Retrocesso, atraso,
preconceito e obscurantismo
Péricles Capanema
Desprestígio e prestígio. Retrocesso, atraso, preconceito,
obscurantismo ▬ tantas vezes mortíferas armas de combate publicitário ▬ são correntemente
desfechados como impropérios, repisados a todo propósito. Manifestam, opinião
frequente, bom-mocismo, espírito aberto, arejado, compassivo; enfim, pessoal inconformado
com a suposta dureza dos adversários diante do sofrimento humano ▬ se não
dureza, ignorância, hábitos ronceiros, má-fé. Curto, gente do bem contra gente
errada; autores prestigiados, desprestigiadas as vítimas, em geral com pechas
afrontosas.
São, já se vê, conceitos politicamente
corretos. Nos casos acima mencionados, flecha ou punhal contra adversários. Podem
também bafejar. Exemplo, inclusão social. Outro, solidariedade. Mais um: avanço
civilizatório. Prestigiam quem recebe o apodo e até quem o enuncia. Elitismo
deprecia quem dele for alvo. De fato, temos sem-número de termos, punhais ou bafejo,
conforme o caso; aparecem a todo momento.
Palavras-talismãs. Constituem vocábulos comuns, usuais no dia
a dia, transformados em palavras-talismãs. Explico-me. O professor Plinio
Corrêa de Oliveira em ensaio “Baldeação ideológica inadvertida e diálogo”,
publicado em 1965, cunhou a expressão “palavras-talismãs”, termos que, por
artes da propaganda, passam a ter no público o efeito de um talismã (um
bruxedo). Lançam eflúvios, criam clima; dependendo do caso, encantam, seduzem,
modificam temperamentos, agem nas tendências e convicções. Em rumo contrário, com
carga emocional oposta, inibem, atemorizam e até neutralizam pessoas e grupos
sociais por elas atingidos. Reitero, têm efeitos parecidos à ação do que hoje se
intitula o politicamente correto.
A seguir, abaixo vai um extrato do que na
ocasião delas explicitou o prof. Plinio Corrêa de Oliveira para os conceitos
que atraem o prestígio: “Trata-se de uma palavra cujo sentido legítimo é
simpático e por vezes até nobre; comporta ela, porém, certa elasticidade.
Empregando-se tal palavra tendenciosamente, começa ela a refulgir para o
paciente com brilho novo, que o fascina e o leva muito mais longe do que
poderia pensar. Citemos alguns desses sadios e até nobres vocábulos. Torcidos,
atormentados, deturpados, violentados, de vários modos, a quanto equívoco, a
quanto erro, a quanto desacerto têm eles servido de rótulo! Pode-se mesmo dizer
que os efeitos dessa técnica são tanto mais nocivos quanto mais digno e elevado
é o conteúdo da palavra de que assim se abusa: ‘corruptio optimi pessima’.
Entre as palavras portadoras de um conteúdo digno, assim transformadas em
enganosos talismãs a serviço do erro, podem ser citadas: justiça social,
ecumenismo, diálogo, paz, irenismo, coexistência, etc”.
Simpatias e fobias. Ou xodós e birras. Mostra ele que cada vocábulo
desses, trabalhado e retorcido por ambientes culturais que atuam como caldo de
cultura, suscita uma constelação de simpatias e fobias: “Assim incubados por um
espírito novo, cada um desses vocábulos suscita nas pessoas que se encontram no
estado de espírito indicado acima [...] toda uma constelação de impressões e
emoções, de simpatias e fobias. Esta constelação, como adiante veremos, vai
orientando tais pessoas para novos rumos ideológicos: para o relativismo
filosófico, o sincretismo religioso, o socialismo, a chamada política da mão estendida,
a franca cooperação com o comunismo e, por fim, a aceitação da doutrina
marxista”.
Tais termos, lembra o autor, são dotados de irradiantes
qualidades publicitárias: “Para esses rumos ideológicos a vítima do processo de
baldeação vai sendo cada vez mais atraída pelo prestígio da propaganda. As
palavras-talismãs correspondem ao que os órgãos de publicidade reputam, em
geral, moderno, simpático, atraente. Por isto, os conferencistas, oradores ou
escritores, que empregam tais palavras, só por esse fato veem aumentadas suas
possibilidades de boa acolhida na imprensa, no rádio e na televisão. É este o
motivo por que o radiouvinte, o telespectador, o leitor de jornal ou revista
encontrará a todo propósito essas palavras, que repercutirão cada vez mais a
fundo na sua alma”. Palavras-talismãs têm como sinônimo expressões-talismãs.
Diminuição das desigualdades sociais. Em resumo, são comummente recursos de
guerra publicitária, seja psicológica, seja ideológica. Sobre uma expressão-talismã,
de impacto devastador, pela sua importância, trato agora. Em todos os meios de
divulgação, quando se analisam políticas públicas, ações de governo, trabalho
social, legislação, surge sempre a preocupação: diminuição das desigualdades
sociais. É solicitude de si legítima, nobre em certas ocasiões, urgente em
outras. Pode ser ocasião, contudo, e infelizmente tem sido com relativa
frequência, para políticas de coerção ilegítima do potencial de pessoas e
grupos sociais. Um destaque indispensável: envolve de prestígio quem expressa tal
cuidado. Virou expressão-talismã.
Corta, o panorama vai mudar radicalmente. Em
relação a outro âmbito, temos apatia ou desconhecimento; sua menção não traz
prestígio e ainda pode provocar incompreensão. Não deveria ser assim, tal âmbito
está mais ligado à obtenção da felicidade pessoal, objeto primeiro de todos nós.
A ação da família, das sociedades
intermediárias e até a do próprio Estado, todos seres morais, deveria buscar em
primeiro lugar o bem da pessoa humana, ser substancial, deles participante. No
caso do Estado, é clássico, o Estado busca o bem comum. Podemos dizer, para
todos vale o objetivo de buscar a felicidade; de outro modo, é o ensino de Aristóteles, entre outros, a busca da
perfeição da natureza humana, que é o que traz a felicidade real.
Tal concepção, aliás, reflete-se, pelo menos
parcialmente, nos documentos fundamentais dos Estados Unidos. Influenciados
pelo Direito Natural, os scholars que redigiram a declaração de
independência ▬ recordando os principais, Jefferson, John Adams, Benjamin
Franklin, Roger Sherman, Robert Livingston ▬, ecoando opinião comum na época,
colocam como direitos inatos, fundamentais e inalienáveis, conferidos pelo
Criador, “vida, liberdade e a busca da felicidade”. A busca da felicidade (“pursuit
of happiness”) supõe, claro, a vida e a liberdade. Posta tais premissas, fica no
centro do desvelo a busca da felicidade, indispensável para a promoção da verdadeira
dignidade humana.
Coerção das potencialidades. Como se obtém a perfeição da natureza
humana, e com ela o caminho da felicidade real? Muito resumidamente, fugindo da
atrofia da personalidade, marchando resolutamente na estrada da transformação
das potencialidades em atos ▬ o virtual em real. De outro modo, reconhecendo as
possibilidades de cada um, as mais variadas, e favorecendo sua concretização. A
imposição fria de um princípio geral [no caso, tantas vezes, impor a diminuição
irrefletida das desigualdades pessoais e sociais] sufoca esperanças, cerceia
caminhos, mingua possiblidades.
Potencialidades estimuladas. Em sentido contrário, estimular a busca
pelos extremos das possibilidades de cada um oxigena o ambiente, eleva a
sociedade, favorece o bem comum. Criar condições ou favorecê-las para a
consecução da felicidade pessoal, aqui está: o que mais deveria chamar a
atenção, constituir a primeira preocupação de quem quer promover o bem social.
Cuidado não só de particulares, mas dos homens públicos. Seria grande obra de justiça
social a desobstrução das vias para a plena expansão das potencialidades,
evitando coibir de forma artificial, na obediência servil ao dogma
revolucionário da igualdade, uma sociedade enormemente variada, harmonicamente
desigual. E feliz. Repito, ecoando doutrina aristotélico-tomista, a felicidade virá
com a expansão do potencial de cada um, de outro modo, na busca da plenitude.
As noções de bem comum, bem social, bem
pessoal, deveriam vir nutridas por tais concepções; aliás, prévias e básicas em
qualquer iniciativa benéfica. Aí sim, teríamos acelerados avanços civilizatórios,
estariam postas bases para solidariedade efetiva, bem como assistiríamos a
rápida e gradual inclusão social de setores cada vez mais amplos, hoje
infelizmente reprimidos em muitas de suas qualidades. Constitui retrocesso
evidente evitar tal caminho, traz atrasos dolorosos em especial para os mais
pobres, são políticas que nascem de pré-conceitos (entre eles, a crendice de
que o igualitarismo favorece o progresso, quando, de fato, atrofia o
desenvolvimento humano), perpetuam o obscurantismo, de outro modo, a falta de
clareza a respeito do que à vera representa o progresso na vida. Finalmente, impede
a formação de elites nas mais variadas condições sociais, indispensáveis à promoção
pujante do bem comum. Aqui estão as bases da ordem temporal cristã.
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