terça-feira, 21 de novembro de 2017

Exemplos inúteis

Exemplos inúteis

Péricles Capanema

Em 18 de outubro, Xi Jinping, secretário-geral do PCC (Partido Comunista Chinês) e presidente da China pronunciou amazônico discurso de três horas perante 2.280 delegados ao 19ºcongresso do Partido, reunido em Pequim, peça imprescindível para entender o que teremos pela frente. Dela foi tratar circunstanciadamente apenas de um aspecto.

Xi Jinping reafirma o rumo de fortalecimento da China e da autoridade do PCC sobre o povo e o Estado. Na tradução oficial em inglês o verbo strengthen (fortalecer) e derivados aparece 117 vezes. Para o fortalecimento da economia na China, o PCC precisa aprofundar e ampliar práticas capitalistas, vigentes desde a década de 80, deixando de lado, com energia ainda maior, políticas socialistas sempre causadoras de pobreza, situação dominante na China maoísta.

“Devemos desencadear e desenvolver as forças produtivas”, indica ele o rumo determinado pelo PCC. Desencadear é tirar as correntes, deixá-las livres. Para tal "devemos colocar a qualidade em primeiro lugar e priorizar a competência. Continuaremos a fazer as reformas estruturais com base no supply-side, nossa tarefa principal, e trabalharemos duro para conseguir qualidade melhor e aumento da eficiência. Precisamos aumentar a produtividade dos fatores de produção”.

Quando a esquerda propôs produtividade, qualidade e comptência? Nunca. A doutrina supply-side, louvada pelo dirigente chinês, esteve em voga no governo Reagan e enfatizava, entre outros pontos, a necessidade de menos impostos e menor regulamentações. Estado menor e menos taxação, parte da Reaganomics, em certo sentido repetida agora na China. Xi, item fundamental na política econômica do País.

Vamos ver agora o que fará o PC chinês para aumentar a produtividade na economia. “Vamos estimular e proteger o empreendedorismo, encorajar a inovação e quem queira começar negócios na China.” Para começo de conversa estimular a propriedade privada e a livre iniciativa. O texto poderia ser assinado por Margareth Thatcher ou Ronald Reagan.

Continua: “Vamos trabalhar para ter uma força de trabalho educada, capaz, inovadora, estimular o respeito pelos trabalhadores-modelo, [...] e buscar a excelência”. Cá entre nós alguma central sindical valoriza o trabalhador-modelo? No Ocidente existem partidos de direita que temem defender a excelência como valor primordial. E o PCC a defende sem rebuços.

Vamos adiante: “Desenvolveremos um sistema de inovação tecnológica orientado para o mercado e no qual as empresas sejam os principais participantes”. Para crescer, o PCC põe de lado o estatismo, xodó de coletivistas e intervencionistas.

Mais apoio à propriedade privada: “Estimularemos uma cultura de inovação, fortaleceremos a criação, proteção e aplicação da propriedade intelectual.” Na China, a propriedade intelectual é fundamento do crescimento econômico. O assunto provoca urticarias na esquerda do Ocidente.

Olhem aqui de novo o alicerce evocado pelos chineses: “Em nossas reformas econômicas, concentraremos esforços em melhorar o sistema dos direitos de propriedade e na garantia de que os fatores de produção sejam alocados com base no mercado, de maneira a que o direito de propriedade seja um verdadeiro incentivo”. Na mesma direção: “Acabaremos com regulamentos e práticas que impedem o desenvolvimento de um mercado unificado e de competição justa, apoiaremos o crescimento das empresas privadas e estimularemos a vitalidades dos vários fatores que constituem o mercado”.

A orientação permanece na estrada de estímulo à livre iniciativa, à concorrência e combate ao estatismo: “Aprofundaremos reformas no setor dos negócios, acabaremos com os monopólios administrativos, evitaremos a formação de monopólios no mercado, aceleraremos as reformas da precificação dos fatores de produção com base no mercado, diminuiremos os controles no setor de serviços e melhoraremos os mecanismos de supervisão do mercado”.

Continua o líder chinês rumo ao norte odiado pelos intervencionistas: “Faremos com que os juros e o câmbio se tornem mais baseados nas forças de mercado [...] Adotaremos políticas que promovam a liberalização de alto padrão, que facilitem o comércio e o investimento. [...] Protegeremos os direitos e os interesses legítimos dos investidores estrangeiros”.

Enuncia então decisões coerentes com o rumo estimulado na economia, mas com nota conservadora e até aristocrática: “Ajudaremos o povo a apreciar a alta cultura e aperfeiçoar a etiqueta social e a civilidade. [...] Encorajaremos a excelência, o respeito pelos idosos, o amor às famílias. Encorajaremos o cultivo de gostos finos, estilo, senso de responsabilidade; recusa à vulgaridade e ao kitsch na criação literária e artística”. Promete a seguir trabalhar pela manutenção da “alta cultura tradicional” da China.

Dois pontos para terminar. O primeiro, “continuar a seguir o princípio da distribuição segundo o trabalho de cada um”. Vai chapadamente contra a frase popularizada por Karl Marx e anarquistas: “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. O segundo, também contrário ao igualitarismo comunista. Tarefa fundamental, num partido de 88 milhões, ter o olho nas pessoas-chave, elas são condição da perenidade e aperfeiçoamento do partido. Claro reconhecimento e apreço pelo papel das elites: “Devemos ter o foco de nossa atenção nos poucos que são pessoas-chave [key few], ou seja, os filiados de destaque do Partido”.

Para seus objetivos, o comunismo chinês precisa de que a China na economia dê certo. E então aplica sem disfarce fórmulas capitalistas de apoio à livre iniciativa e à propriedade privada, hoje defendidas no Ocidente quase tão-só por partido da chamada direita econômica. Para atrair apoio popular e aprofundar a nota nacionalistas, propõe ainda medidas conservadoras e até com certo aroma aristocrático. Influenciarão os partidos comunistas e assemelhados no Ocidente? Em nada. São lições imprestáveis, continuará de pé neles a agenda de destruição. Exemplos inúteis.

Deixo de lado tema apaixonante, hic et nunc não tenho espaço para ele. A autonomia em matéria econômica traz hábitos de autonomia, situação desejável e natural aos homens. E os levam, é quase incoercível, a buscar autonomia em outros âmbitos, mesmo no político. Como o PCC, pilotando ditadura minuciosa e férrea, pretende descascar o abacaxi?


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