Se eu aparecer,
atrapalho
Péricles Capanema
Disfarces arteiros. José Dirceu, mestre na camuflagem, desde cedo
considerado bom político, está de volta; veio para ficar, influir de novo. De
momento, atua nas sombras. Até quando permanecerá furtivo, esquivo na bruma
Daniel, Pedro Caroço, Carlos Henrique Gouveia de Melo? Ninguém sabe. Primeira
incursão da retomada, é dos articuladores da campanha lulista. Na esteira do
estilo submerso, seu nome e foto não saem nos encontros de preparação da
candidatura petista. Foi sincero com Fábio Zanini da Folha: “Se eu aparecer,
atrapalho”. Surpreendeu, soou para alguns na esquerda mais que sinceridade, teve
ares de sincericídio.
Se aparecer, atrapalha, vale para quase todo
mundo na arremetida petista. Só Dirceu falou, mas o problema é generalizado. Atinge pessoas,
intenções, promessas. O que vem sendo encoberto? Parte do que será
executado (e já está combinado) nos quatro (talvez oito) anos, caso Lula vença
em outubro. E chefões petistas que irão mandar nos próximos anos. Não é difícil
conjeturar o futuro, basta olhar para trás e para os personagens em cena. E
conjeturas objetivas não permitem ilusões. Medidas de esquerda radicalizada já
estão combinadas na política externa (alinhamentos com China, Venezuela, Cuba,
Nicarágua, Rússia, distanciamento dos Estados Unidos) e, na interna, por
exemplo, INCRA, sempre entregue às alas de programa mais revolucionário do PT.
Desta vez, não será diferente, o MST voltará triunfante, agitando. intranquilizando
e torrando dinheiro público sem escrúpulos. Outras providências virão na mesa
trilha, como escolha de extremistas para comandos na área educacional, indicação
de ministros dos tribunais superiores. O conjunto configuraria quadro tétrico.
Economia e camuflagem. Analistas políticos observam, nesta eleição
a economia assoma como tema principal: inflação, desemprego, preço do diesel,
da gasolina, do gás de cozinha, dos alimentos de primeira necessidade, como
feijão, arroz, carne, açúcar, tomate, cenoura, mamão. Parecem objetivos. “It’s
the economy, stupid”, recordando James Carville. Contudo, permito-me notar, reflexão
fundamental ficou de fora. A eleição pende igualmente do êxito do despiste.
Muita luz atrapalha. Postos à luz do dia, revelados programas, desígnios,
medidas já combinadas, a rejeição pulará de patamar, cairá intenção de votos. Tudo
está sendo para não aumentar o já inchado índice de rejeição. “Veritas vos
liberabit” (Jo 8, 32) tem no caso aplicação oportuna. Alteia-se aqui, sob
vários aspectos, ponto ápice do embate eleitoral. Camuflar versus revelar.
Tirar o véu, desvelar, é a mais decisiva providência; não custa recordar, a
mais ligada ao índice de rejeição.
Retrocesso totalitário. Se a camuflagem vencer, além do que está
acima, as estatais, de novo inchadas e aparelhadas, serão outra vez saqueadas e
entregues a sobas de partidos ávidos de poder e dinheiro. Festejarão os apparatchiki, festejarão dezenas de milhares de
chefetes incompetentes e despóticos de alto a baixo da máquina pública, de
norte a sul. Imperícia, roubalheira, obscurantismo. Sofrerá o Brasil deteriorado,
sofrerão investimento, emprego e renda, sofrerão os pobres. De forma
particular, estarão esfrangalhados interesses fundamentais da aliança ocidental.
Minguarão as luzes das liberdades naturais, direitos populares serão aniquilados,
nos distanciaremos de avanços civilizatórios, afundaremos em retrocessos
totalitários. É o rumo, basta ver os modelos que atraem os olhares fascinados dos
mais relevantes tubixabas petistas: Cuba, Venezuela, China, Rússia.
Todos prejudicam? Em termos, alguns ajudam. Se aparecerem,
ajudam. Lula perdeu, quando não teve camuflagem forte (1989, 1994, 1998).
Ganhou, quando as utilizou (as principais foram José Alencar em 2002 e 2006; Michel
Temer em 2010 e 2014, com Dilma, a mais da “Carta ao povo brasileiro”). Sobre
tal manobra, comentou o ex-senador Pedro Simon: “"O
seu nome [de José Alencar] colocado como vice deu um significado especial. As
interrogações, as dúvidas com relação a Lula, desapareceram”. Hoje, cabe em
especial a Geraldo Alckmin o papel de José Alencar, dissipando interrogações e
dúvidas. Em curto, impedir que o vendaval das desconfianças derrube o
arcabouço petista, de fato aterrador, montado para jugular o Brasil.
Conseguirá? É cedo para dizer, depende de muitos fatores.
O receio da rejeição. De outro modo, rejeição alta impossibilita
vitória. Aconteceu recentemente sintoma revelador, sobre ele direi rápidas palavras.
Podem apostar, situações parecidas pipocarão daqui a pouco Brasil afora, por
meios vários. Alexandre Kalil é pré-candidato a governador de Minas Gerais,
chances boas (até agora) de levar. Político de raiz popular, o antigo burgomestre
de Belo Horizonte fez sua carreira com base em eficiência, preocupação com
medidas sociais, estadeando autoridade, senso prático, franqueza e desembaraço.
Pouca ou nenhuma carga ideológica, ou seja, já que não despertava temores, em
princípio teria potencial vasto para ampliar eleitorado. Não despertava
temores, ponto essencial para crescer eleitoralmente.
Água na fervura. De repente, despertou receios. E ele receou
a aversão. Agiu rápido. Logo depois do acordo PSD-PT que entregou a vice da
chapa de Kalil para o PT e afiançou o apoio irrestrito a Lula na disputa
nacional, o ex-alcaide terá visto cumulonimbus no horizonte político. Rápido, abriu
guarda-chuvão em apressada entrevista ao jornal “O Globo”, amplamente
divulgada, para ele oportuno e necessário fogo de barragem. Com efeito, com o
acordo PSD-PT, Alexandre Kalil pela força dos fatos se tornou favorecedor da
volta do petismo ao poder nacional. Avaliza e propaga Lula no segundo colégio
eleitoral do Brasil Hoje, companheiro de viagem camufla, oculta sua condição deprimente.
Sabe bem se ela ficar clara, atrapalha. Contudo, a lógica comezinha comanda a
conclusão, virou um dos grandes promotores do retrocesso petista. A mencionada
entrevista a “O Globo” é toda orientada pelo saliente desejo de impedir o
aumento da rejeição ▬ rejeição alta é derrota certa, ele sabe bem. Se conseguirá dissolver a desconfiança, são
outros quinhentos.
Favorecedor da ideologia e programa petistas. A primeira constatação, a recente posição de
Kalil favorece ideologia e programa petistas, pois sua aliança facilita a
tomada de poder por partido alentado por seita totalitária e coletivista,
geradora de exclusão, atraso e pobreza em todos os lugares onde pôde aplicar
suas teorias. Compreensivelmente, é o que o experiente político em primeiro
lugar procura negar. Esbofeteando a evidência, tenta tirar o estigma da testa.
Não quer se associar a disputas ideológicas, precata inutilmente ▬ já está
associado, brota necessariamente do cambalacho pactuado. A coisa é lisa,
promete Kalil com argumentação tremelicante: “Na vida a gente tem que ter
coerência. Eu tenho uma forma de pensar, o Ciro tem a mesma e o Lula também
tem. É o lado que pensa e que cuida de gente”. Alexandre Kalil cavalga na
argumentação. Em relambório espantoso, procura desesperadamente empilhar razões
(desenxabidas e chochas), tentando descolar de si o ferrete, agora inevitável de
linha auxiliar do PT: “Eles estão um pouco
assustados que o cara que veio da iniciativa privada. Tentam tachar de foice,
martelo, comunismo. Esse não é meu papo. Meu papo é cuidar de gente”.
Pobre é prejudicado com
menos investimento, emprego e renda. O governo petista afugentará investidores; daí, em
cascata, menos progresso, menos emprego, menos renda, menos impostos. Prossegue
Kalil igualmente nevoento e xacoco, foi o máximo que encontrou para tentar
limpar da face os respingos do contubérnio conspurcador: “Eu tive oportunidade, não sou pobre, não ando
de ônibus. Tenho caneta, relógio de ouro, tudo isso. Mas no governo eu cuidei
de pobre. Quem cuida de pobre é poderoso e rico.
Porque não adianta, o pobre nunca vai poder cuidar do pobre, porque não aguenta
nem cuidar de si”. Como qualquer um sabe, um gestor, quando no governo, rico ou
pobre, pode agir a favor ou contra os interesses dos pobres, não aplica
dinheiro seu. À vera, parece desespero de quem foi pego com a boca na botija;
procura livrar-se do malfeito de qualquer jeito.
Clareza, a solução. A propaganda eleitoral
petista, e de seus aliados de ocasião, via de regra companheiros de viagem, só terá
êxito quando ambígua e esquiva. Com camuflagem. Se aparecer clara, atrapalha,
avisou José Dirceu. A luz do sol é o melhor antisséptico, alhures e aqui. O
Brasil reclama e merece clareza.
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