Encenação confrangedora
Péricles Capanema
Por volta de abril de 1964 no mensário Catolicismo li “Pensando,
criticando, matizando e esperando na borrasca do século XX”, coluna ou artigo,
não sei bem, de Plinio Corrêa de Oliveira. O título, fácil de gravar, esboçava programa
de vida intelectual, mais ainda, de vida. Ficou na memória.
Até hoje, a todo propósito, a frase me volta ao espírito. Alguma coisa
digna de nota caiu debaixo dos olhos? Não a deixe passar em branco. Sobre ela reflita
com calma, critique com severa objetividade, mas sem amargor, examine até o
fundo as circunstâncias, podem mudar em 180 graus seu juízo a respeito e, mesmo
na borrasca, sob a luz da Fé e com esteio no que naturalmente possa existir de
bom naquela realidade, não desanime, menos ainda desespere. Com prudência, olhar
esperançoso.
Voltou hoje quando lia sobre o dia contra o Aedes aegypti. Todos juntos no sábado, sob as
ordens da presidente Dilma Rousseff. Até Alexandre Trombini, presidente do
Banco Central, calça jeans e camiseta polo, meio perdido, circulou por umas
duas horas por Brazilândia no Distrito Federal. Depois, sumiu. Elivaldo,
funcionário público, chutou: ▬ Não conheço. Ele é o ministro da Saúde, né? ▬ D.
Rita, ali por perto, garantiu: ▬ Sei quem é. É o ministro da Saúde. ▬ Irmanado no
mesmo combate, Sérgio Danese, ministro interino das Relações Exteriores deixou
Brasília e chegou a São José dos Campos no final da manhã, já nas ruas as
equipes. Acompanhado do prefeito, ele também foi agente de controle e visitou
algumas casas, ensinando o pessoal a combater o mosquito. No Rio de Janeiro, depois
da visita a algumas residências da comunidade Zepelin, a Presidente iniciou com
estudada solenidade a entrevista que marcava o dia com estas palavras: ▬ Nós
estamos, a Presidente, o Governador do Rio de Janeiro, o Prefeito do Rio de
Janeiro, e as Forças Armadas, os agentes de saúde, enfim, todos mobilizados
nessa grande mobilização que nós estamos fazendo no dia de hoje [...] que é o
início da campanha mais presencial que o governo federal fará para a questão do
mosquito. ▬ É isso aí.
Cenas assim se repetiram Brasil afora. Presidente,
vinte e oito ministros, altos funcionários, a maior parte jejuna do assunto, acompanhados
sempre da imprensa, varando o Brasil no jato presidencial ou de jatinho para evidenciar
a determinação do governo em acabar com os três cavaleiros do Apocalipse que, todos
percebem, por desleixo de décadas do governo, vão tomando conta do país:
dengue, febre chikungunya e zika vírus.
É modo sério de combater epidemia? País quebrado,
dinheiro torrado a rodo num show de triste realização? Como evitar a penosa sensação
do disparate?
Houvesse seriedade, uma primeira medida saltaria de
imediato: para o ministério da Saúde nomear grande especialista, com prática de
gestão, suprapartidário, com carta branca para comandar todos os esforços no
combate à epidemia; um outro dr. Adib Jatene, enfim. A situação no público mudaria
instantaneamente da água para o vinho. Óbvio ululante, teria impacto maior que
a fuzarca toda do Dia Nacional
de Mobilização para o Combate ao Mosquito Aedes Aegypti (nome oficial da peça
publicitária).
Claro, dessa
medida não se fala, as prioridades são outras. O ministro não é o roliço Alexandre
Trombini, como achavam transeuntes interessados na movimentação rara em Brazilândia.
O esguio Marcelo Castro é o autêntico titular. Médico psiquiatra, três mandatos
de deputado estadual e cinco de deputado federal, é membro antigo do baixo
clero, pinçado para o cargo para garantir votos do PMDB em eventual processo de
impeachment.
Apesar da
escolha fisiológica, o ministro teve, dias atrás, o mérito inegável de pôr o
preto no branco no grave assunto, proclamando que o Brasil estava perdendo a
guerra contra o mosquito. Completou: ▬ Não podemos correr o risco de
termos no futuro uma geração de sequelados, de retardados mentais. O problema é alarmante porque está acontecendo no Nordeste, vai
acontecer no Brasil inteiro, vai acontecer nos países tropicais inteiros. É uma
epidemia de perspectivas mundiais, temos 30 anos de convivência
com o mosquito. Não quero culpar ninguém, mas houve uma contemporização com o
mosquito.
Sei, ainda não está provado que o
zika vírus causa a microcefalia. A Organização Mundial de Saúde prometeu para
as próximas semanas a confirmação (ou o contrário). De qualquer maneira, é
urgente o combate ao mosquito e é sensato o temor do dr. Marcelo. Em 2015 tivemos
1,6 milhão de casos de dengue no Brasil, 836 mortes (só considerando a dengue).
E, nesse sentido, a gigantesca movimentação propagandística do sábado último ajudou
muita gente a tomar medidas saneadoras. Avanço positivo num objetivo
fundamental, o aumento da conscientização, mas executado de maneira abusiva,
por alguns vista até como inescrupulosa.
Marcelo Castro falou em geração de
sequelados, de retardados mentais. Linguagem dura, evidencia que o assunto
exige a maior seriedade. Por respeito, em especial às mães de bebês atingidos
pelas sequelas do zika (admitida a relação de causa e efeito) é urgente poupar
ao povo brasileiro novos e custosos espetáculos midiáticos como o que o Brasil
presenciou consternado no último dia 11. Infelizmente, o governo petista é
useiro e vezeiro em grandes shows publicitários no lançamento de programas que
depois são executados na bagunça e na irresponsabilidade, com farta
roubalheira, haja vista os vários PACs.
Pensar, criticar, matizar, esperar. O
chocante Dia Nacional de
Mobilização para o Combate ao Mosquito Aedes Aegypti me relembrou o “pensar,
criticar, matizar, esperar”. Reconheço, para todos nós, teria sido melhor a
ausência da ocasião.
Nenhum comentário:
Postar um comentário