O urutu hipnotizou o sabiá
Péricles Capanema
O sabiá-laranjeira, que já era ave-símbolo do
Estado de São Paulo, foi declarado ave-símbolo do Brasil por decreto de 3 de
outubro de 2002. Oficialmente se juntou aos quatro símbolos nacionais:
bandeira, hino, brasão de armas, selo. Apropriadas as escolhas, brasileiríssimo
o sabiá. Representa-nos, como a andorinha à Áustria e a cegonha à Alemanha.
Passo para a cobra. O urutu, sertão afora, intimida mais que a cascavel. Alerta
o matuto, o urutu, quando num mata, aleja.
Os herpetólogos negam que serpente hipnotize passarinho. A ave, descuidada, aproxima-se
por si do réptil imóvel, pronto para o bote. Aceito a ciência, mas vou ficar
aqui com o capiau: o urutu hipnotiza o sabiá. Serve aos objetivos do artigo.
O governo acaba de lançar o mais amplo pacote
de privatizações e concessões desde o governo FHC. Já aviso de saída, eu acho é
pouco, sou favorável à mais abrangente privatização e à utilização crescente
das concessões. Em princípio, quanto maior a presença de capital privado na
economia, melhor. Entre privatizações e concessões, foram anunciados 806
quilômetros na Manaus-Porto Velho, 634 quilômetros na BR-153, 15 terminais
portuários em Belém, Vila do Conde, Paranaguá e Vitória. Doze aeroportos serão
entregues à iniciativa privada, entre os quais Congonhas, o mais movimentado do
País. O governo pretende vender sua participação nos aeroportos de Guarulhos,
Confins, Brasília e Galeão. Ainda 11 lotes de linhas de transmissão de energia,
além de subestações, com obrigação de as empresas vencedoras ampliarem a
distribuição, localizados na Bahia, Ceará, Pará, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí,
Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Tocantins.
De todas, a mais chamativa privatização é a
da Eletrobrás. Haverá emissão de papeis sem subscrição da União que, com isso,
perderá o controle. A estatal opera 12 hidrelétricas e duas termelétricas. Tem
61 mil quilômetros de linhas de transmissão. Paro por aqui.
Poderá ser o fim de um pesadelo. Como é
notório, suas diretorias são leiloadas por políticos. Registrou prejuízos entre
2012 e 2015, deve R$40 bilhões. Segundo cálculos da 3G Radar, gestora de
recursos financeiros, a União (você, contribuinte) ali perdeu cerca de R$186 bilhões
nos últimos 15 anos com o rateio político e a má gestão. E a imprensa, volta e
meia informa, depois do petrolão, virá o eletrolão. Sua venda poderia gerar
R$20 bilhões para os cofres públicos.
Aqui se esgueira o urutu. Em 24 de agosto a
Odebrecht Latinvest anunciou a venda da hidrelétrica de Chaglla, a terceira
maior do Peru, para um consórcio liderado pela China Three Gorges Corporation (CTG), estatal chinesa, por
aproximadamente 1,4 bilhão de dólares. Às vezes faz falta lembrar o óbvio, a
CTG é inteiramente dirigida pelo governo e pelo Partido Comunista Chinês (PCC).
Um dia depois, 25 de agosto, o Estadão
noticiou, na China o presidente Michel Temer vai oferecer o pacote de
privatizações e concessões a empresários chineses. Entre os ativos, as quatro
usinas da CEMIG: Miranda, São Simão, Volta Grande e Jaguara. O pacote ofertado
aos chineses destacará projetos de energia, aqui a Eletrobrás, terminais
portuários, transportes, rodovias, hidrovias, ferrovias. Segundo Tarcísio
Freitas, secretário de coordenação de projetos da PPI (Programa de Parcerias de
Investimentos), membro da comitiva presidencial, para 1º de setembro está
agendada reunião do Presidente com o SPIC (State
Power Investment Overseas) para propor os negócios. O SPIC, grupo
empresarial chinês, 140 mil funcionários, ativos de 126 bilhões de dólares, é estatal.
De outro modo, repito, dirigida pelo governo e pelo Partido Comunista Chinês. Constitui
exemplo revelador de pelo menos um tipo de “empresários chineses” (membros do
PCC) para os quais será apresentado o pacote de negócios.
A privatização tupiniquim tem apresentado isso
de extraordinário: entrega maciça de estatais brasileiras para estatais
chinesas. Com um agravante: quem mandava nelas eram os partidos da base aliada.
Foram foco de roubalheira debandada e incompetência demolidora. Quem vai mandar
em parte de tais empresas a partir de agora, ou daqui a pouco, será o Partido
Comunista Chinês. E passarão a ser instrumentos (descarado, oculto, disfarçado,
irá da hora) da política do Partido Comunista Chinês. João Carlos Mello,
presidente da Thymos, consultoria do setor elétrico, observou: “Os chineses não
gostam de nada pulverizado”. Exemplificou, no segundo semestre de 2016, a State Grid, estatal chinesa, comprou da
Camargo Corrêa, os 23% que esta empresa detinha na CPFL (Companhia Paulista de
Força e Luz). Nos meses seguintes, os chineses foram adquirindo participações
minoritárias. A partir de janeiro de 2017, a State Grid se tornou controladora da CPFL (54,6%). De passagem, a
CPFL atende 679 municípios e tem 9,1 milhões de clientes nos estados de São
Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais.
Não custa lembrar, de momento, a China e a
Rússia, voltando as costas para a fome, prisões e assassinatos do povo, estão
apoiando a tirania chavista na Venezuela. Aqui no Brasil, o PT também apoia o
ditador Maduro. Sintonias.
A que política servirão as estatais chinesas
no Brasil? Em quadro mais amplo, na África e América Latina, a China está
fincando estacas de seu poder que, oportunamente, será usado contra a
influência dos Estados Unidos. Que papel terá o Brasil na implantação desses
objetivos do PCC? Já aviso, se o setor elétrico brasileiro e outras áreas forem
entregues ao PCC, o PT vai deixar de falar contra a privatização. O partido tem
favorecido interesses de seus aliados, os comunistas chineses.
Por que ninguém comenta o óbvio ululante? Parte
da resposta também é óbvia. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Grosso modo, tem conosco as relações econômicas
clássicas de metrópole e colônia. Recebe matéria-prima, vende produtos
industrializados. Se agirmos contra seus interesses, poderá rapidamente comprar
nossos produtos de outros fornecedores. E aí teremos queda de exportações,
diminuição do PIB, quebra de empresas, demissões. Ninguém gosta de confessar,
mas o silêncio é sintoma de protetorado seminal, construído por anos e anos de
distanciamento consciente dos mercados norte-americano e europeu. Ia utilizar
distanciamento criminoso, ainda acho que talvez fosse mais apropriado. As instituições
nacionais, órgãos do Estado, por patriotismo, até mesmo por dever constitucional
têm o olhar posto nos perigos à soberania e à independência do Brasil. Decepcionariam
fundo os melhores brasileiros se soubessem não estarem alertas a respeito que
deles têm o direito de esperar, pelos canais adequados, palavras orientadoras.
De norte a sul são alardeadas enormes possibilidades
de negócios com a China, ao tempo do silêncio sobre os perigos. Motivo? O parágrafo
acima não traz tudo. Têm ainda seu peso a insciência, a superficialidade de
espírito, o otimismo doentio. Faltaria algo? Meu medo, o urutu hipnotizou o
sabiá.
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