Culpa e dolo
Péricles Capanema
O Estadão de 2 de julho próximo passado publicou
reportagem reveladora de Mônica Scaramuzzo e Renée Pereira. Informa, o grupo
chinês State Grid comprou a
participação da Camargo Corrêa na CPFL Energia, 23% do total, negócio avaliado
em aproximadamente R$ 6 bilhões. Com a aquisição, a State Grid fará parte do bloco do controle, que tem ainda como
acionistas os fundos de pensão Previ (Banco do Brasil) e outros fundos reunidos
na Bonaire – Petros, Fundação Cesp, Sistel e Sabesprev.
Segundo a reportagem, a State Grid tem enorme interesse em abocanhar fatias do mercado de
energia. Continua informando, as compras da empresa chinesa no setor elétrico brasileiro
começaram em 2010, quando o grupo ficou com sete companhias de transmissão de
energia de uma subsidiária da estatal Cemig por quase US$ 1 bilhão. A corporação
chinesa já detém 5.875 quilômetros de linhas de transmissão no País. Além da
CPFL, a State Grid também quer a
participação da Light na Renova Energia, das maiores empresas de geração eólica
no País. Tem mais: segundo fontes do mercado, a companhia asiática pode tentar o
controle da Santo Antônio Energia, concessionária que administra a Hidrelétrica
Santo Antônio no rio Madeira, em Rondônia. Quando operar em pleno, a
hidrelétrica, aproximadamente 4% do total gerado no Brasil, será responsável
por 40% da energia fornecida a Rondônia e Acre. Por fim, a State Grid também confirmou interesse pelos ativos da espanhola
Abengoa, no Brasil
Faltou dizer, a State
Grid Corporation of China, nome completo, é uma gigantesca estatal chinesa,
faturamento de US$ 350 bilhões em 2014, ativos próximos a US$ 360 bilhões e por
volta de 1,6 milhão de empregados em 2011. Esclarece o About us no site da corporação (de fato, grupo de empresas) “foi
fundada como empresa pertencente ao Estado em 29 de dezembro de 2002”. Em reto,
esse colosso empresarial é dirigido pelo governo de Pequim, mais propriamente
pelo Partido Comunista. Representa um tentáculo dos vários do poder comunista
chinês, presentes na economia brasileira.
A respeito domina silêncio assoberbante, às vezes parece
apatetado. Em um setor, PT e movimentos afins, existe motivo ideológico para a
boca fechada. Boa parte dos que aqui se aninham consideram velheiras noções
como pátria e soberania. A avalanche chinesa favorece seus intentos
revolucionários.
Paira silêncio também nos órgãos oficiais. Salta
aos olhos uma provável alegação para escapar do assunto: o temor da retaliação
chinesa. Tomasse o Poder Público medidas efetivas contra a crescente presença
das gigantescas estatais chinesas na economia brasileira (e o que vemos, tudo
indica, é apenas o começo) o troco viria pela diminuição drástica da importação
pelos chineses de nossas commodities,
em especial ferro e soja. Não custa lembrar, em 2015 a China comprou do Brasil
cerca de U$35 bilhões, sobretudo produtos primários; foi e continua sendo nosso
principal parceiro comercial. Essa enorme dependência impede liberdade de
movimentos, manieta o Brasil. Aqui a descida para a
servidão conta com a colaboração de legiões de eufóricos inocentes úteis e
companheiros de viagem que, por vantagens momentâneas, somam-se algum tanto
inconscientemente aos que empurram o Brasil para o abismo por razões
doutrinárias.
Estranho, estão calados os analistas de economia e
política; nada me chegou aos ouvidos. Tanto mais que o problema não é
exclusivamente brasileiro, o crescimento das trocas comerciais e a invasão
chinesa na economia acontecem também na Argentina, Colômbia, Peru, enfim na América
Latina inteira que irá sendo arrastada para fora da área de influência
norte-americana. Por isso desperta simpatias a atual diretriz do governo Temer
de estreitar laços econômicos com a Europa e os Estados Unidos, o que diminui a
dependência em relação à China, em consequência tonificando nossa ameaçada soberania.
Terá êxito? Sabe Deus.
Na legislação penal brasileira a pena
decorre, por ação ou omissão, do dolo ou da culpa. Muito resumidamente, no
dolo, o autor tem a consciência do delito e a vontade de praticá-lo. Quando
existe só a culpa, o autor tem conduta (ou omissão) igualmente punível, em
geral pena mais branda, mas os motivos são a negligência, imperícia ou
imprudência. Negligência é ação por descuido, indiferença, desatenção. Imprudência,
o agir precipitado e sem cautela. Imperícia existe quando há ignorância, insuficiência
de conhecimento e de prática.
A História tem seus tribunais. No futuro, neles muitos
poderão ser condenados por conscientemente estimularem o avanço das estatais
chinesas sobre o Brasil. Dolo. Outros, por descuido, indiferença, desatenção, omissões
covardes, procedimentos sem cautela, apatia em buscar conhecimentos necessários
também sofrerão o juízo severo da História. Culpa.
É enorme o risco, a perda gradual da soberania, acompanhada
da imersão vergonhosa na condição de protetorado. Deixaríamos planalto bafejado
pela civilização ocidental de raízes cristãs e entraríamos em pântano de totalitarismo, coletivismo e ateísmo. Não só sobre o Brasil esvoaça o perigo,
toda a América Latina padece o mesmo processo.
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