Compaixão cruel
Péricles Capanema
Este artigo poderia ter como título compaixão suicida,
pena cruel ou piedade demolidora. Ou até mesmo compaixão romântica. O
romantismo, lente deformante, via de regra traz sofrimentos atrozes aos
compadecidos, às vezes não de imediato. Em geral, mais que a ignorância, dificulta
o atendimento eficaz aos que sofrem mais que a ignorância.
Corta. No fim volto à compaixão. Examinei os números
da última pesquisa presidencial, divulgada pelo DataPoder360. Os dados mais
salientes, Lula lidera com 26%, seguido por Jair Bolsonaro, 21%. Como a margem
de erro é 3%, para baixo e para cima, Lula pode ter de 23 a 29%. E Bolsonaro de
18 a 24%. Configura empate técnico. A seguir, Geraldo Alckmin, com 10%. Se o
candidato do PSDB for João Dória, o tucano tem 13%, Lula escorrega para 23%, Bolsonaro
continua com 21%, Marina Silva aparece com 12%. A rejeição aos tucanos alcança
51%, a do PT atinge 56%. 6% dos eleitores são fieis ao PSDB, 20% fieis ao PT. 13%
dos eleitores admitem votar num petista. Ficou assim para o PT: 20% votariam
com certeza, 13% poderiam votar, 56% jamais votariam, 11% não sabem ou não
responderam. Continuidade ou mudança? 3% querem continuidade; 81% reclamam mudança.
Para os três possíveis candidatos de momento com maior índice eleitoral, 54%
não votariam de jeito nenhum em Lula, 46% nunca votariam em Bolsonaro, 45%
jamais votariam em Doria. Segundo o instituto Ipsos, a reprovação do presidente
Michel Temer subiu a 94% na segunda semana de julho. Pela mesma pesquisa, 95%
dos brasileiros acham que o País está no rumo errado.
Todas essas porcentagens, sujeitas a controvérsias,
bem verdade, mas sem dúvida indicativas, mudarão até o dia da eleição. Outros
candidatos certamente surgirão. Dos por ora presentes na mídia, alguns sairão
da disputa. Não custa lembrar, pesa sobre Lula a possibilidade da condenação em
segunda instância e, com ela, provável inabilitação. Advindo esta, certamente subiriam
as porcentagens de Marina Silva e Ciro Gomes.
Vamos à análise de aspectos relevantes evidenciados
pelas porcentagens. Primeiro deles, infelizmente o quadro deixa ver forte
componente populista para a próxima eleição. Vale dizer, demagógico, com viés
intervencionista e coletivista. Winston Churchill em 13 de maio de 1940 consolidou
liderança em discurso célebre por uma promessa: “I have nothing to offer but blood, toil, tears and
sweat” (só tenho a oferecer sangue,
fadigas, lágrimas e suor).
A frase sintetiza traço fundamental
de programas não populistas; quaisquer deles. É um apelo à razão, à disposição
para o sacrifício, à energia de caráter para enfrentar todo tipo de adversidades.
Churchill venceu a guerra, preservou a liberdade e de fato poupou enormes
sacrifícios ao povo inglês. São as políticas que dão certo.
Em nossa eleição de 2018, bem caseira
e desimportante se comparada às apostas inglesas de 1940, provavelmente veremos
muito do rumo contrário; na determinação do voto haverá enorme influência emocional.
A política não populista, a que no
longo prazo mais pouparia sacrifícios à nação, exigiria medidas favoráveis ao
aumento estável da produtividade. Entre outras, austeridade fiscal,
privatizações, dispensa de funcionários nas repartições e estatais inchadas,
responsabilidade pessoal, educação e treinamento mais amplos e exigentes, investimento
maiores na infraestrutura, o que supõe cortes em gastos de custeio,
favorecimento aos investimentos privados. Não cabe aqui tratar, vai muito além
de uma campanha presidencial, produtividade alta supõe hábitos culturais de
disciplina e gosto da perfeição, difundidos nas famílias, dos quais uma das
consequências é seriedade laboral, estudantil e governamental.
Quanto mais a nação engolir célere os
pertinentes remédios amargos, mais se preparará para, no médio e longo prazo,
ter subidas de produtividades que levarão a patamares mais altos de bem-estar
social (o avanço, prosperidade generalizada). Quanto mais patinar nas políticas
de imediata recompensa, de evitar enfrentar gargalos, mais chapinará no brejo da
paradeira e afundará no pântano do retrocesso (é o atraso, empobrecimento perenizado).
Outro enfoque, mesmo quadro de fundo.
O governo, respeitoso de seu papel suplementar em relação à sociedade, deveria
propiciar condições para que cada um desenvolva suas potencialidades. Com
proporção e harmonia, desigualdades de toda ordem beneficiam o bem comum, são
condição de felicidade. Nada indica que o estímulo às potencialidades será tema
muito presente da campanha presidencial. Talvez apareça em elogios ao
empreendedorismo e na proteção às pequenas empresas.
Existem temas que poderão decidir a
disputa, ainda pouco presentes. Aqui vão alguns deles, generalização do aborto,
liberação do consumo de drogas, fim da censura social e da repressão legal às
práticas homossexuais, “família” de vários modelos, laicização agressiva. À
vera, os temas morais de si importam mais que os meramente econômicos para o bem
comum e a felicidade das pessoas. Aparecerão decisivos na campanha? O futuro
dirá.
Volto à compaixão romântica e cruel. A
pesquisa indica 20% de votos no PT, ainda 13% poderiam sufragar candidatos
petistas. Nada novo. Ao longo dos anos, com altos e baixos, foi comum a votação
petista estar em torno dos 30%. As porcentagens parecem indicar, a crise de
corrupção e desgoverno dos governos Lula e Dilma não erodiu grave e
estavelmente a base social sobre a qual, historicamente, apoia-se o PT. Contudo,
seria preciso considerar o ambiente de crise econômica e desemprego, nutre o
voto de oposição e de protesto que, agora, é água no moinho do PT. Não vou
analisá-lo neste artigo.
Existem raízes fundas em dois ingredientes
dessa base de apoio. Parte dela é composta dos mitomaníacos da igualdade. Por
ódio à desigualdade, preferem todos pobres, miseráveis mesmo, desde que não
desiguais. Apoiam os irmãos Castro em Cuba e Nicolás Maduro na Venezuela. Apoiariam
Stalin e Mao. E votam PT no Brasil. O outro ingrediente vota PT por que julga
que o partido, ainda que lotado de ladrões e incompetentes, tem pena dos
pobres, trabalha para eles. Pessoas de bom coração sofrem com o sofrimento dos
pobres e só por isso o PT merece o voto. Não é indiferente à sorte deles. Tal compaixão,
na prática crueldade social grave, favorece a manutenção de regimes que são
flagelo para os pobres durantes décadas sem fim. Foi assim sempre, é assim hoje
em Cuba e na Venezuela. O Brasil pode sofrer ainda mais os efeitos da epidemia,
estamos atulhados de compassivos românticos, refratários aos efeitos reais de
sua piedade desalmada.
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