quarta-feira, 26 de abril de 2017

Voto facultativo, a proposta enterrada

Voto facultativo, a proposta enterrada

Péricles Capanema

Passei os olhos nas propostas de reforma política divulgadas pelos jornais. Em nenhuma delas, desde as provenientes da direita até as oriundas da extrema-esquerda, nem por distração, constatei o fim do voto obrigatório e a instituição do facultativo. Seria normal.

Admito, podem existir muitos contra o voto facultativo, terão seus argumentos a favor do obrigatório; as pesquisas, contudo, registram a maioria dos brasileiros a favor do facultativo. É curioso, os deputados, tão sensíveis à voz do povo, aqui com ouvidos moucos, surdos à voz das ruas, impacientes em acabar com esse entulho autoritário.

Temos bons exemplos a seguir e maus exemplos a evitar. Alguns dos países em que há voto facultativo: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Espanha, Canadá. Alguns com voto obrigatório: Bolívia, Honduras, Panamá, República Democrática do Congo, Egito, Tailândia, Líbia.

Adiante. São despropositais e desproporcionais aa penalidades para quem não vota, não justifica e não paga multa. E se diz que votar é um direito! Se não votar, não justificar e não pagar multa, determina o Código Eleitoral, o coitado do brasileiro fica proibido de: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

Sei, a multa é pequena (pode subir), mas não é o ponto.  Há desproporção entre delito (no caso, o não exercício de um direito) e pena. Ampliando, a razoabilidade e a proporcionalidade são princípios instrumentais na interpretação da Constituição e das leis. Pergunto: onde a razoabilidade? Onde a proporcionalidade aqui?

Desço para a situação atual. Dois de outubro próximo é prazo final para mudanças na legislação eleitoral, se as quisermos valendo para 2018 (as normas precisam estar vigentes até essa data, um ano antes do dia do primeiro turno). O Congresso tem menos de quatro meses para decidir, contado o recesso de julho.

Mantida a atual legislação, voto obrigatório inclusive, teremos eleições caríssimas para presidente da República, governadores, senadores, deputados federais, deputados estaduais. Já virou lugar comum, a democracia é regime dispendioso. Ninguém mais discute, os custos para manter a república brasileira estão a anos-luz dos custos da monarquia inglesa. Comparado aos nossos, é pechincha para o contribuinte inglês.

O financiamento público, mesmo pesando duro nos ombros do contribuinte, atenderá a pequena porcentagem dos gastos reais. O restante será coberto com dinheiro de outras fontes. Estão proibidas as contribuições de empresas; as contribuições individuais sempre foram irrisórias. O que poderá acontecer? Aumento do caixa 2 e, pior, doações de dinheiro sujo, como o proveniente do tráfico. Os chefões cobrarão depois a contrapartida.

Lideranças políticas importantes estão soprando um balão de ensaio: lista fechada, voto no partido. Nesse caso, baixariam enormemente os gastos, mas estarão eleitos os primeiros lugares da lista, escolhidos em convenções partidárias ou por indicações de cúpulas (os conhecidos dedazos). A reação a tal solução, de notórios inconvenientes, tem sido grande e o próprio presidente Temer declarou que a vetará, caso aprovada pelo Congresso.

Tema vastíssimo a reforma política. Só um ponto dela trato aqui: o voto facultativo. É rejeitado por líderes políticos de alto a baixo, não nos iludamos, por desvelar a inautenticidade de nosso sistema. Sem obrigatoriedade, ver-se-á de saída que o soberano, o povo, a ele virou as costas.

Um palpite, com voto facultativo, entre 20% e 30% votarão. 70% a 80% do eleitorado não terão interesse em se manifestar. Os votantes, interessados no pleito, precisarão de menores estímulos para ir às cabinas eleitorais. Menos dinheiro gasto. Outra vantagem, maior possibilidade de pessoas de valor se apresentarem às urnas. Com gastos menores, candidatos direitos, portadores de bom programa e com cabedal de ideias conhecido, se apresentarão em maior número. O que melhorará o nível de representação. Mais um lucro, presença apagada dos puxadores de votos, que hoje desvirtuam a representação. Um exemplo, o deputado Tiririca, da coligação PR-PRB-PT-PC do B–PT do B, em 2010, obteve 1.353.820 (6,35% do eleitorado do Estado mais rico e, no geral, com as melhores instituições de ensino do Brasil). Além de Tiririca, seus votos elegeram Otoniel Lima (PRB, 95.971 votos), Delegado Protógenes (PC do B, 94.906), Vanderlei Siraque (PT, 93.314). Desnecessário comentar.

Daqui a poucas semanas, provavelmente após as votações das reformas trabalhista e previdenciária, entrará na pauta a reforma política. Temo, o voto facultativo será o grande ausente, muito de quando em vez tratado. Para o Brasil faria bem escancarar a inautenticidade de seu sistema de representação política. “Veritas liberabi vos”, sempre.


Votaria quem quisesse. Quem não votasse, não sofreria punição, teria apenas deixado de exercer um direito. Como nas mais avançadas democracias do mundo.

Nenhum comentário: