A caça ao odiento polarizador nos Estados
Unidos
Péricles Capanema
Vai mar alto o ataque tendencioso à
polarização nos Estados Unidos. Não só lá, aliás. Polarização virou palavra-talismã,
carregada de radiação; ardilosamente utilizada, bomba atômica para eliminar o
adversário, chicoteado como odiento polarizador. Meu foco, as tensões
autênticas, vivas rejeições à decadência, tantas vezes no noticiário qualificadas
com isenção aparente de polarizadoras. Posições assim, bem administradas, inibem
a fragmentação, estimulam restaurações e atiçam os Estados Unidos no rumo direito.
Friso o perigo: tem um montão de investidas contra a polarização, cujo resultado
é abrir o estradão para políticas girondinas debilitadoras da reatividade; mais
ainda, favorecem a disseminação da mentalidade girondina. A análise de A a Z do
fenômeno é meio eficaz, à mão, para arrancar a espoleta da bomba e preservar a
sanidade da opinião pública. Desço a boa parte dos fatores geradores de tensão.
Vou empilhá-los. Arrastando para um polo estão os liberals e assemelhados, aqui se junta o rebanho de mentalidade
libertária e esquerdista. Via geral é chegado no inchamento do Estado, tem xodó
por medidas protecionistas, simpatiza com o cerceamento da concorrência, a
taxação alta e niveladora, embirra com a livre iniciativa, o big business e o corporate world; em sentido contrário, gosta das leis atravancadoras
promulgadas para confessadamente proteger o meio ambiente; na linha, zabumba fracassos
do mercado e os quer compensados pelo agigantamento estatal na economia. Em
outra faixa, costuma apoiar a liberalização do aborto e as práticas
homossexuais, e igual, afinado, as políticas de gênero. A mais, de viés ateu, trabalha
obstinado pela expansão do secularismo. Um fio liga tais posições: empurram
para baixo e fragmentam os Estados Unidos. Puxando para o polo contrário, está
o blocão conservador. Defende a vida humana desde a concepção, põe lá em cima a
família, as posições for mom and apple
pie, segue a work ethics, tem
olho feio no bedelho do Estado na vida deles; na economia, gosta da
desregulamentação e privatização. Ainda tem coisa: espia com simpatia o mundo
das empresas, fica chateado com impostos além da conta, é a favor de orçamento
militar robusto e disciplina fiscal; costuma apoiar a atuação dos Estados
Unidos no mundo. De resto, distante do ateísmo, vê necessário o recurso a Deus e
sua presença na vida pública e privada. Numa só frase, quer de todo jeito os
Estados Unidos nação de ponta.
Vou mais fundo: a matéria mais
delicada nem é a polarização, é a cristalização (ou a falta dela); vem antes. A
cristalização, fenômeno de montante, conforma a polarização, fenômeno de
jusante. O que é cristalização aqui? Cristalizar é (re)agir escorado em
princípios e não só por hábito; em particular, no caso, mergulhar as raízes dos
bons costumes até as embeber em princípios. Aí, no hábito se enxerta a
convicção doutrinária, o que o enrijece. Com isso, a resistência do hábito ao
ambiente dissolvente, já saudável, deixa o estado gelatinoso; cristaliza. Realço,
cristalizar é construção gigante, começa lá na modelagem infantil, vara a vida
toda; no exato, tem ponto de partida antes do nascimento, com a formação dos
pais e professores. No inverso, aspecto esquecido e tantas vezes determinante
da vida de pessoas e povos: depois de períodos de tensões fortes, sucede às
vezes a calmaria com despreocupação generalizada; e daí a desmobilização dos
espíritos. Nesse clima se dá com frequência a interrupção do processo de
cristalização e pencas de hábitos bons se esvaem gradualmente; é desmoronamento
paulatino, quase indolor, o mais das vezes.
Fenômenos de desmoronamento em parte
decorrência da polarização manipulada já aconteceram, sua recordação serve de
alerta pedagógico. Entre outros, ao longo dos séculos 19 e 20 atrapalhação sem
fim carunchou a Espanha e teve efeitos arrasadores. Ali, o ataque
preconceituoso à polarização, mais que nos Estados Unidos, foi arma de
descrédito nacional e de demolição contra faixas conservadoras e até
tradicionalistas. Por largos períodos a nação respirou um clima político
corrosivo, fato tendenciosamente atribuído ao choque destruidor de las dos Españas. As guerras carlistas, três
num século, 1833-1840, 1846-1849, 1872-1876 dessangraram a nação; parte enorme
do sangue melhor foi sugado pela terra. Estourou a revolução republicana de
1868 e veio o deus nos acuda do sexênio revolucionário, 1868-1874. E então os
desgastantes choques na época da dinastia de Saboia, 1870-1873, um emplastro
que não curava nada. A 1ª República, 1873-1874, piorou a paralisação no governo
e se alastrou que nem tiririca a impressão de que a urucubaca espanhola ia
acabar nunca. Já em meados do século 19, a Espanha atordoada cambaleava exausta,
triste España, unilateralmente estigmatizada
de “nação moribunda” por corifeus da política e do jornalismo. Mais tarde, a
república anticlerical de 1931 e a guerra intestina de 1936-1939 com
sofrimentos e sequelas pavorosas. Veio a ânsia de nunca mais repetir o horror. E,
bola de neve engrossando, setores nacionais importantes acharam que o país daquele
jeito era inviável. Ou rejeitava princípios e condutas apontados em estridentes
acusatórios facciosos como polarizadores, causa do entalo, ou ia remanescer
sempre las dos Españas em
autodestruição sem fim. Em parte pelos prolongados efeitos deletérios desse
clima envenenado, a acomodação à modernidade revolucionária lá desemboca agora em
maçaroca morna de relativismo, agnosticismo e costumes libertários. Ali boiam
nacos do que outrora foi realidade generalizada, em que borbulhava religiosidade
intensa, quase toda evaporada. Em perspectiva histórica mais esticada, o que
restou do império de Carlos V em que o sol não se punha? Coisa parecida penou a
Áustria, atacada como anacrônica e atravancante do progresso; antes cabeça,
depois rabo. Após a 1ª Guerra Mundial virou republicano-socialista e miúda de
importância. Todas as três, Estados Unidos, Espanha, e Áustria, potências
conservadoras. Por processos de fundo parecido, os Estados Unidos, os anos
voando, se não abrirem o olho, podem terminar nação esfarinhada; à vera, caudatária.
Um jeito de evitar desastres é começar
por examinar na lupa as chefias do blocão conservador. Muita cristalização
errada (origem de polarizações perigosas) vem de pregações furadas de
mandachuvas contrafativos. São que nem gangrena, apodrecem a reatividade sadia,
às vezes a desmoralizam; no avesso, dirigentes com ideias direitas energizam a
reatividade no rumo certo. Fora os sintomas manjados positivos, feito líderes motivadores
e de resultados, temos testes bons para julgar a sanidade de tais equipes
dirigentes. Preliminar, olho no programa. Indícios de programa bom, encarece a
pessoa, estimula seu desenvolvimento, de preferência às estruturas, acento na
proteção à família; ampla difusão da propriedade. No mais, afinado com o
princípio de subsidiariedade, fomento aos grupos sociais intermediários. E
assim tem o Estado como ferramenta da sociedade. Coerente, espera mais da ação
na sociedade que no Estado; este, contudo, valorizado com equilíbrio em sua
indispensável e benéfica função supletiva de reparar, preparar e dinamizar. Sob
o guarda-chuva do Estado parceiro, planos de assistência estatal para todos os
desvalidos em qualquer proporção e condição, sim, os mais amplos possíveis,
aqui de modo particular generosos e judiciosos programas de transferência de
renda; entanto, que tais iniciativas, sem viés estatizante, alentem a autonomia
pessoal, coarctando a dependência e o conformismo. Quanto à questão ambiental,
sob a égide da qualidade de vida e do incentivo à economia, proteção efetiva à
natureza. Tantos outros objetivos a examinar com os mesmos critérios,
resumidos, sob um prisma, em sensibilidade social e estímulo à garra
empresarial. Lideranças deste naipe açulam a reatividade boa.
Contrafativo vem de contrafação,
parecendo, não é; não parecendo, é; casca brilhosa, miolo bichado. Significa
impostura, caricatura, fraude. Caciques assim favorecem a cristalização das
posições de seus adeptos em alicerces esburacados. São cúpulas deterioradas, pipocam
daqui e dacolá. Também existem testes para constatar chefias bichadas. Tiro os
critérios batidos, feito falta de norte e pregação desanimadora. Se o líder der
positivo nesse outro tipo de teste, dos quais falo agora, luz vermelha. No que
difunde, acento, claro, nos programas, mas até por gestos e atitudes, o dirigente
contrafativo soca a estrutura antes da pessoa; e então, o Estado antes do
indivíduo e da sociedade (Mussolini assim sintetizou a posição: Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato,
nulla contro lo Stato). Congruente, faz pouco-caso das sociedades intermediárias,
modo especial, a família. Subestima questões doutrinárias e morais. Sua ação, tantas vezes
pontuada de omissões escandalosas e reações com frequência desproporcionais, com
o tempo, amolece a reatividade e em geral acaba por desmoralizá-la. Napoleão, o
referido Mussolini e comandantes parelhos foram dirigentes contrafativos;
macaqueação do que um bocado de ingênuos via neles e, então, trotava atrás. Porta
arrombada, tranca de ferro.
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