Foco no sucesso
Péricles
Capanema
Você
consegue encontrar expressão portuguesa que traduza bem “soft skills”? “Soft”,
todo mundo sabe, é mole, macio, suave, jeitoso. A expressão no caso provém da
vida profissional, tem relação próxima com personalidade e habilidades para se
manter e subir no emprego. No oposto, estão as “hard skills”, competência e
conhecimentos técnicos, também necessários para atuar profissionalmente. Se ainda
não tem na ponta da língua uma expressão adequada em português, vai pensando nela
enquanto apresento alguns dados. Pesquisa divulgada pela inglesa Debrett’s Academy
indica que via de regra 85% do sucesso no emprego é devido aos “soft and people
skills” e não às destrezas e conhecimentos técnicos próprios a cada área de
atividade (as “hard skills”). “Soft skills” são habilidades que faltam no
mercado. É usual que as universidades, mesmo as mais conceituadas, embora a
seus formandos propiciem conhecimento solido e enorme bagagem técnica, falhem
na hora de proporcionarem as chamadas “soft skills” e “people skills”.
E aí a Debrett’s Academy, ligada a editora de
grande prestígio e sucesso, informa que foi fundada em 2012 para enfrentar, melhor
dizendo, suprir pelo treinamento o déficit nas “soft skills” da maioria dos
executivos ou aspirantes a tal. A mencionada organização britânica treina
executivos em primeiras impressões, impacto pessoal, falar em público, relações
humanas, tutano na negociação, hospitalidade no ambiente de trabalho, etiqueta
nos negócios internacionais. Tudo isso cai dentro das “soft skills”.
Na revista norte-americana Forbes, reputada
publicação dedicada ao mundo dos negócios, artigo de Jacquelyn Smith trata do tema
e enumera qualidades integrantes das “soft skills”. Respigo algumas a seguir. A
primeira é a aptidão para se relacionar com outras pessoas, ser persuasivo, ter
facilidade na palavra escrita e na oral. E daí apresentar grande capacidade de
comunicação. A autora a julga a principal característica das “soft skills”
(aliás, para ela “soft skills” e “people skills” são a mesma coisa; vou a
partir de agora seguir nessa trilha). Outra característica, paciência com
outros, agir sempre com serenidade nos seus meios. Mais uma, saber como e
quando mostrar empatia, ter facilidade em se colocar no lugar dos outros quando
debulha um assunto ou tenta encontrar uma saída. Capitula ainda, saber ouvir
com atenção amável, deixar que as pessoas comecem e terminem a exposição do pensamento.
Mais outra, interesse genuíno pelos assuntos levantados por colegas. Qualidade
reputada essencial dentro das “soft skills”: saber o que, como, onde e a quem
dizer [na linguagem coloquial, não ser gato louco]. Outra, conhecer e utilizar
a linguagem dos gestos e posturas. Bons modos, boa educação. “Don de gente”,
lembraria um hispano, é parte das “soft skills”.
A academia consegue entregar tais ferramentas? Difícil.
Acho que percebo, alguns leitores já têm a resposta na ponta da língua: o local
próprio para ensinar tudo isso, e desde a mais tenra infância, é a família.
Mais ainda: a família e os ambientes familiares. Acertaram na mosca.
Corta. Aparentemente, vou dar um cavalo-de-pau. O
liame será a importância da família no sucesso social e empresarial. Todos têm
exemplos domésticos, mais relevantes ou de menor importância para provar como
se adquire e quão importante são “soft skills”.
Um exemplo que vale a pena lembrar está na história
e na literatura da França. Enquanto lia o artigo me vinha à mente uma família, cujos
membros por mais de século e meio tiveram enorme expressão na vida da corte, na
sociedade, na França em geral, com ecos na literatura: a família Mortemart-Rochechouart.
Hoje, tem até verbete na wikipédia.
Não tinha fortuna grande, tropas, cargos, mas se
assinalava nas “soft skills”. Destacava-se pela presença, vivacidade, arte de
conversar. Atraía a admiração, influía. Foi lembrada por memorialistas famosos,
como o duque de Saint-Simon, escritoras célebres como madame de Sévigné, Marcel
Proust em sua obra “À la recherche du temps perdu” criou uma personagem, a
duquesa de Guermantes, inspirada nas damas da família Mortemart. Talleyrand,
considerado por Napoleão, o “rei da conversa na Europa” e dos maiores
diplomatas franceses, em suas memórias, não deixa de notar que foi educado por
sua bisavó, que era da família Mortemart. A família chegou a caracterizar um
tipo de espírito, o espírito Mortemart, feito de naturalidade, precisão,
vivacidade, capacidade de expressão que conjugava força, delicadeza e encanto.
Por que lembro tais fatos? Para destacar com um grande
exemplo a importância da educação familiar. Bem-feita, repercute por gerações,
influi de forma determinante em todos os aspectos da vida, aqui incluídos governos,
finanças, carreira das armas, tanta coisa mais.
Nelson
Rodrigues certa vez escreveu: “Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos”. Quando os
economistas falam do persistente subdesenvolvimento brasileiro, recomendando
com razão mais investimento, maior produtividade, educação da mão-de-obra,
melhoria no ambiente de negócios e outras providências, às vezes me recordo do
dito provocador de Nelson Rodrigues: “subdesenvolvimento não se improvisa, é
obra de séculos”. Difícil sair dele, receitas apressadas escondem muito das
correntes que nos atam.
Com deixá-lo
para trás? Uma via, embora insuficiente, cultivo maior das “soft skills”. De
outro modo, pelo fortalecimento da educação familiar em todas as condições
sociais. Supõe sanidade, é difícil tornar realidade a aspiração, mas tê-la em
vista é essencial. Dos ambientes familiares nasce tudo de importante na vida
das sociedades.
Para acabar, não
encontrei tradução boa para “soft skills”. Uma pesca em manual técnico traz:
competências transversais. Fraquíssima. Fico sem ela, mas com a noção viva. Importa mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário