Péricles Capanema
Está passando apuros sérios
amigo meu de muitos anos, filha novinha matriculada em tradicional colégio
religioso. Junto com outros pais de família, também com filhos ali estudando, luta
para garantir futuro de realizações e felicidade para os alunos. Terá sucesso? Tomara.
A direção do estabelecimento, com apoio de professores, ignoro em que proporção,
procura impor no currículo e no comportamento pedagógico a ideologia do gênero.
O risco, para quem o conhece bem, alarma.
O problema é mundial,
inexistindo oposições empestará colégios e universidades brasileiras. E depois
a sociedade inteira. Já durante o governo Dilma angustiou os pais e opinião
pública em geral. O PT e de forma particular o ministério da Educação tentaram por
todas as formas impor seu ensino no Brasil. Em 2014 o Congresso Nacional
rejeitou a teoria (ou ideologia) do gênero. Assembleias e câmaras de vereadores
votaram planos estaduais e municipais de educação, dos quais muitos continham a
obrigação de ensinar a ideologia do gênero. Em geral na ocasião venceu o bom
senso, estribado no horror dos pais e nas reações da sociedade civil.
Recordando, tal
ideologia, agredindo a natureza, afirma que o masculino e feminino são
construções sociais; se quisermos, construções culturais. Independem do sexo
biológico. A pessoa nasce “neutra”. Pode nascer fêmea, escolher ser mulher ou
escolher ser homem e, ao longo da vida, modificar sua escolha. Ou nascer macho,
escolher ser homem ou mulher, e também modificar a escolha inicial. Ou ainda
escolher outras possibilidades, sei lá quais seriam. Gênero e sexualidade são,
para cada um, realidades mutáveis. Shulamith Firestone, das mais conhecidas
autoras da ideologia, afirma: “O gênero é uma construção cultural. Homem e
masculino poderiam significar tanto um corpo feminino como um masculino; mulher
e feminino tanto um corpo masculino como um feminino”. Vai adiante: “A meta
definitiva da revolução feminista” é “acabar com a própria diferença de sexos”.
Recordo realidades
conhecidas. O objetivo da educação deve ser o pleno desenvolvimento das
potencialidades que dormem na criança, sondando e respeitando suas inclinações
e talentos naturais. É trabalho respeitoso, delicado, sistematizado e disciplinante,
como o do jardineiro que aduba, rega e poda para que a planta, os frutos e as
flores cheguem a seu esplendor. O jardineiro, contudo, não agride a natureza; pelo
contrário, ajuda-a, quanto mais conhecer e estimula sua índole, mais êxitos
terá. O educador é um jardineiro.
A doutrina dos
gêneros, com base em delírios igualitários, imagina de forma mitomaníaca um
homem que não existe. E busca totalitariamente moldar o menino e a menina a
seus delírios. Nesse trabalho, reprime a liberdade natural da criança de agir
segundo seus instintos naturais. Oprime o direito da menina e do menino de
atingir de forma enérgica e harmônica os limites das boas inclinações da
natureza que lhes é própria. Brincar de boneca? De casinha? Nada disso. Fruto venenoso
de imposições culturais. O novo é exigir delas jogar um futebol duro com os
meninos. Resultado, forma cidadãos desajustados, despreparados para a vida,
incapazes de realizar adequadamente seus necessários papeis sociais, calcados
na complementaridade dos sexos. Na experimentação delirante, sem esteio em
nenhum estudo pedagógico sério, tal doutrina agrava exclusões, inibindo
potencialidades que favorecem o convívio e a harmonia social.
Essa mania, enraizada
em alucinações ideológicas, de moldar o homem e a sociedade foi ideia obsessiva
do nazismo e do comunismo nas primeiras décadas do século 20. Era o homem novo,
ideal das utopias totalitárias do século passado. E para isso oprimiam
impiedosamente indivíduos, famílias, grupos sociais. Estamos diante de
tentativa obstinada de formar outra vez o homem novo, agora com base na utopia
da ideologia do gênero. Com roupagens atraentes para incautos, assim como foram
em sua época as vestimentas do nazismo e do comunismo, grassa entre nós uma das
mais totalitárias, invasivas, intervencionistas e fanatizadas ideologias que a
humanidade conheceu.
Falei acima, a
imposição se dá pela diretoria de colégio religioso. Acrescento: católico, de
antiga ordem religiosa. Seus promotores, subservientes a esse neototalitarismo
moderno, esbofeteiam descarada e despreocupadamente o mais recente magistério
pontifício. Respigo abaixo, entre inúmeras, advertências de Bento XVI e do Papa
Francisco contra a ideologia do gênero.
Denunciou Bento XVI em discurso de 21 de dezembro
de 2012 à Cúria Romana: [O Papa começa expondo a importância da família] Na questão da família, não
está em jogo meramente uma determinada forma social, mas o próprio homem:
está em questão o que é o homem e o que é
preciso fazer para ser justamente homem. [...] Se antes
tínhamos visto como causa da crise da família um mal-entendido acerca da essência da
liberdade humana, agora torna-se claro que aqui está em jogo a visão do próprio
ser, do que significa realmente ser homem. [...] Hoje, sob o
vocábulo ‘gender
– gênero’, é apresentado como nova filosofia da sexualidade.
De acordo com tal filosofia, o sexo já não é um dado originário da natureza que o
homem deve aceitar e preencher pessoalmente de significado, mas uma função
social que cada qual decide autonomamente, enquanto até agora
era a sociedade quem a decidia. Salta aos olhos a profunda falsidade desta
teoria e da revolução antropológica que lhe está subjacente. O homem contesta o fato de
possuir uma natureza pré-constituída pela sua corporeidade, que
caracteriza o ser humano. Nega a sua própria natureza, decidindo que esta não lhe é
dada como um fato pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria. De acordo
com a narração bíblica da criação, pertence à essência da criatura humana ter
sido criada por Deus como homem ou como mulher. Esta dualidade é essencial para
o ser humano, como Deus o fez. É precisamente esta dualidade como ponto de partida
que é contestada. Deixou de ser válido aquilo que se lê na
narração da criação: ‘Ele os criou homem e mulher’ (Gn 1, 27). Isto deixou de ser válido,
para valer que não foi Ele que os criou homem e mulher; mas teria sido a
sociedade a determiná-lo até agora, ao passo que agora somos
nós mesmos a decidir sobre isto. Homem e mulher como realidade da criação, como
natureza da pessoa humana, já não existem. O homem contesta a sua própria natureza;
agora, é só espírito e vontade. A manipulação da natureza, que hoje deploramos
relativamente ao meio ambiente, torna-se aqui a escolha básica do homem a
respeito de si mesmo. Agora existe apenas o homem em abstrato,
que em seguida escolhe para si, autonomamente, qualquer coisa como sua
natureza. Homem e mulher são contestados como exigência, ditada pela criação,
de haver formas da pessoa humana que se completam mutuamente. Se, porém, não há
a dualidade de homem e mulher como um dado da criação, então deixa de existir também a
família como realidade pré-estabelecida pela criação. Mas, em
tal caso, também
a prole perdeu o lugar que até agora lhe competia, e a
dignidade particular que lhe é própria. [...] Chega-se necessariamente a negar o próprio
Criador; e, consequentemente, o próprio homem como criatura de
Deus, como imagem de Deus, é degradado na essência do seu ser. Na luta pela família,
está em jogo o próprio homem. E torna-se evidente que, onde Deus é negado, dissolve-se também a dignidade
do homem. Quem defende Deus, defende o homem”.
O Papa Francisco segue nas
pegadas do antecessor. Advertiu em discurso aos bispos poloneses em 27 de julho
de 2016: “E aqui gostaria de concluir com um aspeto concreto, porque por detrás
dele estão as ideologias. Na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina, na
África, nalguns países da Ásia, existem verdadeiras colonizações ideológicas. E
uma delas – digo-a claramente por ‘nome e apelido’ - é o gender! Hoje às
crianças – às crianças! –, na escola, ensina-se isto: o sexo, cada um pode
escolhê-lo. E por que ensinam isto? Porque os livros são os das pessoas e
instituições que te dão dinheiro. São as colonizações ideológicas, apoiadas
mesmo por países muito influentes. E isto é terrível. Em conversa com o Papa
Bento – que está bem e tem um pensamento claro – dizia-me ele: ‘Santidade, esta
é a época do pecado contra Deus Criador’. É inteligente! Deus criou o homem e a
mulher; Deus criou o mundo assim, assim e assim; e nós estamos a fazer o
contrário. [...] Devemos pensar naquilo que disse o Papa Bento: ‘É a época do
pecado contra Deus Criador’”!
A direção do colégio
católico, com desprezo, jogou na lata de lixo as advertências do Vigário de
Cristo atual e de seu antecessor. E trota atrás
de um neototalitarismo. Penso voltar ao assunto.
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