Imposição totalitária
Péricles Capanema
A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
instalou sanitários unissex em seu campus da rua Monte Alegre e logo procurou
justificar-se: “A PUC-SP, atenta à diversidade de sua comunidade universitária,
composta por alunos, professores e funcionários, buscou contemplar a todos com
a implantação do banheiro unissex. A Instituição ressalta que estes sanitários
são de uso comum, não direcionados a públicos específicos”. A diversidade,
formada por alunos, professores e funcionários, nunca levaria aos banheiros
unissex. Diversidade aqui evoca outras realidades que a PUC, pisando em ovos,
preferiu não nomear explicitamente.
Trato a seguir de tema por muitos pressentido, mas por
ninguém ainda levantado, pelo que me consta. É medida precursora. Com o tempo, outras
instituições católicas promoverão iniciativas semelhantes que consolidarão a
mesma direção demolidora. E a própria PUC-SP, assimilado o choque do passo
pioneiro, provavelmente também radicalizará na direção agora anunciada,
passando por cima de mal-estares e oposições, em especial de professoras e
alunas. Assistimos a ensaios de implantação de um programa de evidente caráter
discriminador e excludente de setores conservadores que estraçalha o mais
interior da personalidade, porá em tela de juízo até o direito de o homem ser
homem e de a mulher ser mulher.
De outro modo, se reações enérgicas não surgirem
vitoriosas, teremos em instituições católicas, hoje já amplamente infeccionadas
por doutrinas negadoras até da existência da natureza humana, medidas
favorecedoras do homossexualismo, transsexualismo e ideologia de gênero. Agride-nos
programa revolucionário radical (vai até as raízes da pessoa humana), a ser levado
a cabo, é o que de momento parece, sobretudo de forma girondina.
A decisão chocante traumatizou, prima facie, por vir de instituição católica. Há evidente
desnaturamento — poderia utilizar traição no lugar de desnaturamento — dos intuitos
que deram origem à PUC – SP, ideais, na origem, santos. As PUCs tiveram no
Brasil como grandes inspiradores dom Sebastião Leme e o padre Leonel Franca.
Seu objetivo, recristianizar, se quisermos, recatolicizar em especial as elites
brasileiras, até então presas do indiferentismo, do agnosticismo e do
anti-clericalismo. O Brasil das décadas 10, 20 e 30 era constituído por uma ampla
maioria católica, apática e sufocada, dirigida por minorias descrentes. A PUC
em São Paulo foi ainda vista como contraponto à fundação da USP, de clara inspiração
racionalista.
Mais remotamente, a implantação das PUCs refletia ideal
de restauração, reconquistar para a Igreja as camadas intelectuais e, com elas,
caminhar rumo à ordem temporal cristã. Tais anseios no Brasil ecoavam movimentos
europeus, cujo coração palpitava na Santa Sé. Sob o ponto de vista da história
pátria, convém ainda ter em vista, vivíamos a época dos grandes projetos de
reconstrução nacional; o católico era um deles.
Lembro pontos da ideologia de gênero, que está na base
da referida investida revolucionária, da qual a PUC-SP se transforma, no
mínimo, em companheira de viagem. Digo no mínimo, pois muitas dessas doutrinas
ganham ali de forma crescente adeptos entre professores e alunos. De
companheiros de viagem passam a promotores. Foi assim e continua sendo na
esquerda católica de matiz político e social, repete-se a realidade macabra nas
correntes revolucionárias que buscam mudar o interior do próprio homem,
negando-lhe natureza, inclinações, funções complementares aos dois sexos.
Segundo afirma a referida ideologia, o gênero é
construção meramente social e cultural, não tem base natural, de outro jeito, independe
do sexo biológico. Nasceu fêmea, pode escolher o gênero masculino. Nasceu
macho, pode escolher o feminino. Ao longo da vida, modifica escolhas, se
quiser, pois gênero e sexualidade são mutáveis. Shulamith Firestone, das mais
conhecidas promotoras do movimento, afirma: “O gênero é uma construção
cultural. Homem e masculino poderiam significar tanto um corpo feminino como um
masculino; mulher e feminino tanto um corpo masculino como um feminino. A meta
definitiva da revolução feminista é acabar com a própria diferença de sexos”.
Chamei a atenção para um movimento em marcha, que já agora coloca em sua farândola
depravada instituições católicas. O curso da lógica reclama a constatação
inevitável, suas imposições totalitárias lembram a eugenia nazista e a criação
do homem novo da mitologia comunista.
Para finalizar, o magistério de Bento XVI a respeito, discurso
de 21 de dezembro de 2012 à Cúria Romana, servirá de bálsamo: “Na questão da família, não está em jogo
meramente uma determinada forma social, mas o próprio homem:
está em questão o que é o homem e o que é preciso fazer para ser justamente homem.
[...] Se antes tínhamos visto como causa da crise da família um mal-entendido acerca da
essência da liberdade humana, agora se torna claro [...] está em jogo a visão
do próprio ser, do que significa realmente ser homem. [...]
Hoje, sob o vocábulo ‘gender – gênero’, é apresentado como nova filosofia da
sexualidade. De acordo com tal filosofia, o sexo já não é um dado
originário da natureza que o homem deve aceitar e preencher pessoalmente de
significado, mas uma função social que cada qual decide autonomamente [...] Salta
aos olhos a profunda
falsidade desta teoria e da revolução antropológica que lhe está subjacente.
O homem
contesta o fato de possuir uma natureza pré-constituída pela sua corporeidade
[...]. Nega a sua própria natureza, decidindo que esta não lhe
é dada como um fato pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria. De acordo
com a narração bíblica da criação, pertence à essência da criatura humana ter
sido criada por Deus como homem ou como mulher. Esta dualidade é essencial para
o ser humano, como Deus o fez. É precisamente esta dualidade como ponto de partida
que é contestada. Deixou de ser válido aquilo que se lê na
narração da criação: ‘Ele os criou homem e mulher’ (Gn 1, 27). Isto deixou de ser válido,
para valer que não foi Ele que os criou homem e mulher; mas teria sido a
sociedade a determiná-lo até agora, ao passo que agora somos
nós mesmos a decidir sobre isto. Homem e mulher como realidade da criação, como
natureza da pessoa humana, já não existem. O homem contesta a sua própria natureza;
agora, é só espírito e vontade. A manipulação da natureza, que hoje deploramos
relativamente ao meio ambiente, torna-se aqui a escolha básica do homem a
respeito de si mesmo. Agora existe apenas o homem em abstrato,
que em seguida escolhe para si, autonomamente, qualquer coisa como sua
natureza. Homem e mulher são contestados como exigência, ditada pela criação,
de haver formas da pessoa humana que se completam mutuamente. Se, porém, não há
a dualidade de homem e mulher como um dado da criação, então deixa de existir também a
família como realidade pré-estabelecida pela criação. Mas, em
tal caso, também
a prole perdeu o lugar que até agora lhe competia, e a
dignidade particular que lhe é própria. [...] Chega-se necessariamente a negar o próprio
Criador”. E nós chegamos necessariamente à conclusão que, inexistindo reações
enérgicas, instituições católicas se preparam para esbofetear o ensinamento
pontifício.
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