Voto facultativo, a
proposta enterrada
Péricles Capanema
Passei os olhos nas propostas de reforma política
divulgadas pelos jornais. Em nenhuma delas, desde as provenientes da direita
até as oriundas da extrema-esquerda, nem por distração, constatei o fim do voto
obrigatório e a instituição do facultativo. Seria normal.
Admito, podem existir muitos contra o voto
facultativo, terão seus argumentos a favor do obrigatório; as pesquisas,
contudo, registram a maioria dos brasileiros a favor do facultativo. É curioso,
os deputados, tão sensíveis à voz do povo, aqui com ouvidos moucos, surdos à
voz das ruas, impacientes em acabar com esse entulho autoritário.
Temos bons exemplos a seguir e maus exemplos a evitar.
Alguns dos países em que há voto facultativo: Estados Unidos, Japão, Alemanha,
Reino Unido, França, Itália, Espanha, Canadá. Alguns com voto obrigatório:
Bolívia, Honduras, Panamá, República Democrática do Congo, Egito, Tailândia,
Líbia.
Adiante. São despropositais e desproporcionais aa
penalidades para quem não vota, não justifica e não paga multa. E se diz que votar
é um direito! Se não votar, não justificar e não pagar multa, determina o
Código Eleitoral, o coitado do brasileiro fica proibido de: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função
pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber
vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público,
autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas,
institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo
governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês
subsequente ao da eleição; III - participar de
concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios,
do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de
economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e
caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito
mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas
entidades celebrar contratos; V - obter passaporte ou
carteira de identidade; VI - renovar matrícula em
estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação
do serviço militar ou imposto de renda.
Sei, a multa é pequena (pode subir), mas não é o ponto.
Há desproporção entre delito (no caso, o
não exercício de um direito) e pena. Ampliando, a razoabilidade e a
proporcionalidade são princípios instrumentais na interpretação da Constituição
e das leis. Pergunto: onde a razoabilidade? Onde a proporcionalidade aqui?
Desço para a situação atual. Dois de outubro próximo é
prazo final para mudanças na legislação eleitoral, se as quisermos valendo para
2018 (as normas precisam estar vigentes até essa data, um ano antes do dia do primeiro
turno). O Congresso tem menos de quatro meses para decidir, contado o recesso
de julho.
Mantida a atual legislação, voto obrigatório inclusive,
teremos eleições caríssimas para presidente da República, governadores,
senadores, deputados federais, deputados estaduais. Já virou lugar comum, a
democracia é regime dispendioso. Ninguém mais discute, os custos para manter a
república brasileira estão a anos-luz dos custos da monarquia inglesa.
Comparado aos nossos, é pechincha para o contribuinte inglês.
O financiamento público, mesmo pesando duro nos ombros
do contribuinte, atenderá a pequena porcentagem dos gastos reais. O restante
será coberto com dinheiro de outras fontes. Estão proibidas as contribuições de
empresas; as contribuições individuais sempre foram irrisórias. O que poderá
acontecer? Aumento do caixa 2 e, pior, doações de dinheiro sujo, como o
proveniente do tráfico. Os chefões cobrarão depois a contrapartida.
Lideranças políticas importantes estão soprando um
balão de ensaio: lista fechada, voto no partido. Nesse caso, baixariam enormemente
os gastos, mas estarão eleitos os primeiros lugares da lista, escolhidos em
convenções partidárias ou por indicações de cúpulas (os conhecidos dedazos). A reação a tal solução, de
notórios inconvenientes, tem sido grande e o próprio presidente Temer declarou
que a vetará, caso aprovada pelo Congresso.
Tema vastíssimo a reforma política. Só um ponto dela trato
aqui: o voto facultativo. É rejeitado por líderes políticos de alto a baixo, não
nos iludamos, por desvelar a inautenticidade de nosso sistema. Sem
obrigatoriedade, ver-se-á de saída que o soberano, o povo, a ele virou as
costas.
Um palpite, com voto facultativo, entre 20% e 30%
votarão. 70% a 80% do eleitorado não terão interesse em se manifestar. Os
votantes, interessados no pleito, precisarão de menores estímulos para ir às
cabinas eleitorais. Menos dinheiro gasto. Outra vantagem, maior possibilidade
de pessoas de valor se apresentarem às urnas. Com gastos menores, candidatos direitos,
portadores de bom programa e com cabedal de ideias conhecido, se apresentarão
em maior número. O que melhorará o nível de representação. Mais um lucro, presença
apagada dos puxadores de votos, que hoje desvirtuam a representação. Um
exemplo, o deputado Tiririca, da coligação PR-PRB-PT-PC do B–PT do B, em 2010, obteve
1.353.820 (6,35% do eleitorado do Estado mais rico e, no geral, com as melhores
instituições de ensino do Brasil). Além de Tiririca, seus votos elegeram
Otoniel Lima (PRB, 95.971 votos), Delegado Protógenes (PC do B, 94.906),
Vanderlei Siraque (PT, 93.314). Desnecessário comentar.
Daqui a poucas semanas, provavelmente após as votações
das reformas trabalhista e previdenciária, entrará na pauta a reforma política.
Temo, o voto facultativo será o grande ausente, muito de quando em vez tratado.
Para o Brasil faria bem escancarar a inautenticidade de seu sistema de
representação política. “Veritas liberabi
vos”, sempre.
Votaria quem quisesse. Quem não votasse, não sofreria
punição, teria apenas deixado de exercer um direito. Como nas mais avançadas
democracias do mundo.
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