Artigos sobre o marco temporal
O marco temporal e o futuro do Brasil ou De ore tuo
te judico (1)
Péricles Capanema
Julgo-te pela tua boca.
Pelo que tu livremente disseste (assim como um sem-número de propagandistas, em
especial enquistados na academia e nos meios de divulgação, aderentes a
orientações de igual rumo), relator ministro Edson Fachin. O relatório expressa
com contundência, autoridade e clareza o pensamento de corrente demolidora, cada
vez mais influente no Brasil, de que infelizmente o destacado magistrado se
revelou um dos corifeus. Reitero. Houve algo que diminuísse o valor probatório das
palavras enunciadas? Não, o ato foi livre, refletido, público, prestigiado. Lembro
aforisma corrente no processo penal, das provas a rainha é a confissão. Vem do Direito
Romano, repercute no conhecido adágio espanhol: “a confesión de parte, relevo de
prueba”.
A compaixão cristã postula a defesa do marco
temporal, hoje estaca da segurança jurídica. Tratarei em alguns
artigos, este é o primeiro, do Recurso Extraordinário 1.017.365, que traz à baila
a grave questão do marco temporal nas demarcações de terras indígenas. O futuro
do agronegócio no Brasil depende da solução que a ela der o Supremo, lembrou com
fundamento o Presidente [então, Bolsonaro]. Melhorando, ecoou opiniões disseminadas
na agropecuária e em setores da indústria e do comércio. Se for decidida na conformidade
com o que exige a esquerda extremada (CIMI, entre outros organismos), teremos,
por anos a fio, o risco macabro, e ainda hoje evitável, de queda na produção, consequente
carestia de produtos agrícolas, desestímulo para investimentos, daí decorrendo
inevitável generalização da pobreza. Nada poderia ser mais cruel para o povo em
geral, para os indígenas em particular. A compaixão cristã reclama luta urgente
em defesa da prosperidade e assim a rejeição do RE 1.017.365. De passagem,
noto, tal corrente, acima mencionada, é majoritária? Certamente, não, mas leva
atrás de si multidões que desejam a derrota do marco temporal no Supremo,
enganosa e superficialmente, por julgarem-na postura progressista favorável aos
índios, defensora do meio ambiente, coisa de gente de bom coração. Em suma, inocentes
uteis de posição, na realidade, desumana com os indígenas e destruidora do
futuro pátrio.
O voto do relator ministro Edson Fachin.
Mais especificamente, vou tratar do voto do relator, ministro Edson Fachin, que
guerreou a tese do marco temporal, abrindo caminho para a demolição da segurança
jurídica (já tão combalida) em especial no campo brasileiro. Evidenciando no
Supremo pressaga correlação de forças, constituirá disparo prenunciativo do que
nos pode reservar o futuro. O longo voto do ministro Fachin, 109 páginas, está na
íntegra em vários sites da rede; é de consulta rápida e fácil. Meu trabalho se limitará
a respigar partes dele, acrescentar aqui e ali pequenos comentários. Qualquer um
poderá conferir na rede a autenticidade da citação e, com isso, a pertinência do
comentário. Dessa forma, não atravancarei a leitura com referências.
Frankenstein apavorante.
Em resumo, o que temos ali? Dói-me dizê-lo e faço as vênias devidas ao douto ministro
da Suprema Corte, mas no caso (o voto) padecemos texto demagógico, distante a
léguas da isenção que se deve esperar de um magistrado, eivado de incoerências e
contradições, a mais de escasso valor jurídico. De forma congruente, em seus efeitos,
favorecedor do totalitarismo, do retrocesso, da intolerância e da exclusão. O curso
incoercível da lógica leva ainda a afirmar, os indígenas são cruelmente tratados
como cobaias de experimentações, cujo efeito prático, se triunfar o utopismo, será
petrificar suas comunidades no atraso e na miséria.
Recusa da noção de pessoa humana. O
ministro Fachin ao hostilizar o marco temporal assume e divulga (nenhuma reserva
expressa no texto) a doutrina exposta por Ailton Krenak: “Fomos, durante muito tempo,
embalados com a história de que somos humanidade. Enquanto isso, fomos nos alienando
desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa
e nós, outra. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é
natureza”. Existe então uma historinha para embalar (outra palavra para enganar,
iludir crianças na hora de dormir): somos humanidade. Adultos, saberemos a verdade.
Não somos, de fato, humanidade, pois não somos pessoa humana ▬ convicção demolidora
central em suas posições. Tudo é natureza; somos, à vera, mera parte de um organismo,
a natureza. O único real é o organismo natureza. Aqui está na doutrina o maior fundamento
para a posse indígena, os indígenas se considerariam parte de um organismo. Precisam
da terra para manter essa simbiose, suas concepções e modo de vida. São terra, enfim.
Comenta o ministro Fachin: “A terra para os indígenas (...) relação de identidade,
espiritualidade e de existência”. Indígenas e terra, idênticos.
Demolição de séculos de civilização ascensional. Em
sentido contrário, toda a civilização ocidental se desenvolveu tendo como base o
conceito de pessoa humana, a seguir enunciado “individua substantia rationalis naturae”,
na clássica definição de Boécio. A pessoa é substância individual de natureza racional.
Substância individual racional, daí ter direitos individuais, entre os quais os
direitos da personalidade. Toda a ação humana busca a felicidade; de outro modo,
o aperfeiçoamento da pessoa ▬ tem direito a desenvolver rumo à plenitude a própria
personalidade. Família, grupos intermediários e até o próprio Estado existem, fundamentalmente,
para o aperfeiçoamento da pessoa humana. Negada a nota de indivíduo da pessoa, desmorona
todo o edifício jurídico ▬ e filosófico ▬ sobre o qual se construiu a civilização
ocidental. Se não existir o homem, ser racional individual (precipitado à condição
de mera parte do todo, a natureza) fica absurdo falar em direitos individuais, direitos
de comunidades. Congruentemente se torna absurda a frase bíblica: “Façamos o
homem à nossa imagem e semelhança, e presida aos peixes do mar, e às aves do
céu, e aos animais selváticos, e a toda a terra” (Gen., 1, 26). Triunfa a
obstrução a todo avanço civilizatório.
Outro fundamento do direito indígena: o imaginário.
O texto abaixo, reproduzido pelo relator, já consta do processo anterior, a Pet
nº 3.388, água que o ministro Fachin trouxe para seu moinho, pois, entende, fá-lo-á
moer mais rápido e com maior força o marco temporal: “Terra indígena, no imaginário
coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de
verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e
toda posteridade de uma etnia”. Imaginário é fantasia. Está escrito aqui, na fantasia
indígena a terra é um ser (só falta dizer vivo) que junta em si ancestralidade,
coetaneidade e futuro. Estamos próximos da definição de um deus; concepção panteísta
da Terra, sem dúvida. O indígena faria parte desse ser que tudo abarca. Desaparece,
de novo, a noção sobre a qual se construiu o direito e da qual nasceu a civilização
ocidental e cristã: “individua substantia rationalis naturae”.
Plenitude para os povos originários. O
indígena, nosso irmão, tem direitos individuais, como qualquer ser humano; mais
especificamente, tem o direito ao desenvolvimento inteiro de suas potencialidades.
A ele precisam ser proporcionadas condições para tal. Voltarei ao tema.
[Postado originariamente em 14 de setembro de 2021 ▬ modificado]
O marco temporal e o futuro do Brasil ou De ore tuo
te judico (2)
Péricles Capanema
Continuo na exposição e análise do voto do ministro
Edson Fachin no RE 1.017.365. Resumindo o que afirmei no primeiro artigo, apenas
respigo trechos do voto ajuntando pequenos comentários.
Servos da gleba. Os indígenas brasileiros,
por determinação constitucional, foram reduzidos à condição de servos da gleba.
Condição petrificada, não lhes é aberta a possibilidade do domínio. O servo da gleba
medieval não tinha a propriedade da terra (domínio). Trabalhava nela e em troca
recebia alimentos, proteção, segurança, estabilidade. Em repetidas ocasiões em todo
o voto, ecoando opinião comum, afirma-se, é reconhecida aos indígenas a posse permanente
da terra. O ato administrativo estatal tem caráter declaratório, jamais constitutivo.
O ministro Fachin transcreve voto antigo do ministro Celso de Mello que trata da
questão, externando, aliás, opinião pacificada na Corte: “As terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios incluem-se no domínio constitucional da União Federal. As
áreas por elas abrangidas são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição
aquisitiva. A Carta Política, com a outorga dominial atribuída à União, criou, para
esta, uma propriedade vinculada ou reservada, que se destina a garantir aos índios
o exercício dos direitos que lhes foram reconhecidos constitucionalmente (CF, art.
231, §§ 2º, 3º e 7º), visando, desse modo, a proporcionar às comunidades indígenas
bem-estar e condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições”. Continua o relator: “Portanto, muito embora a homologação
do procedimento tenha como finalidade a exteriorização da posse indígena, com o
consequente registro da área na Secretaria de Patrimônio da União, repita-se que
o procedimento demarcatório não constitui terra indígena em nenhuma de suas fases,
mas apenas reconhece a existência da posse tradicional preexistente”. De outro
modo, preto no branco, é uma grande balela afirmar que existe terra indígena. O
que existe, no caso, é posse garantida por legislação federal.
Possibilitar a reprodução cultural, segundo usos, costumes
e tradições. A outorga dominial (de fato, esbulho, como se verá)
que a União fez, reservando-se a propriedade, e concedendo a posse, tem como base
os direitos originários ▬ sobre eles, discorro abaixo. Direitos originários,
repita-se, em termos. A União reservou o domínio para si. Para justificar o fato
brutal, já muitas vezes repetido, alegam-se proteção do bem-estar, garantia da reprodução
cultural segundo os usos. Prevê a lei, tal situação nunca será modificada; os indígenas
permanecerão sempre na condição de servos da gleba. Foi sempre assim? Não.
Direitos originários.
O reconhecimento e a declaração da posse indígena se dão com base nos direitos originários
dos índios sobre a terra, manifestado via de regra pela ocupação tradicional. O
direito originário, anterior à Lei Magna e, de fato, anterior à constituição do
próprio Estado é claro direito natural. Sem o confessar, o que se afirma é a legitimidade
e validade deste direito natural. Dirão alguns, não é direito natural, é direito
histórico. Bobagem, tem raiz no direito natural. A posse no caso é o exercício de
uma das faculdades próprias ao domínio. Enfatizo o fato óbvio, se o direito é originário,
antecede à lei, é direito natural e inclui o domínio. E estamos diante de esbulho
estatal, que nega aos indígenas o domínio. Foi sempre assim, dirá alguém. Não foi.
O ministro Fachin traz documentos que provam que antes não era assim, estamos diante
de realidade relativamente nova, os reis reconheciam, sem nenhum entrave, aos indígenas
o domínio e a posse da terra. De outro modo, julgavam justamente, reconheciam o
fato anterior inconcusso, não lhes negavam o domínio. E, com ele, a posse. Contudo,
é óbvio, num quadro jurídico que levasse em conta os institutos do Direito Civil.
Proponho seguir o bom exemplo dos reis, avançar sensatamente
na direção correta, eliminando o retrocesso já multissecular.
Seria política de amplo e longo alcance, admito, mas representaria reconquista e
avanço extraordinários, conferiria aos indígenas condições para desenvolver em melhores
condições os direitos individuais, os direitos da personalidade, retirando deles
assim uma tutela asfixiante. Com sensatez, mantendo todas as proteções, a extinção
de tal entulho autoritário, acabaria com a condição de servo da gleba. Ensina a
respeito o relator Fachin: “Assim, as cartas régias de julho de 1609 e de 10 de
setembro de 1611, promulgadas por Filipe III, afirmam o pleno domínio dos índios
sobre seus territórios e sobre as terras que lhes são alocadas nos aldeamento: ‘os
gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são na Serra, sem lhes
poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstia ou injustiça alguma;
nem poderão ser mudados contra suas vontades das capitanias e lugares que lhes forem
ordenados, salvo quando eles livremente o quiserem fazer’”. O mesmo reconhecimento
do domínio [e posse, claro] dos indígenas sobre as terras, lembra o ministro Fachin,
ainda se pode constatar em alvará régio de 1680: “Nada obstante o contexto fático,
o reconhecimento de posse e domínio sobre as terras que ocupam ocorre com o Alvará
Régio de 1680, o qual consignava: ‘[...] E para que os ditos Gentios, que assim
decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por
bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas,
nem sobre ellas se lhe fazer moléstia’”. Foi a Direito contemporâneo que operou
a regressão: suprimiu o domínio, esbofeteando o Direito Natural, reconhecendo como
grande concessão a posse. Da condição de senhores, reconhecida pelos reis, caíram
para a situação de servos da gleba. Não estaria na hora de avançar, retomando com
prudência e senso da justiça a trilha real? Pelo menos de pensar proativamente a
respeito? Repito, colocar a questão de modo a favorecer a segurança e felicidade
dos indígenas, mas levando em conta, com peso e medida, os institutos do Direito
Civil. A propósito, não li, não ouvi, não percebi em ninguém dos chamados
setores progressistas algo que longinquamente poderia lembrar o brado
libertador, o clamor de quem realmente deseja futuro de prosperidade para os
povos originários: “É preciso em relação aos indígenas extinguir a condição de
servos da gleba”. Servos da gleba, não há como negar, evoca se não o trabalho
análogo ao do escravo, objeto de lei brasileira, mas condição análoga à de
escravo.
Outra pirueta semântica.
A posse é atributo da propriedade. Está no próprio relatório: “A posse civil pode
ser conceituada como ‘sempre um poder de fato, que corresponde ao exercício de uma
das faculdades inerentes ao domínio’ (GOMES, Orlando. Direitos reais. 19.ed. atual.
por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 51), tal como definido
no artigo 1.196 do Código Civil, in verbis: “Art. 1.196. Considera-se possuidor
todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes
à propriedade”. E então, como fica a questão da posse indígena? Foi forjada mais
uma teoria [em linguagem informal, uma pirueta] para evitar as trilhas conhecidas
do Direito Natural, do Direito Civil e do Direito Constitucional. Evangeliza o ministro
Fachin: “De início, cumpre afirmar que já restou assentado por esta Corte que a
posse indígena difere frontalmente da posse civil, não sendo, portanto, regulada
pela legislação privatística vigente, mas sim pelas previsões constitucionais configuradoras
do direito territorial indígena. É como delineou a questão o acórdão prolatado na
Pet nº 3.388: ‘[...] Áreas indígenas são demarcadas para servir concretamente de
habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas
para suas atividades produtivas, mais as ‘imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar’ e ainda aquelas que se revelarem ‘necessárias
à reprodução física e cultural’ de cada qual das comunidades étnico-indígenas, ‘segundo
seus usos, costumes e tradições’ [...] Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine,
não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser
que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma
etnia. Donde a proibição constitucional de se remover os índios das terras por eles
tradicionalmente ocupadas, assim como o reconhecimento do direito a uma posse permanente
e usufruto exclusivo, de parelha com a regra de que todas essas terras ‘são inalienáveis
e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis’ (§ 4º do art. 231 da
Constituição Federal). O que termina por fazer desse tipo tradicional de posse um
heterodoxo instituto de Direito Constitucional, e não uma ortodoxa figura de Direito
Civil. Donde a clara intelecção de que os artigos 231 e 232 da Constituição Federal
constituem um completo estatuto jurídico da causa indígena.” O ministro Fachin não
fugiu do tema espinhoso; enunciou-o com simplicidade. O referido conceito de posse
não tem guarida no Direito Natural [isto digo eu, consoante o enunciado do texto],
não tem guarida nos institutos ortodoxos [isto é, conhecidos e admitidos] do Direito
Civil, não tem guarida nas doutrinas do Direito Constitucional. É coisa nova, que
ele deixa vaga, guarda-se bem de conceituar, [à vera, verdadeiro negotium perambulans in tenebris], intitulada pelo relator de “instituto heterodoxo”
do Direito Constitucional. Qualquer estudante de Direito Constitucional poderia
ajudar o ministro aqui qualificando a referida heterodoxia: arbítrio. É doutrina
arbitrária e cerebrina, gizada para justificar um frankenstein jurídico. Em
resumo, pondo de lado o blá-blá-blá, é isto: a posse, postas certas condições,
no Direito Romano, no Direito brasileiro e, a bem dizer, em todos os
ordenamentos do mundo, leva ao domínio; um minuto, não no direito territorial
indígena vigente no Brasil ▬ neste, a posse nunca trará o domínio.
Reduções jesuíticas.
As reservas e terras indígenas lembram instituição antiga, açoitada impiedosamente
pelo obscurantismo iluminista, as reduções jesuíticas ▬ aldeamentos com pouco contato
com o exterior, destinado a formar uma nova sociedade isenta dos vícios vigentes
fora dela; utopias na narrativa do enciclopedismo. Dessa forma, os jesuítas. Na
tentativa de criar a nova cristandade, utopias cristãs, afirmavam os racionalistas,
limitavam a liberdade, educavam em certa direção. Com traços parecidos, agora nas
utopias sociais contemporâneas, nas reservas indígenas se almeja instituir um novo
modo de vida, uma nova civilização, se quisermos, a ser imposta a cobaias de experimentação
social (na prática, a utopia apregoada pela academia, meios de divulgação e mundo
oficial) na qual se exclui sempre a apropriação individual. No caso brasileiro
vige a apropriação coletiva, não comunal, mas estatal. Limitam-se as liberdades
para obtê-la, precipitando os indígenas tutelados para a condição substancial de
servos da gleba. Atrofiam-se possibilidades de realização pessoal do índio, de sua
família e de seu grupo. O ministro Fachin manifesta revelador incômodo com contato
com forasteiros, ao discorrer sobre comunidades indígenas isoladas: “A compreensão
de uma sociedade plural e de respeito à diversidade, como aquela que a Constituição
de 1988 busca constituir, exige que se respeite o direito à autodeterminação desses
povos, mantendo-os fora do contato constante com outras pessoas, em respeito a seu
modo de vida”. É a novilíngua, para garantir a autodeterminação, cerceiam-se os
contatos. É congruente, polui o contato com o forasteiro empapado de civilização
ocidental, mercantilista e individualista. Situações assim, que se multiplicam,
a lógica nos comanda a conclusão, nascem da intolerância, provocam exclusão. É o
que, mutatis mutandis, teria vigência em reduções jesuíticas, segundo
detratores; é o que tem vigência nas aldeias talibãs.
Parcialidade chocante.
Em abono de suas posições, o ministro Fachin em geral busca apoio nas mais extremadas
correntes revolucionárias do indigenismo e da cena política, o que não se harmonizam
com a isenção e a imparcialidade que se espera dos magistrados. Cito três, CIMI
(Conselho Indigenista Missionário), APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
e CNV - Comissão Nacional da Verdade ▬ na atuação se revelou uma comissão nacional
da mistificação. Quanto às duas primeiras cita como dado objetivo e inconteste:
“Como informam a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e o Conselho Indigenista
Missionário – CIMI, admitidos no feito na qualidade de amici curiae, o Brasil possui
hoje, de um total de 1.298 terras indígenas, 829 demarcações não finalizadas, ou
sequer iniciadas”. Se o RE 1.017. 365 obtiver maioria, por aqui já se percebe, teremos
o efeito de suas decisões, de saída, em cerca de mil situações conflitivas Brasil
afora. Da Comissão Nacional da Verdade, o relator cita trecho de demagogismo delirante,
apresentado como portador de dados objetivos: “Como resultados dessas políticas
de Estado, foi possível estimar ao menos 8.350 indígenas mortos no período de investigação
da CNV, em decorrência da ação direta de agentes governamentais ou da sua omissão.
Essa cifra inclui apenas aqueles casos aqui estudados em relação aos quais foi possível
desenhar uma estimativa. O número real de indígenas mortos no período deve ser exponencialmente
maior, uma vez que apenas uma parcela muito restrita dos povos indígenas afetados
foi analisada e que há casos em que a quantidade de mortos é alta o bastante para
desencorajar estimativas”. 8.350 indígenas assassinados. Número real: exponencialmente
maior. Fora os casos em que o número é tão alto que desencoraja estimativas. É isso,
extrato de relatório apresentado à Suprema Corte.
Tutores infiéis. Paro por aqui, continuo
depois. Infelizmente, doloroso constatá-lo, temos texto mambembe, inçado de inverdades,
fantasias, arbitrariedades, que poderá servir de base para decisão que lesará gravemente
o agronegócio, petrificará o atraso, gerará pobreza. O relator, douto homem de ciência
e jurista conhecido, de certa maneira foi empurrado para a apresentação de texto
decepcionante (para ficar por aqui) por falta de alternativa. É indefensável logicamente
a causa demolidora que teve a infelicidade de esposar. Os indígenas precisam de
amigos que gostem de vê-los em situações de grande realização pessoal, desejam-nos
crescendo na vida, em ascensão moral e material; que Deus os livre da multidão de
tutores infiéis. [Postado em 14 de setembro de 2021]
O marco temporal e o futuro do Brasil ou De ore tuo
te judico (3)
Péricles Capanema
Adiante; aqui vou em mais uma rápida análise do laborioso
voto (109 páginas) do relator ministro Edson Fachin no Recurso Extraordinário 1.107.365.
conhecido usualmente como ação do marco temporal. O artigo será o último da série,
não mais atormentarei o leitor com o tema.
Cláusula pétrea abusiva.
No voto um ponto desperta especial atenção. As cláusulas pétreas estão no artigo
60 § 4º do texto constitucional: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir: (I) a forma federativa de Estado; (II) o voto direto, secreto,
universal e periódico; (III) - a separação dos Poderes; (IV) - os direitos e garantias
individuais”. Direitos e garantias individuais, texto claro, são cláusula pétrea.
A dicção constitucional não inclui direitos coletivos. O douto relator do Recurso
Extraordinário tenta esticar o alcance do inciso, vai que cola: “De início, cumpre
afirmar que os direitos das comunidades indígenas consistem em direitos fundamentais
[...] Essa qualificação dos direitos territoriais indígenas como direitos fundamentais
acarreta quatro consequências relevantes para o julgamento do presente feito. Em
primeiro lugar, incide sobre o disposto no artigo 231 do texto constitucional a
previsão do artigo 60, §4º da Carta Magna, consistindo, pois, cláusula pétrea [...]
resta impedido (o legislador) de promover modificações tendentes a abolir ou dificultar
o exercício dos direitos [...] coletivos”. Se colar, ele colará o Brasil na agitação
rural. As terras indígenas já constituem 12,2% do território nacional. Admitida
a interpretação aqui proposta pelo voto do relator ▬ compunge afirmá-lo, em relatório
que pouco relata e muito desorienta ▬, haverá novo e fortíssimo instrumento legal
para legalizar invasões, laudos antropológicos fajutas, e outros recursos dos movimentos
revolucionários para coletivizar o campo. Em consequência, o Brasil padecerá inchaço
na insegurança jurídica, tensão social e debandada de investimentos, com a inevitável
baixa na produtividade, agravamento da pobreza e queda do emprego e renda.
Mandinga tóxica de amplo espectro.
Farmacêuticos antigos advertiam contra os remédios de amplo espectro. Perigavam
não curar nada. Perigavam ter efeitos deletérios. Aqui temos um típico recurso
dialético de amplo espectro ▬ um duplo twist carpado; pirueta ladina, em
linguagem informal. O digno relator afirma, o direito coletivo é cláusula
pétrea. Não está nos itens constitucionais da cláusula pétrea. Mas ele escapa
desabalado pela tangente: é direito fundamental. Logo é cláusula pétrea.
Devagar, não fora ele membro da Alta Corte, logo se diria recurso capcioso de
sofista. Quando se compulsa o título II da Constituição de 1988 - Direitos e
garantias fundamentais - [e garantia, discute-me muito, sei, mas é um direito],
encontra-se uma nominata amazônica de direitos fundamentais. No artigo 5, além
de 5 no caput, temos 78 nos incisos. No artigo 6º, são 13 no caput. No artigo
7º, 28. No artigo 8º, 1 no caput e 8 nos incisos. No artigo 9º, 10º e 11º, um
em cada caput. Claro, há muita repetição, mas pela minha conta são 136 direitos
fundamentais. Todos constituem cláusula pétrea? Não faz sentido. Muitos
comentaristas resumem os direitos fundamentais a cinco, classificação sensata:
vida, liberdade, propriedade, liberdade de expressão, participação política e
religiosa. Em suma, o argumento do ministro Fachin, dada a devido vênia, não
tem valor. A justificativa, à vera, Vi no sentido contrário, tende a amputar do
indígnena brasileiro um direito fundamental: o direito à propriedade privada,
condição para que ele cresça, desenvolva-se e se torne cidadão pleno. É
retrocesso claro, gerador de asfixia de possibilidades, crueldade insensível
com os sofrimentos que daí adviriam, dificultando-lhe o acesso aos bens da
civilização. Essa revivescência caricata das reduções jesuíticas dificultaria
educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência aos desamparados.
Impedir aventuras destruidoras.
O recurso extraordinário RE 1.107.365 foi interposto pela FUNAI em face de acórdão
prolatado pelo TRF-4, que havia confirmado sentença de 1ª instância. Havia assim
duas decisões garantindo a reintegração de posse à Fundação de Amparo Tecnológico
ao Meio Ambiente. ▬ FATMA. O RE sustenta, as terras em disputa eram tradicionalmente
ocupadas pelos índios Xokleng. Foi dada repercussão geral ao recurso e sua decisão,
se favorável, trará consequências importantes para a propriedade rural no Brasil.
Teremos, é o previsível, em cascata, laudos antropológicos sem fundamento real,
invasões, campanhas na imprensa, pressão de movimentos revolucionários, tudo empurrando
para uma só direção: transformar fazendas, boa parte altamente produtiva, em terras
indígenas. Serão centenas, se não, milhares, os casos ao longo dos próximos anos.
Do voto dos ministros do Supremo, como espada de Dâmocles, pende o destino do campo
▬ se próspero, se atrasado e conflituoso. Simples acima, derrubar o marco
temporal é trágico para o agronegócio brasileiro, funesto para os povos
originários. O saudável seria uma aliança para a prosperidade unido povos
originários e produtores rurais. Constituiria verdadeira e autêntica liga
popular e nacional pelo Brasil. Falta, ponto indispensável para o crescimento
pátrio e melhora generalizada da qualidade de vida: o produtor rural e o
indígena precisam ser conscientizados e se conscientizar de que são aliados
naturais.
A vida como ela é. Na concepção cerebrina
e arbitrária, compartilhada pelos movimentos indigenistas revolucionários, enquistada
em redações, sacristia e academia, e agora ecoando em votos decisivos no STF, os
indígenas vivem em união quase idílica com a natureza, da qual decorre modo de vida
e cultura favorecedores das comunidades a que pertencem. Preservam a natureza, preservam
a vida, fruem e mantêm a felicidade. Na prática, infelizmente, as terras indígenas
são foco de doenças, algumas endêmicas, alcoolismo, consumo de drogas, suicídios
altos, aluguel de áreas para mineração ilegal. Não são redutos de felicidade. Ficaria
muito surpreso se inquérito objetivo, feito com lideranças e indígenas responsáveis
Brasil afora, residentes em tais terras, não revelasse como preocupações primordiais
das populações indígenas, entre outros itens, a instalação de um posto da saúde
na aldeia, a construção de uma escola, o oferecimento de formação que assegurasse
o futuro dos filhos, o combate ao alcoolismo, drogas e roubos. A mais de concessão
sensata de liberdade econômica progressiva ▬ o que, aliás, favoreceria em muito
o bem comum no Brasil. Constaria também, item de relevo, a construção de estradas
que ligariam tais populações aos maiores centros de consumo e educação do Brasil.
Em resumo, preocupações em larga medida iguais às dos setores mais vulneráveis no
Brasil. Querem melhorar de vida, desenvolver dons, ainda largamente potenciais,
que sentem palpitar em si. São reivindicações compreensíveis, justas, devem ser
atendidas com urgência em toda a medida do possível.
Clamor pela plenitude.
Concluo reafirmando, as políticas indigenistas idôneas que em verdade ajudariam
os indígenas e favoreceriam o Brasil deveriam estimular o aperfeiçoamento de tais
populações ▬ não são, nunca deveriam ser, cobaias de experimentações sociais utópicas.
Alguns pontos a considerar: crescer na educação, crescer na saúde, aumentar o contato
de forma inteligente e mutuamente vantajosa com o resto do Brasil; ainda, caminhar
com segurança e paulatinamente na estrada da autonomia crescente rumo à completa
independência pessoal. No fundo do horizonte, o desenvolvimento inteiro de suas
potencialidades, a procura da plenitude, o único caminho que pode levar à felicidade,
sob o olhar de Deus. Por óbvio, a
plenitude extinguiria a situação de minoridade perpétua. Deixaria de existir o
engodo aninhado na expressão “terra indígena”, hoje mero recurso
propagandístico, de momento tóxico manipulador de paixões populares. “Terra
indígena” passaria a ser realidade ▬ posse e domínio. Com os poderes inerentes
ao domínio. Com sensatez, com o olhar sempre colocado com discernimento no bem
indígena e no bem comum nacional, é preciso caminhar cauta e resolutamente rumo
à plena cidadania dos indígenas, retirando-os da condição humilhante de tutela
e minoridade perpétua, posição obscurantista, retrocesso histórico, fator de
atraso e sofrimento dos povos originários. O olhar precisa se voltar, com
energia para plenitude, cidadania plena, arejamento, crescimento, ainda que, é
natural e cristão, dentro de um quadro efetivo de proteção ampla e privilégios
legais. Há uma dívida histórico, um resgate urgente, devolver aos indígenas,
num quadro de política de longo alcance e discernimento lúcido, o que lhes foi
tirado: o domínio. [Postado originariamente em 14 de setembro de 2021 -
modificado].
Ainda é possível salvar os índios
Péricles Capanema
Os fatos reclamam uma aliança.
Vou tratar do marco temporal ▬ fincado em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação
da Carta Magna. E, lá no fim, tratar da aliança à qual me referi no início e que,
julgo, precisa surgir. Ao artigo. Potencialmente, temos, à vista, crescentes conflagrações
no campo. Dependerá de como terminará a presente ação do referido marco temporal
no STF e ainda de como o Congresso agirá no caso. Se ganharem as forças da vanguarda
do atraso (os agitadores), precipitar-se-ão inevitáveis queda de investimentos no
agro, altas nos preços de produção, no fim, menos emprego e baixa na renda. No exterior,
desconfiança de possíveis investidores em relação ao Brasil. Em curto, mais pobreza
numa nação já enormemente castigada. A razão primeira é a influência da demagogia,
cada vez mais destrambelhada a propósito dos problemas suscitados pela atualidade
candente da questão do marco temporal. Ela borrifa incerteza a respeito de direitos,
agride o agronegócio e ameaça o futuro dos índios, irmãos nossos. De passagem, esclarecimento
para alguém que ainda não saiba o que é o marco temporal. Em resumo por alto, a
tese do marco temporal (de fato, uma jurisprudência) afirma que as terras indígenas
tradicionalmente ocupadas, passíveis de demarcação, são as que existiam até 5 de
outubro de 1988. Há ainda um adendo, do qual não tratarei aqui, o intitulado esbulho
renitente.
Ingenuidade suicida.
Após o rumoroso episódio da reserva Raposa Serra do Sol em 2009, entendeu-se, ingênua
(fico por aqui) e falsamente, que o campo brasileiro, depois do golpe, poderia trabalhar
em paz, com base em jurisprudência pacificada. Ledo engano. A sanha esquerdista,
com enfezado apoio em todos os quadrantes sociais e meios de divulgação, leva adiante
agora novo golpe, já em avançado estado de execução, procurando dinamitar a jurisprudência
tida por já assentada, a ser substituída por outras interpretações que disseminarão
a insegurança jurídica ▬ pipocarão conflitos fundiários. Caso seja incinerada a
tese do marco temporal, vitoriosa em 2009, já se divulga, 829 disputas estão em
posição semelhantes à vivida em Santa Catarina, cujo desenlace será a entrega de
terras à União (e aos índios posseiros), considerando a declaração de repercussão
geral do caso. Virão outras, posteriormente; não sejamos simplórios. Estatização
selvagem no horizonte.
Propriedades estatais, posse indígena (usufruto).
Com efeito, estamos em caminho que leva à estatização maciça. É a lei, a terra entregue
às comunidades indígenas não lhes será dada em domínio ▬ nunca serão proprietários
e, curiosamente, a respeito disso ninguém reclama, nem os próprios índios metidos
nas agitações. A estatização efetiva paira sobre o assunto como espécie de intocável
cláusula pétrea. Tem mais: a União não vai pagar um tostão pela terra demarcada,
salvo benfeitorias feitas de boa-fé, a ser comprovada.
Torquês dilacerante.
A torquês a ser aplicada sobre a economia nacional, em especial a economia e propriedade
agrícolas, apresenta duas hastes com pontas curvas de corte afiado. Provocarão sangramento,
periga hemorragia, na economia; mais ainda, à vera, no corpo social.
Jurisprudência nova.
A primeira haste é a interpretação pelo menos controversa (migração jurisprudencial;
talvez caminhemos até para mutação constitucional) do artigo 231 da Constituição
Cidadã. Ali se reconhece direito originário dos índios sobre as terras que “tradicionalmente
ocupam”, do que derivaria, país afora, terras públicas e posse indígena. “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam”.
Hermenêutica em evolução. A presente hermenêutica do texto constitucional, exposta no voto do ministro
Nunes Marques, poderá migrar para interpretação muito pior; está pendente do voto
de oito ou talvez nove ministros no processo em curso no
Supremo ▬ já se conhecem as posições do ministro Fachin, mutação radical, e do ministro
Nunes Marques. pela manutenção. Reconhecida a “posse tradicional” por laudo antropológico,
segundo interpretação inovadora e muito ampliada, a porteira ficará escancarada
para a União tomar conta do espaço agrícola e entregá-lo aos índios. Lembra com
pertinência o ministro Kassio Nunes Marques em seu voto no RE 1.017.365: “A Constituição
Federal acolheu a teoria do indigenato na qual a relação estabelecida entre a terra
e o indígena é congênita e, por conseguinte, originária. [...] De fato, em seu grau
máximo, a teoria do indigenato teria potencial até de eliminar o fundamento da soberania
nacional. Se o índio era senhor e possuidor de toda a terra que um dia fora sua,
por direito congênito, como poderia o Brasil justificar o seu poder de mando sobre
o território que não era senão uma aldeia em processo de devolução aos legítimos
senhores?” Está certo, não haverá limites; com base em interpretações cada vez mais
radicalizadas, toda a terra pertencerá aos índios (na realidade, ao Estado); na
prática, se generalizarão os conflitos e o Estado irá assumindo, ▬ no passo que
julgar tolerável para o público traumatizado ▬, a titularidade das terras.
Opção preferencial pelo entulho autoritário. Agora,
a segunda haste da torquês, dilacera igualmente. A esquerda toda, CIMI, PT, PSOL,
ONGs filo-comunistas internacionais e seus companheiros de viagem fazem defesa furibunda
de um entulho autoritário, a saber, disposições tecnocráticas e autoritárias da
lei nº 6.001 de 19 de dezembro de 1973 (governo Médici). Para todos eles, xodó intocável
em relação ao ali escrito. Com base nelas, e com adrede interpretação do artigo
231 da Constituição Cidadã, acima mencionada, esperam gradualmente borrifar o agro
brasileiro de norte a sul de manchas de efetivo comunismo ▬ salpicação crescente
de propriedades estatais entregues a comunidades indígenas. A experiência histórica
mostra, teremos grupamentos humanos vegetando na miséria, lanhados pela desorganização
interna e de órgãos governamentais, torturados pelo crime, a mais de viver do dinheiro
público. É futuro que se deseje?
Tumor de estimação.
Pretende-se no caso manter intocado o caráter tecnocrático da lei 6.001 (procedimento
administrativo, basta a bem dizer um laudo feito por antropólogo escolhido pela
FUNAI para a demarcação), ademais de seu viés autoritário e burocrático (homologação
simples). Aqui está o avantesma intocável: “Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa
e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio [FUNAI, no caso], serão
administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto
do Poder Executivo. § 1º A demarcação promovida nos termos deste artigo, homologada
pelo Presidente da República, será registrada em livro próprio do Serviço do Patrimônio
da União (SPU) e do registro imobiliário da comarca da situação das terras”. Acabou,
nada de debate, de participação de interessados, de controle público. A exclusão
precisa ser protegida.
PL 490. O que o projeto de
lei 409 de 2007 buscou (e por isso foi abominado por toda forma de esquerda) foi,
no processo de demarcação, aumentar a participação popular, em particular dos interessados.
Aplicar a inclusão, enfim. A respeito, observou com pertinência o deputado gaúcho
Jerônimo Goergen ao defender a aprovação urgente do PL 490, as áreas reivindicadas
para demarcação envolvem gigantescos e numerosos interesses públicos e privados.
Entre elas, áreas de proteção ambiental, áreas ligadas proximamente à segurança
nacional como as de fronteira, propriedades privadas destinadas à produção agropecuária,
cidades, núcleos urbanos, casarios e núcleos habitacionais. A mais, ponderou o parlamentar,
existem estradas, redes de energia elétrica, de telefonia, áreas de prospecção mineral,
cursos d’água com recursos hídricos. Abrir a porteira de forma indiscriminada para
demarcações, e é o que está na iminência de acontecer, garante com objetividade
o ativo líder gaúcho, poderá inviabilizar estados e municípios. “Fica até difícil
explicar como conseguimos gerar tanta insegurança jurídica para nós mesmos mantendo
o Congresso Nacional de fora deste debate”, concluiu.
Alarma no agronegócio.
Uma visão a “vol d’oiseau” Conforme venha a sentença (acórdão) da ação em curso
no STF, teremos paz no campo, mesmo que passageira e ameaçada, ou punhaladas imediatas
no agronegócio. O ministro Alexandre de Morais, que havia pedido vista nos autos,
devolveu o Recurso Extraordinário 1.107.365. A colocação em pauta depende agora
apenas de decisão do ministro Luiz Fux. De um lado, está o voto do relator Edson
Fachin. Nega que exista o chamado marco temporal, data limite para a aplicação do
conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas (5 de outubro de 1988).
De outro, o ministro Nunes Marques. Afirma, existe o marco temporal, está claro
na jurisprudência reiterada do Supremo. Observando com isenção os atores em movimento,
a situação no palco não se apresenta tranquilizadora. Infelizmente, parece, falta
rumo no Executivo e atuação enérgica de lideranças rurais no Congresso ou fora dele
que, oxalá, serão óbices que evaporem logo, e possamos constatar tomadas de posição
norteadoras que afastem as perspectivas trágicas.
Saída óbvia. De um óbvio ululante.
A medida factível, rápida e simples, é clara: aprovar já o substitutivo do PL-490,
fazê-lo lei. Os textos dormem no Congresso desde 2007-2008 ▬ constituem, parece,
tentativa (frustrada, infelizmente), um emplastro de ocasião, para evitar o desastre
que foi a decisão judicial no episódio Raposo Serra do Sol. O PL-490 é de lei ordinária,
não requer quórum qualificado, nem maioria absoluta; exige apenas quórum regulamentar
e maioria simples.
A aliança que está fazendo falta.
Afirmei acima, faz falta uma aliança. Deveras, uma “santa aliança”, para lembrar
o pacto entre as potências conservadoras no começo do século XIX. Urge conjunção
de esforços proficientes entre produtores rurais e índios. Lideranças dos dois lados
promoveriam seus interesses, além de ajudarem o bem comum, se somassem esforços,
procurassem esclarecer o público e ampliar apoios. Os interesses são confluentes,
a disputa é artificial e contra a natureza das coisas. O produtor rural deve ser
amigo do índio. O índio deve ser amigo do produtor rural. Ambos trabalham para crescer
na vida no mesmo ambiente, utilizam-se dos mesmos meios, com apoio estatal sem dúvida,
mas sobretudo com forças próprias.
Recordações necessárias.
A maior parte dos índios (imensíssima maioria), mesmo mantendo usos e costumes,
quer posto de saúde, escola, estrada, maior instrução e maiores possibilidades de
aperfeiçoamento para os filhos. Abomina retrocesso e paradeiras; assim como os produtores
rurais, querem avançar.
Índio não é porquinho-da-Índia.
Os indígenas não podem ser presas virtualmente passivas de organizações tomadas
por delírios ideológicos, que os tratam como verdadeiros porquinhos-da-Índia de
experimentações sociais que deram errado em todos os lugares em que foram impostas,
causa contínua de sofrimentos, miséria e retrocessos civilizatórios. Ainda é possível
evitar a derrocada do engate dos povos indígenas às organizações do atraso, cenário
dantesco que se esboça, proporcionando assim aos índios os instrumentos de avanço
para que assumam o próprio destino nas mãos. No fim, salvem-se a si mesmos, tendo,
é claro, dos demais brasileiros toda a ajuda de que queiram ou precisem. Prosperem,
busquem o aperfeiçoamento. A felicidade vem da autonomia crescente, do vento forte
da liberdade, fundamentos de crescimento pessoal, nunca da condição de cobaias de
experiência sociais utópicas. Melhorando o tema, ainda é possível ajudar os índios
para que rumem na via que escolherem e que nós sabemos pela experiência, é a do
aperfeiçoamento. Voltarei ao tema. [Postado em 28 de outubro de 2021]
A Constituição e os índios (1)
Péricles Capanema
Artigo 231. Na momentosa questão
do marco temporal, recorre-se sem cessar ao artigo 231 da Constituição, que, muitos
o alardeiam, abrigaria verdadeiro estatuto do índio. Reza o caput do mencionado
item: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças
e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Artigo 3. Sua exegese, a do
231, por coerência constitucional, precisa ser feita de acordo com o artigo 3º que
coloca os fundamentos, sobre os quais toda a carta deve ser interpretada ▬ em particular,
hermenêuticas sistemática e teleológica. Comanda o mencionado artigo 3: “Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Construção da sociedade livre.
Uma sociedade só é livre se composta de pessoas que à vera são livres, a saber,
que podem usar bem de sua liberdade natural. De outro modo, pessoas pelo menos com
inteligência razoavelmente desenvolvida, com autonomia, meios, personalidade. Vale
para todos, vale, é claro, também para os índios. Aqui se desenha objetivo constitucional
fundamental: participação dos índios como cidadãos plenos e para tal estímulos para
que alcancem personalidades bem desenvolvidas. Avanços civilizatórios é o que comanda
o mandamento constitucional; sem chapinar em estagnações desagregadoras.
Obstáculos na caminhada. Vou
mencionar como exemplo apenas um obstáculo a tal objetivo. Os índios têm sido vítimas
de doutrinas atrofiantes que empapam a sociedade em todo o período republicano:
foram reduzidos à condição de servos da gleba, posseiros de terras estatais. Não
podem avançar, têm de ficar empantanados no retrocesso, acorrentados pelo obscurantismo.
De momento, toda a ação das esquerdas empurra para os algemar indefinidamente na
condição de servos da gleba, posseiros em terras estatais. Onde está a liberdade?
Onde ficou a construção da sociedade livre? Situação claramente anticonstitucional,
s. m. j. Minha proposta, não é só minha, mas certamente de todo brasileiro esclarecido,
é a seguinte: com senso de medida, gradualmente, estimular para que os índios alcancem
logo que possível a condição plena de cidadãos brasileiros. O contrário é obscurantismo.
Restauração regenerativa.
É marcha para restauração do que já tiveram no passado colonial. Regenera um tecido
social dilacerado. Enfim, extingue o retrocesso, já multissecular, da mera posse
perene. Retorna à estrada do avanço, que tem o domínio (a propriedade) em sua chegada,
cuja construção foi iniciada pelos primeiros reis do Brasil.
Caminho real. Reitero, o caminho
real aponta no termo para a propriedade (o domínio) e a inerente posse, representa
o fim da sujeição atrofiante ao Estado-patrão ▬ entre nós, é o habitual, desorganizado,
inclemente, perdulário, autoritário. Dando s costas para o obscurantismo, petrificado
no período republicano, é preciso obedecer realmente ao preceito constitucional,
objetivo fundamental (supremo) da Carta de 1988, a construção da sociedade livre:
É óbvio, situação a ser legislada com sensatez, e tendo como pano de fundo os institutos
do Direito Civil a respeito.
Desconfiança com o estatismo.
Explico-me, repetindo o que escrevi em artigo anterior, citando o ministro Fachin
(no caso, inteiramente insuspeito) em seu voto no RE 1.017.365 ▬ uma hora, espero,
acaba entrando, à custa de muita repetição, na cabeça do pessoal que teima em manter
os índios agrilhoados ao estatismo: “Assim, as cartas régias de julho de 1609 e
de 10 de setembro de 1611, promulgadas por Filipe III, afirmam o pleno domínio dos
índios sobre seus territórios e sobre as terras que lhes são alocadas nos aldeamento:
‘os gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são na Serra, sem
lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstia ou injustiça alguma;
nem poderão ser mudados contra suas vontades das capitanias e lugares que lhes forem
ordenados, salvo quando eles livremente o quiserem fazer’”. O mesmo reconhecimento
do domínio [e posse, claro] dos indígenas sobre as terras, lembra o ministro Fachin,
ainda se pode constatar em alvará régio de 1680: “Nada obstante o contexto fático,
o reconhecimento de posse e domínio sobre as terras que ocupam ocorre com o Alvará
Régio de 1680, o qual consignava: ‘[...] E para que os ditos Gentios, que assim
decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por
bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas,
nem sobre ellas se lhe fazer moléstia’”. Foi o Direito contemporâneo que operou
a regressão: suprimiu o domínio, esbofeteando o Direito Natural; reconheceu como
grande concessão a posse. Da condição de senhores, reconhecida pelos reis, caíram
para a situação de servos da gleba. Não estaria na hora de avançar, retomando com
prudência e senso da justiça a trilha real? Facilitaria a inserção, a participação,
a inclusão dos indígenas na sociedade brasileira. Seriam medidas eficazes contra
a exclusão, que nos infelicita há décadas (pelo menos). Voltarei ao assunto.
PL 490. Minha proposta requer
mudança constitucional, claro, a mais de debates amplos na sociedade. Em resumo,
não é simples. Tem a vantagem inestimável, acho, de abrir as cabeças, desenhar uma
solução que estimularia os índios a deixarem situações passivas, assumirem protagonismo.
Seriam donos do próprio destino, participantes sociais plenos e não condenados a
vegetar, para sempre, amarrados por utopias, pobres cobaias de grupos fanatizados
e servos da gleba de estatismos delirantes. De momento, temos providência imediata
e simples. A saída é começar pelo básico, o factível, procurar aprovar o PL 490.
Para tal se requer o esforço de todos, em especial produtores rurais e lideranças
indígenas realmente preocupadas com a prosperidade contínua e crescente de suas
etnias. [Postado em 31 de outubro de 2021]
A Constituição e os índios (2)
Péricles Capanema
Estatização selvagem.
Continuo artigo anterior, lá examinei a momentosa questão do marco temporal e do
RE 1.107.365, reproduzo a seguir declarações esclarecedoras (e potencialmente aterradoras)
de Marcelo Xavier, presidente da FUNAI, por ocasião de audiência pública virtual
na Câmara dos Deputados em 1º de outubro próximo passado.
Fatos-bomba. O terror decorre
da possibilidade de demolição social e econômica dos fatos-bomba ali apontados como
concebíveis e até inevitáveis, dependendo da virulência da vitória das correntes
chamadas indigenistas. Segundo o alto funcionário existem hoje 491 pedidos de reivindicação
de terras indígenas, que envolvem 253 milhões de hectares (em números redondos,
2,53 milhões de km2, aproximadamente 30% do território brasileiro). Ainda segundo
Marcelo Xavier, em estudo, existem 121 áreas. Em fase de declaração e delimitação
são 10 milhões de hectares. Já as terras indígenas regularizadas ou homologadas
somam outros 107 milhões de hectares (aproximadamente 13% do território brasileiro).
Foi didático o presidente da FUNAI: “Hoje nós temos em áreas indígenas no Brasil
o equivalente aos territórios de Portugal, Espanha, França e Suíça. Se nós formos
imaginar que o marco temporal será mudado com o tema de repercussão geral, em discussão
do Supremo Tribunal Federal, teremos o acréscimo de Alemanha, Itália, Hungria, Sérvia,
Grécia e Reino Unido como terras indígenas”. Terras indígenas? Em termos. É eufemismo,
adocica. A propaganda divulga coisas assim, “terras para índios pobres e desapossados”;
à vera, são ditos que encobrem a realidade amarga. Nada aqui de fato é terra indígena.
É coletivismo, são terras da União. O usufruto é indígena. Estamos diante de um
amazônico programa de estatização selvagem.
Estatização selvagem furtiva.
Curiosamente, nenhuma liderança indígena, nenhum soba de ong ambientalista, nenhum
morubixaba de partido de esquerda levanta este ponto fundamental, entretanto óbvio
ululante. Bico calado, pois a estatização delirante interessa a todos eles, bruxos
do coletivismo, arautos de fatos-bomba, verdadeiros demolidores do Brasil. Repito,
a propriedade (domínio) é pública; os índios têm a posse, são modernos servos da
gleba. Na prática, porquinhos da Índia de experiências sociais mitomaníacas que
só trouxeram tragédias onde começaram a ser aplicadas.
Matéria constitucional.
Aqui está ponto de imprescindível consideração (nem vou tratar no momento de lei
natural e bem comum). Foco nele. A Carta Magna está sendo esbofeteada e não apenas
pelas considerações que exponho agora. Com efeito, a Constituição em seu artigo
170 funda a ordem econômica, entre outros pilares, sobre a propriedade privada.
E o inciso XXII do artigo 5º considera fundamental o direito de propriedade. Uma
tal ameaça à propriedade privada no Brasil, se vitorioso o voto favorecedor do coletivismo
do relator Edson Fachin no RE 1.107.365 (voto que nega a tese do marco temporal)
é compatível com a Constituição? Pelo menos, não fere a “mens legis”? Aplicado mesmo
que gradualmente em todas suas consequências, agora latentes, segundo o entendem
as correntes ambientalistas mais extremadas e mais na moda, estará extinta a propriedade
privada no campo e, por ricochete, com o tempo, nas cidades.
Consequências estapafúrdias.
Tudo isso, para alardeado (e falso) amparo a universo populacional justificadamente
querido, população relativamente pequena, infelizmente ainda atendido de forma insuficiente,
ligado por laços de sangue, benevolência e amizade à imensa maioria dos brasileiros,
os índios. Com efeito, conforme o censo do IBGE de 2010, existiam na época no Brasil
cerca de 800 mil índios. O número agora estará próximo ao de 2010. Hoje, a maior
parte deles vive em áreas urbanas. Esses indígenas, se vitoriosa a hermenêutica
constitucional inaugurada abusivamente pelo ministro Fachin em seu voto, virarão
posseiros de terras públicas, terão potencialmente o país inteiro como “terra que
tradicionalmente ocupam”, segundo interpretação elástica e abarcadora, já muito
difundida (cfr. artigo 231 da Constituição). Será o fim da segurança jurídica; com
sua demolição, a insegurança no agronegócio, a queda na produção do campo, a carestia
e o desemprego. Aqui aparece outro princípio constitucional esbofeteado: o da razoabilidade.
Implícito na Lei Maior, é princípio informador do devido processo legal, afere se
os atos praticados estão em harmonia com valor supremo animador do ordenamento jurídico,
a justiça.
Entulho autoritário xodó.
Temos entulho autoritário vergastado pelos hierofantes do progressismo e entulhos
autoritários que são xodós desse pessoal, objetos de carícias permanentes ▬ verdadeiros
tumores de estimação, ninguém pode tocar neles. Vou apontar xodó intocável, ai de
quem quiser mexer aí: a lei 6.001 de 19/12/1973 (governo Médici) que dispõe sobre
o Estatuto do Índio. Estabelece que as terras indígenas serão demarcadas por ato
administrativo, após laudo de antropólogo nomeado pela FUNAI. O presidente da República
tão somente homologa a demarcação. O PL 490/2007 mexe aqui, tira da presente legislação
seu caráter autoritário e excludente, tornando-a mais inclusiva e participativa.
Nada disso, deixa como está, “bom demais”, está berrando a esquerda. O mencionado
monturo da ditadura abominada não pode ser mexido, o veneno aí contido pode extinguir
a classe rural. “Es resquício legal buenísimo”, diria partidário do governo de Salvador
Allende.
PL 490/2007, tábua de salvação.
O caso não tem saída? Tem, boa, mesmo que provisória. De momento, o mais razoável,
urgente e inafastável é trabalhar pela aprovação do acima mencionado PL 490/2007,
transformá-lo em lei. A situação legal passará de excludente, burocrática e discricionária
para inclusiva e participativa. Muitos opinarão, muitos participarão, haverá maior
influência dos agentes envolvidos, vozes populares mais fortes. É certo, as correntes
assim chamadas ambientalistas (esquerdas de todos os matizes) chiarão, com a aprovação
do referido PL 490 não cessarão as batalhas ideológicas, políticas e jurídicas.
Haverá ações no Supremo contestando sua constitucionalidade e aqui vai o núcleo
da argumentação para transformar o Brasil numa arena permanente de expropriações
coletivistas (sem indenizações, posse originária), já exposto pelo advogado Eloy
Terena: “Essa interpretação que eles fazem [do artigo 231] é gramatical do verbo
ocupar. É a interpretação mais pobre que existe. A Constituição não falou que são
direitos dos índios às terras que momentaneamente ocupam. Os direitos são sobre
as terras tradicionalmente ocupadas. A Constituição não trabalhou com elementos
temporais. A marca da tradicionalidade é sobre o modo como o indígena se relaciona
com o seu território. Não tem nada a ver com tempo." Não tem nada a ver com
o tempo a interpretação do artigo 231: é atemporal, é modo de ocupação, a terra
ocupada em algum momento por tribos indígenas é tradicionalmente ocupada. Não contam
para nada os institutos do Direito Civil. Todo o território do Brasil, todos sabem,
já foi ocupado em algum momento por tribos indígenas ou até por grupos nômades.
Um antropólogo nomeado pela FUNAI vai resolver o caso. Achou instrumentos, resquícios
da ocupação pretérita? O caso potencialmente estaria resolvido em favor da declaração
de terra indígena.
Interesse nacional cimeiro.
O julgamento do RE 1.037.365 não é sobretudo do interesse de proprietários rurais;
abarca de forma eminente cada brasileiro, inclusive índios que em sua esmagadora
maioria querem, com apoio maciço do povo, aperfeiçoar-se, crescer na vida, serem
cidadãos plenos, atuantes e influentes no Brasil. Não podem ser reduzidos, quiçá
indefinidamente, a porquinhos da Índia de experimentações mitomaníacas.
[Postado em 28 de novembro de 2021]
Amazônia no centro
Péricles Capanema
No Exterior, ponto candente. Se
você fosse um leitor comum (ou um cidadão comum) dos Estados Unidos ou de algum
país europeu (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha, por exemplo), você
saberia vaga e distraidamente que longe de suas antenas palpita uma imensa área
política chamada América Latina, onde existem cidades grandes chamadas Buenos Aires,
São Paulo e Rio de Janeiro. Saberia ainda que por lá se sucedem meio confusamente
golpes de Estado, pobreza, tráfico de drogas, roubalheira política. Um ponto e só
um ponto lhe chamaria vivamente a atenção: a Amazônia. Conexo com ele, desmatamento
ilegal, florestas pegando fogo, devastação ambiental. Situação normal? Bastante
anormal. Ajuda o Brasil? Prejudica, e muito; em especial, aos mais pobres daquela
região, são dezenas de milhões, irmãos nossos, merecem ainda (dever solidário de
todos) ação eficaz contra o que sofrem. Porção das flechas que perfura a carne dos
mais pobres é afiada pela ação dos corifeus da propaganda hostil contra a Amazônia.
Dados úteis. Vamos dividir o grosso
do problema em seções, ficará mais fácil entender o caso. A Amazônia não é só Brasil.
Mas a grande antipatia mundial pelo suposto descaso em relação à Amazônia recai
quase tão-só sobre Pindorama, o vilão da história. A Amazônia é uma floresta tropical
úmida que cobre a maior parte da Bacia Amazônica. Esta bacia hidrográfica está localizada
no Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Peru, Venezuela,
Equador. Sete milhões de quilômetros quadrados, dos quais cinco e meio cobertos
pela floresta. A maioria da floresta tropical está no Brasil ▬ 60% dela. A Amazônia
abriga mais da metade das floretas tropicais da Terra e tem a maior biodiversidade
no mundo em uma floresta tropical. A chamada Pan-Amazônia tem área de aproximadamente
7,8 milhões de km2 e abriga por volta de 40 milhões de habitantes. Amazônia Legal,
tantas vezes falada, é outra coisa. Corresponde à área de atuação da SUDAM (Superintendência
de Desenvolvimento da Amazônia). Compreende floresta tropical, cerrado e ainda outras
formações. É região composta de 772 municípios localizados em Rondônia, Acre, Amazonas,
Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso, Maranhão. Tem superfície aproximada
de 5.015.067,75 km2, 58,9% do território brasileiro. 45% do território da Amazônia
Legal constitui área protegida legalmente. Ela abriga cerca de 30 milhões de brasileiros
e seu PIB é por volta de 9% do PIB nacional. Agricultura, pecuária, mineração representam
o futuro da região.
Tema envenenado. Aqui, realidade e
propaganda se mesclam, acavalam-se desconhecimento de fatos e sobrevalorização de
versões. É comum, grassam versões fantasiosas, fatos reais são ouvidos com apatia.
Para o bem e para o mal, a Amazônia foi lançada no centro do interesse mundial.
Na questão se aninha não apenas o interesse razoável e fundamentado, mas ainda crepita
um desvelo artificial, novo, irritadiço, inflado. Cada vez mais incendeiam os espíritos
a sustentabilidade ameaçada e o desmatamento desbragado. A fermentação induzida
no Ocidente leva as populações do mundo desenvolvido a ter birra do Brasil (e não
apenas do governo), supostamente desleixado com a a preservação de uma das maiores
riquezas da Terra, penhor de futuro de prosperidade, patrimônio comum da humanidade.
Obrigação de esclarecimento.
Preocupa a opinião hostil que se alastra; é ônus grave de todo brasileiro, na medida
de suas possibilidades, procurar virar o jogo no cenário internacional (lá fora).
No particular, tem pouco valor redarguir que os fatos apontam em direção contrária.
Em geral se atribui a Gustavo Capanema observação sempre útil de lembrar quando
nos debruçamos no exame dos cenários públicos: na política a versão vale mais que
os fatos. As versões falsas precisam ser desinfladas, em boa parte, aí sim, pela
difusão inteligente dos fatos que as desmontam. É ainda necessário somar esforços
internamente para que consertemos tudo o que possa estar errado.
Lenha na fogueira. Não acho direito
nesse momento, irrefletidamente (no mínimo), jogar lenha na fogueira, quando o importante
é procurar extinguir o fogo. Pois o Brasil vai perdendo apoios importantes no Estados
Unidos e na Europa, setores importantes estão sendo fermentados por propaganda inamistosa.
Ao mesmo tempo, outro fato enorme assoma: a China está silenciosa e de sorriso enigmático.
Duas forças de tração opostas, uma atrai, outra afasta. Para onde iremos?
Rumo que faz falta enfatizar.
Destaco agora observações lúcidas, enraizadas na experiência e na erudição, impulsionam
rumo de solução efetiva. Alysson Paolinelli é dos agrônomos de maior reputação no
Brasil. Professor universitário, antigo secretário da Agricultura e ministro da
Agricultura, opiniões pé no chão, sempre enfatizou a importância da ciência, pesquisa
e experiência na solução dos problemas da agropecuária. Observou em entrevista recente
sobre a Amazônia: “O Brasil está como vilão há muito tempo. As viúvas do Muro de
Berlim não morreram. É evidente que a Amazônia está sendo desmatada. Mas 90% ainda
estão preservados. Os outros 10% me preocupam. Agora, não será só proibindo o desmatamento
que vamos resolver o problema. Enquanto a árvore valer mais deitada do que em pé
não há polícia, não há exército que controle o desmatamento. O caminho é a biotecnologia.
Temos de achar pela ciência uma forma de tirar rentabilidade sem degradar o bioma.
No momento em que a ciência botar a árvore em pé valendo mais do que deitada, pode
tirar a polícia da floresta. A primeira forma é o manejo sustentável da árvore.
Hoje, temos técnicas de manejo sustentado com belíssimos resultados. Você corta
a árvore que lhe interessa e dá dinheiro, planta duas ou três no lugar dela”.
Extrativismo de sobrevivência.
Paolinelli colocou então cores fortes, talvez tenha exagerado em muitos aspectos,
mas mostrou por onde se pode resolver sensata e permanentemente o problema: “Nós
temos na Amazônia mais de 25 milhões de pessoas famintas com o IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano) mais baixo do país. Estão fazendo extrativismo. Elas precisam de renda.
Você tem de arrumar uma forma de garantir renda para a população para que, pelo
menos, o trópico úmido não seja mexido. Ele não serve para plantar, para boi. Chove
demais”. De outro modo, só pelo estímulo a novas formas de exploração econômica
(na agricultura e pecuária), bem como pelo aumento da produtividade, será possível
impedir que a floresta seja utilizada para subsistência pura; cessaria então o extrativismo
da sobrevivência. Foi além: “A organização do produtor é outro problema. As cooperativas
do sul conseguem entrar na casa do consumidor europeu, asiático, porque os produtores
são organizados. E na Amazônia e no Nordeste a gente não tem isso”.
Impulso sensato no rumo certo. Em
resumo, os problemas da Amazônia poderiam ser minorados com policiamento mais efetivo,
vigilância mais estrita. São medidas necessárias e urgentes. Contudo, só serão enfrentados
com sabedoria efetiva se, ao longo dos anos, houver aumento expressivo de pesquisas,
procura de métodos novos, aplicação de capitais e organização da produção. A demagogia
vai pelo rumo contrário: com ela, a pobreza se agravará, generalizar-se-á a miséria,
teremos na raiz agravamento das principais causas da presente degradação ambiental.
Caminhando pela estrada iluminada parcialmente pela lanterna de Paolinelli, lucrarão
(e muito) as populações residentes na Amazônia, o Brasil e o mundo. [Postado em
1 de dezembro de 2021]
A produção permanente do caos
Péricles Capanema
Chacina da segurança jurídica.
Caso o plenário do STF decida majoritariamente a favor do relatório (e voto) do
ministro relator Edson Fachin no julgamento do RE 1.037.365 (a momentosa questão
do marco temporal), teremos, inevitavelmente, pelos anos afora, a produção permanente
do caos no campo brasileiro, graduada apenas segundo conveniências dos movimentos
revolucionários e do grupo político que tenha as rédeas em Brasília. Evaporará a
segurança jurídica. E com ela desaparecida, cairá o investimento na agricultura,
minguará o desejo de poupar e produzir dos produtores rurais, a produtividade despencará,
tombarão a geração de emprego e renda. Produção menor, alimentos mais caros nas
cidades.
Conceito de índio. O caos começa aqui.
O leitor já imaginou qual é o conceito de índio segundo o direito em vigor no Brasil?
Quem pode ser chamado de índio no Brasil? Imagine por segundos uma definição, qualquer
uma, e depois tome o choque da realidade. O voto do ministro Kassio Nunes Marques
no referido RE 1.017.365, esclarece com nítida singeleza a noção: “Índio pode ser
entendido como qualquer membro de uma comunidade indígena que seja aceita como tal”.
Vive numa comunidade; é aceito por ela como membro. Pronto. É índio. E comunidades
indígenas podem existir no mato, nas periferias, no arranha-céu de uma grande capital.
Dessa forma, um norueguês imigrante, louro, olhos azuis, com pai e mãe vivendo na
Noruega, e que resolva viver (e é aceito) numa comunidade indígena brasileira, sabe
o que é, segundo o Direito brasileiro? Índio. E, se ao lado dele, estiverem 100
suecos e 200 dinamarqueses nas mesmas condições? Simples, mais 100 suecos e 200
dinamarqueses índios. Pode ser, claro, um norueguês revolucionário profissional,
agitador etc. E que não saiba uma palavra de nenhum dialeto indígena. O professor
José Afonso da Silva, citado por Nunes Marques, reforça a tese: “O sentimento de
pertinência a uma comunidade indígena é que identifica o índio”.
Moradia dos índios.
O caos continua aqui. Onde moram os índios? O ministro Kassio Nunes Marques cita
a estatística mais recente que tinha em mãos: “Em 2010, dos 817.963 índios que habitavam
o país, 315. 180 já se encontravam em cidades, como indicou o Censo Demográfico
realizado pelo IBGE”. Hoje, a proporção será maior; certamente população majoritariamente
urbana. Como viviam nas tabas e cidades? Cita em abono de suas considerações Edson
Vitorelli Diniz Lima: “O que se quer afirmar em linguagem mais vulgar, é que o índio
não deixa de ser índio por usar calça jeans, telefone celular ou computador”. Bons
exemplos, agora. Txaí Suruí, a índia que representou as comunidades indígenas na
COP-26 cursa Direito em Porto Velho. Nasceu lá. A mãe dela (d. Neidinha Suruí) chama-se
e Ivaneide Bandeira Cardoso, é filha de seringueiros, mora em Porto Velho desde
os 12 anos, não tem sangue indígena, próximo pelo menos, tem 5 filhos, dos quais
dois com o cacique Almir Suruí. O seu Almir trabalha em Porto Velho como assessor
de ong indigenista. D. Neidinha tem graduação em História, mestrado em Geografia
e é doutoranda, também em Geografia ▬ universidade federal. À vera, família de ativistas,
que vive do ativismo.
Posse indígena, negotium perambulans in tenebris.
Mais caos derivado de ativismo extremista, que cavalga
irresponsabilidades teóricas e conceitos delirantes. Estes 800 mil índios, dos quais
mais de 300 mil vivem em cidades, segundo o censo do IBGE de 2010, têm em geral
as preocupações do brasileiro comum (emprego, estudo, diversão). Sofre com o desemprego,
assistência precária do Estado, educação ruim. E nas reservas com o garimpo ilegal,
invasões, bandos criminosos. Na maioria das vezes, suas preocupações são as de um
brasileiro de condições modesta: alimentos, emprego, segurança, educação, crescer
na vida. Com base nos institutos do Direito Civil referentes aos vários tipos de
posse e à propriedade, v. g.. usucapião, decadência, prescrição, seria possível
obter situações vantajosas para os indígenas. Favoreceriam seu crescimento pessoal
, prosperidade, inserção e participação na sociedade brasileira. Lembra o ministro
Nunes Marques em seu voto: “A posse civil, baseada na teoria objetiva de Jhering,
é o exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade
(art. 1196 do Código Civil). Consiste na exteriorização fática da propriedade”.
Simples e claro. A posse indígena tem como base a teoria do indigenato, adotada
pela Constituição Cidadã. É um avantesma. O ministro Nunes Marques tentou ▬ inutilmente,
é verdade, talvez por ser tarefa impossível ▬ pôr um pouco de clareza no frankenstein
teórico: “A posse indígena não corresponde ao simples poder de fato sobre uma coisa
para sua guarda e uso, com consequente ânimo de tê-la como própria. É instituto
constitucional embasado na ancestralidade e na valorização da cultura indígena,
cuja função é manter usos, costumes e tradxições”. Atenção, embasada na ancestralidade.
Os índios ali estiveram, têm direitos de ali manter costumes. Inclusive a dona Neidinha,
e as centenas de milhares de pessoas em situações análogas, que de indígena nada
têm. Tudo é muito contraditório? É. Mas a doutrina sobre a qual descansa a legislação,
disse eu, e repito, é um frankenstein. Dá margem para tudo. O próprio ministro Nunes
Marques reconhece que, com base nela, todo o Brasil poderia ser transformado em
terra de posse indígena: “A teoria do indigenato foi desenvolvida no começo do século
XX por José Mendes Junior. Segundo ela, a posse indígena sobre as terras que tradicionalmente
ocupam é tida como direito congênito, inato, anterior à criação do Estado brasileiro.
[...] Em seu grau máximo, a teoria do indigenato teria potencial de eliminar até
o fundamento da soberania nacional. Se o índio era senhor e possuidor de toda a
terra que um dia fora sua, por direito congênito, como poderia o Brasil justificar
o seu poder de mando sobre o território [...] em processo de devolução aos legítimos
senhores?”
Produção do caos. Dorme na curva da
esquina um caos agrário tecido com expropriações sem indenização e inseguranças
insolúveis. Estará sempre ameaçador no horizonte se dormirem no ponto as lideranças
responsáveis. É a espada que paira sobre a cabeça dos produtores rurais. Sobre a
cabeça de cada brasileiro.
Tábua de salvação no PL 490.
Como afastar a ameaça, que pode estar próxima. Há um modo factível, aprovar o PL
490, que já pode entrar em pauta na Câmara Federal. A nova lei instauraria em larguíssima
medida a segurança jurídica no agro brasileiro. [Postada em 3 de novembro de
2021]
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