Exemplos inúteis
Péricles Capanema
Em 18 de outubro, Xi Jinping, secretário-geral do PCC
(Partido Comunista Chinês) e presidente da China pronunciou amazônico discurso
de três horas perante 2.280 delegados ao 19ºcongresso do Partido, reunido em
Pequim, peça imprescindível para entender o que teremos pela frente. Dela foi
tratar circunstanciadamente apenas de um aspecto.
Xi Jinping reafirma o rumo de fortalecimento da China
e da autoridade do PCC sobre o povo e o Estado. Na tradução oficial em inglês o
verbo strengthen (fortalecer) e
derivados aparece 117 vezes. Para o fortalecimento da economia na China, o PCC precisa
aprofundar e ampliar práticas capitalistas, vigentes desde a década de 80,
deixando de lado, com energia ainda maior, políticas socialistas sempre causadoras
de pobreza, situação dominante na China maoísta.
“Devemos desencadear e desenvolver as forças
produtivas”, indica ele o rumo determinado pelo PCC. Desencadear é tirar as
correntes, deixá-las livres. Para tal "devemos colocar a qualidade em
primeiro lugar e priorizar a competência. Continuaremos a fazer as reformas
estruturais com base no supply-side,
nossa tarefa principal, e trabalharemos duro para conseguir qualidade melhor e
aumento da eficiência. Precisamos aumentar a produtividade dos fatores de
produção”.
Quando a esquerda propôs produtividade, qualidade e comptência?
Nunca. A doutrina supply-side,
louvada pelo dirigente chinês, esteve em voga no governo Reagan e enfatizava,
entre outros pontos, a necessidade de menos impostos e menor regulamentações. Estado
menor e menos taxação, parte da Reaganomics,
em certo sentido repetida agora na China. Xi, item fundamental na política
econômica do País.
Vamos ver agora o que fará o PC chinês para aumentar a
produtividade na economia. “Vamos estimular e proteger o empreendedorismo,
encorajar a inovação e quem queira começar negócios na China.” Para começo de
conversa estimular a propriedade privada e a livre iniciativa. O texto poderia
ser assinado por Margareth Thatcher ou Ronald Reagan.
Continua: “Vamos trabalhar para ter uma força de
trabalho educada, capaz, inovadora, estimular o respeito pelos
trabalhadores-modelo, [...] e buscar a excelência”. Cá entre nós alguma central
sindical valoriza o trabalhador-modelo? No Ocidente existem partidos de direita
que temem defender a excelência como valor primordial. E o PCC a defende sem
rebuços.
Vamos adiante: “Desenvolveremos um sistema de inovação
tecnológica orientado para o mercado e no qual as empresas sejam os principais
participantes”. Para crescer, o PCC põe de lado o estatismo, xodó de
coletivistas e intervencionistas.
Mais apoio à propriedade privada: “Estimularemos uma
cultura de inovação, fortaleceremos a criação, proteção e aplicação da
propriedade intelectual.” Na China, a propriedade intelectual é fundamento do
crescimento econômico. O assunto provoca urticarias na esquerda do Ocidente.
Olhem aqui de novo o alicerce evocado pelos chineses:
“Em nossas reformas econômicas, concentraremos esforços em melhorar o sistema
dos direitos de propriedade e na garantia de que os fatores de produção sejam
alocados com base no mercado, de maneira a que o direito de propriedade seja um
verdadeiro incentivo”. Na mesma direção: “Acabaremos com regulamentos e
práticas que impedem o desenvolvimento de um mercado unificado e de competição
justa, apoiaremos o crescimento das empresas privadas e estimularemos a
vitalidades dos vários fatores que constituem o mercado”.
A orientação permanece na estrada de estímulo à livre
iniciativa, à concorrência e combate ao estatismo: “Aprofundaremos reformas no
setor dos negócios, acabaremos com os monopólios administrativos, evitaremos a
formação de monopólios no mercado, aceleraremos as reformas da precificação dos
fatores de produção com base no mercado, diminuiremos os controles no setor de
serviços e melhoraremos os mecanismos de supervisão do mercado”.
Continua o líder chinês rumo ao norte odiado pelos
intervencionistas: “Faremos com que os juros e o câmbio se tornem mais baseados
nas forças de mercado [...] Adotaremos políticas que promovam a liberalização
de alto padrão, que facilitem o comércio e o investimento. [...] Protegeremos
os direitos e os interesses legítimos dos investidores estrangeiros”.
Enuncia então decisões coerentes com o rumo estimulado
na economia, mas com nota conservadora e até aristocrática: “Ajudaremos o povo
a apreciar a alta cultura e aperfeiçoar a etiqueta social e a civilidade. [...]
Encorajaremos a excelência, o respeito pelos idosos, o amor às famílias.
Encorajaremos o cultivo de gostos finos, estilo, senso de responsabilidade;
recusa à vulgaridade e ao kitsch na criação literária e artística”. Promete a
seguir trabalhar pela manutenção da “alta cultura tradicional” da China.
Dois pontos para terminar. O primeiro, “continuar a
seguir o princípio da distribuição segundo o trabalho de cada um”. Vai chapadamente
contra a frase popularizada por Karl Marx e anarquistas: “De cada qual, segundo sua
capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. O segundo, também
contrário ao igualitarismo comunista. Tarefa fundamental, num partido de 88
milhões, ter o olho nas pessoas-chave, elas são condição da perenidade e
aperfeiçoamento do partido. Claro reconhecimento e apreço pelo papel das
elites: “Devemos ter o foco de nossa atenção nos poucos que são pessoas-chave [key few], ou seja, os filiados de
destaque do Partido”.
Para seus
objetivos, o comunismo chinês precisa de que a China na economia dê certo. E
então aplica sem disfarce fórmulas capitalistas de apoio à livre iniciativa e à
propriedade privada, hoje defendidas no Ocidente quase tão-só por partido da
chamada direita econômica. Para atrair apoio popular e aprofundar a nota
nacionalistas, propõe ainda medidas conservadoras e até com certo aroma
aristocrático. Influenciarão os partidos comunistas e assemelhados no Ocidente?
Em nada. São lições imprestáveis, continuará de pé neles a agenda de destruição.
Exemplos inúteis.
Deixo de
lado tema apaixonante, hic et nunc não
tenho espaço para ele. A autonomia em matéria econômica traz hábitos de
autonomia, situação desejável e natural aos homens. E os levam, é quase
incoercível, a buscar autonomia em outros âmbitos, mesmo no político. Como o
PCC, pilotando ditadura minuciosa e férrea, pretende descascar o abacaxi?
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