pelos insurgentes de 1956, quando se refugiou na embaixada dos
Estados Unidos. Também se opôs à política de aproximação de Paulo VI com os
governos comunistas da Europa Oriental (a chamada Ostpolitk chefiada pelo cardeal Agostino Casaroli). A História já
deu razão ao antigo primaz de Eztergom, situação que, aliás, lhe foi tirada por
Paulo VI; o martirizado Cardeal era obstáculo aos acordos com Budapeste. Assim
se referiu ao cardeal Mindszenty o prof. Plinio Corrêa de Oliveira: ““O non possumus firme de Vossa Eminência,
repercutindo no mundo inteiro, vale por uma lição e por um exemplo próprios a
manter os católicos na via da fidelidade aos ensinamentos tradicionais
imprescritíveis, emanados da Cátedra de Pedro em antigos dias de luta e de
glória. E é por esta razão que, a par da admiração, tributamos a Vossa
Eminência um agradecimento profundo. […] O Reino Apostólico da Hungria recebeu
desde Santo Estêvão a missão gloriosa de ser baluarte da Igreja e da
Cristandade. Esta missão, ele a cumpre por inteiro em nossos dias, na Pessoa
augusta de Vossa Eminência”.
Ressoam as palavras de Nosso Senhor: “Eu sou o bom pastor.
O bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas. Porém o mercenário e o que não é
pastor, de quem não são próprias as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas;
e foge; e o lobo arrebata e faz desgarrar as ovelhas”, Evangelho de são João.
A parábola faz lembrar dom Joseph Zen. Pastor zeloso,
recusa-se a virar as costas para ovelhas débeis e, congruentemente, sorridente acolher
ferozes lobos. No caso, abrir as portas do redil. O cardeal chinês defende a
Igreja subterrânea ▬ ameaçada de abandono e traição por muitos dos que a deviam
proteger ▬ denunciando perigos mortais na aceitação do predomínio da Igreja
patriótica (fantoche do governo), agora favorecida em sua subserviência nas
tratativas levadas a cabo por diplomatas da Santa Sé. Sintoma horroroso da presente
situação, noticiou o New York Times de 11 de fevereiro que um dos dois bispos
católicos da Igreja subterrânea de quem a Santa Sé reclama a renúncia, dom
Vicente Guo Xijin, bispo de Mindong, aceitou se demitir e ser substituído por
um bispo da Igreja oficial, indicado pelos comunistas.
Dom Joseph Zen comentou no seu blog recentes
declarações do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé,
divulgadas por La Stampa. Começa assim: “Não há razões para temer uma igreja
cismática criada pelo Partido Comunista. Desaparecerá com o colapso do regime.
Mas será horrível uma igreja cismática com as bênçãos papais”.
O cardeal Pietro Parolin afirmou que iria curar as
feridas dos católicos perseguidos na China continental com o “bálsamo da
misericórdia”. Retrucou dom Joseph Zen: “Misericórdia para os perseguidores?
Para seus cúmplices? Premiar traidores? Castigar os fiéis? Forçar um bispo
legítimo a entregar seu lugar para um excomungado? De fato, é esfregar sal nas
feridas. Noto que há continua menção à sua compaixão pelos sofrimentos de
nossos irmãos na China. Lágrimas de crocodilo”.
“[Os católicos chineses] são vítimas da perseguição de
um poder ateu totalitário. Empregar o bálsamo da misericórdia? Não há agravos
pessoais para serem perdoados. Eles precisam ser libertados da escravidão. Esta
situação dolorosa não foi criada por nós, mas pelo regime. Os comunistas querem
escravizar a Igreja”.
Dom Joseph Zen relaciona a presente situação com o passado
recente da Igreja: “[O cardeal Paroli] adora a diplomacia da Ostpolitik de seu professor, Casaroli”.
Em matéria do “Wall Street Journal”, 14 de fevereiro,
o arcebispo resignatário de Hong Kong analisou as notícias de que a China exige
que a Santa Sé aceite os sete bispos da chamada Igreja Patriótica, bem como que
dois bispos fieis a Roma apresentem renúncia para dar lugar a dois indicados
pelo governo. Sobre tais tratativas, advertiu o cardeal-arcebispo: “Você está
colocando lobos na direção do rebanho e eles farão um massacre. Estão indicando
más pessoas para serem pastores do rebanho”.
O que querem os católicos chineses? Responde o Purpurado
em seu blog: “Verdadeira liberdade religiosa, que não prejudique, antes favoreça
o verdadeiro bem da nação”.
Também foi claro a respeito de sua posição relativa ao
Papa Francisco: “Continuo convencido que existe uma divisão entre a maneira de
pensar de Sua Santidade e a maneira de pensar de seus colaboradores que se
aproveitam do otimismo do Papa. Até que me seja provado o contrário, estou
convencido que defendi o bom nome do Papa, tirando-lhe a responsabilidade das
coisas erradas que estão sendo feitas por seus colaboradores. Se algum dia
forem assinados estes maus acordos com a China, obviamente terão o apoio do
Papa, então eu me retirarei em silêncio para uma vida monástica. Não serei
chefe de rebelião contra o Sumo Pontítice, o Vigário de Cristo na Terra”.
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