domingo, 27 de outubro de 2019

Foco no sucesso


Foco no sucesso

Péricles Capanema

Você consegue encontrar expressão portuguesa que traduza bem “soft skills”? “Soft”, todo mundo sabe, é mole, macio, suave, jeitoso. A expressão no caso provém da vida profissional, tem relação próxima com personalidade e habilidades para se manter e subir no emprego. No oposto, estão as “hard skills”, competência e conhecimentos técnicos, também necessários para atuar profissionalmente. Se ainda não tem na ponta da língua uma expressão adequada em português, vai pensando nela enquanto apresento alguns dados. Pesquisa divulgada pela inglesa Debrett’s Academy indica que via de regra 85% do sucesso no emprego é devido aos “soft and people skills” e não às destrezas e conhecimentos técnicos próprios a cada área de atividade (as “hard skills”). “Soft skills” são habilidades que faltam no mercado. É usual que as universidades, mesmo as mais conceituadas, embora a seus formandos propiciem conhecimento solido e enorme bagagem técnica, falhem na hora de proporcionarem as chamadas “soft skills” e “people skills”.

E aí a Debrett’s Academy, ligada a editora de grande prestígio e sucesso, informa que foi fundada em 2012 para enfrentar, melhor dizendo, suprir pelo treinamento o déficit nas “soft skills” da maioria dos executivos ou aspirantes a tal. A mencionada organização britânica treina executivos em primeiras impressões, impacto pessoal, falar em público, relações humanas, tutano na negociação, hospitalidade no ambiente de trabalho, etiqueta nos negócios internacionais. Tudo isso cai dentro das “soft skills”.

Na revista norte-americana Forbes, reputada publicação dedicada ao mundo dos negócios, artigo de Jacquelyn Smith trata do tema e enumera qualidades integrantes das “soft skills”. Respigo algumas a seguir. A primeira é a aptidão para se relacionar com outras pessoas, ser persuasivo, ter facilidade na palavra escrita e na oral. E daí apresentar grande capacidade de comunicação. A autora a julga a principal característica das “soft skills” (aliás, para ela “soft skills” e “people skills” são a mesma coisa; vou a partir de agora seguir nessa trilha). Outra característica, paciência com outros, agir sempre com serenidade nos seus meios. Mais uma, saber como e quando mostrar empatia, ter facilidade em se colocar no lugar dos outros quando debulha um assunto ou tenta encontrar uma saída. Capitula ainda, saber ouvir com atenção amável, deixar que as pessoas comecem e terminem a exposição do pensamento. Mais outra, interesse genuíno pelos assuntos levantados por colegas. Qualidade reputada essencial dentro das “soft skills”: saber o que, como, onde e a quem dizer [na linguagem coloquial, não ser gato louco]. Outra, conhecer e utilizar a linguagem dos gestos e posturas. Bons modos, boa educação. “Don de gente”, lembraria um hispano, é parte das “soft skills”.

A academia consegue entregar tais ferramentas? Difícil. Acho que percebo, alguns leitores já têm a resposta na ponta da língua: o local próprio para ensinar tudo isso, e desde a mais tenra infância, é a família. Mais ainda: a família e os ambientes familiares. Acertaram na mosca.

Corta. Aparentemente, vou dar um cavalo-de-pau. O liame será a importância da família no sucesso social e empresarial. Todos têm exemplos domésticos, mais relevantes ou de menor importância para provar como se adquire e quão importante são “soft skills”.

Um exemplo que vale a pena lembrar está na história e na literatura da França. Enquanto lia o artigo me vinha à mente uma família, cujos membros por mais de século e meio tiveram enorme expressão na vida da corte, na sociedade, na França em geral, com ecos na literatura: a família Mortemart-Rochechouart. Hoje, tem até verbete na wikipédia.

Não tinha fortuna grande, tropas, cargos, mas se assinalava nas “soft skills”. Destacava-se pela presença, vivacidade, arte de conversar. Atraía a admiração, influía. Foi lembrada por memorialistas famosos, como o duque de Saint-Simon, escritoras célebres como madame de Sévigné, Marcel Proust em sua obra “À la recherche du temps perdu” criou uma personagem, a duquesa de Guermantes, inspirada nas damas da família Mortemart. Talleyrand, considerado por Napoleão, o “rei da conversa na Europa” e dos maiores diplomatas franceses, em suas memórias, não deixa de notar que foi educado por sua bisavó, que era da família Mortemart. A família chegou a caracterizar um tipo de espírito, o espírito Mortemart, feito de naturalidade, precisão, vivacidade, capacidade de expressão que conjugava força, delicadeza e encanto.

Por que lembro tais fatos? Para destacar com um grande exemplo a importância da educação familiar. Bem-feita, repercute por gerações, influi de forma determinante em todos os aspectos da vida, aqui incluídos governos, finanças, carreira das armas, tanta coisa mais.

Nelson Rodrigues certa vez escreveu: “Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos”. Quando os economistas falam do persistente subdesenvolvimento brasileiro, recomendando com razão mais investimento, maior produtividade, educação da mão-de-obra, melhoria no ambiente de negócios e outras providências, às vezes me recordo do dito provocador de Nelson Rodrigues: “subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”. Difícil sair dele, receitas apressadas escondem muito das correntes que nos atam.

Com deixá-lo para trás? Uma via, embora insuficiente, cultivo maior das “soft skills”. De outro modo, pelo fortalecimento da educação familiar em todas as condições sociais. Supõe sanidade, é difícil tornar realidade a aspiração, mas tê-la em vista é essencial. Dos ambientes familiares nasce tudo de importante na vida das sociedades.

Para acabar, não encontrei tradução boa para “soft skills”. Uma pesca em manual técnico traz: competências transversais. Fraquíssima. Fico sem ela, mas com a noção viva. Importa mais.

Nenhum comentário: