quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Adiamento perigoso

Adiamento perigoso

Péricles Capanema

Não vou tratar hoje de assunto agradável. Momentoso, sim, necessário; para muitos, distante. Em 30 de setembro de 1938 Neville Chamberlain, primeiro-ministro inglês, voltando de Munique, após encontro com líderes da Alemanha, Itália e França, pronunciou célebre discurso prometendo “paz para o nosso tempo”. As tratativas do premir inglês, levadas a cabo no quadro da política de appeasement, pareciam ter varrido do horizonte o monstro da guerra na Europa. Um ano depois, na madrugada de 1º de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia. Em resposta, a França, o Reino Unido e a Commonwealth declaravam em 3 de setembro a guerra à Alemanha. Começava a 2ª Guerra Mundial.

Na ocasião isolado e incompreendido, um velho político inglês trovejou contra os chamados acordos de Munique: Winston Churchill. A ele foi atribuída a frase endereçada a Chamberlain: “Tínheis a escolher entre a vergonha e a guerra. Escolhestes a vergonha, tereis a guerra”. Retrata com fidelidade sua posição no Parlamento ninado pelo fascínio da paz. De fato, afirmam estudiosos da obra do antigo primeiro-ministro, tal frase nunca foi dita, a legenda terá origem em carta de 13 de agosto de 1938, endereçada a Lloyd George: “Penso que nas próximas semanas teremos de escolher entre a guerra e a vergonha e tenho poucas dúvidas sobre qual decisão tomaremos”. A legenda tem direitos, simpáticos, aliás; tantas vezes põe cor, relevo e nitidez na realidade.

Desde a ascensão do nazismo ao poder, Churchill lutara pelo rearmamento inglês e recusava contemporizações que, para ele, tornariam mais devastador, sofrido e problemático o confronto que via inevitável. Na prática, a Alemanha nazista se utilizou do tempo ganho nas tratativas para se armar ainda mais e preparar melhor as agressões.

Como pesadelo, tudo isso me veio à cabeça ao ler as sanções impostas de forma unânime pelos 15 membros Conselho de Segurança da ONU à Coreia do Norte, como resposta à explosão da bomba nuclear em 3 de setembro último. É a sexta bomba coreana e a nona sanção da ONU, a primeira de 2006. Em cada vez, a situação se apresenta mais grave.

Para obter a unanimidade no Conselho de Segurança, os Estados Unidos aceitaram aguar a proposta inicial. Por causa da oposição da Rússia e da China, desistiram da suspensão total das exportações de petróleo para a Coreia do Norte e congelamento dos bens do ditador Kim Jong-Un. Liu Jieyi, embaixador da China, reiterou que a solução da crise deve ser por meios “pacíficos, diplomáticos e políticos”. Enfatizou ainda que outros países não devem buscar o fim ou o colapso do regime de Pyongyang, nem defender a reunificação apressada da península. Em resumo, duas condições inegociáveis impostas pela China: fica o regime, fica Kim Jong-Un. Terceira, a reunificação por enquanto não está na pauta.

Quanto às sanções, elas proíbem importações de produtos têxteis da Coreia e suspendem novas contratações de trabalhadores norte-coreanos no Exterior. Ninguém garante que a China, nem países da região as respeitarão. Como Cuba com seus médicos, para funcionar no mínimo, a Coreia do Norte precisa mandar trabalhadores para o Exterior, retendo (expropriando) o grosso do salário. Trabalham 95 mil coreanos fora, a maior parte na Rússia e na China. A resolução limita ainda a venda de petróleo à Coreia do Norte, o teto ficou em 2 milhões de barris por dia para produtos refinados. Também não há certeza de que a China, a maior fornecedora, obedecerá ao limite.

Nem vou continuar. Em artigo para o Washington Post intitulado “Por que as sanções não funcionam?”, reproduzido no Estadão, 15 de setembro, Adam Taylor constata: “A Coreia do Norte está sob sanções da ONU desde 2006. Com o tempo elas se tornaram mais fortes e outros países e entidades, incluindo Estados Unidos e União Europeia também impuseram medidas unilaterais”. O articulista põe o dedo na ferida: “China e Rússia, dois dos mais importantes parceiros comerciais da Creia do Norte, hesitam em aplicá-las”. Em parte, sanções para inglês ver.

A reação da Coreia do Norte foi violenta, compõe bem o cenário. Prometeu acelerar o programa nuclear, “redobrar esforços para incrementar seu poderio”. Nada de inesperado.

Os Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão afirmaram estar preparados para fazer mais pressão, caso Pyongyang se recuse a cessar o desenvolvimento de seu arsenal nuclear. Daqui a um ano, dois, quando se constatar que a Coreia não mudou o rumo, a situação estará pior que hoje. Virão novas sanções? E assim, até quando?

Claro como água do pote, a Coreia do Norte está caminhando para ser potência nuclear com capacidade de transportar bombas em foguetes transcontinentais. E, como reação lógica, está crescendo no mundo político e na opinião pública em geral no Japão e na Coreia do Sul a exigência de que esses dois países se armem nuclearmente. No futuro, ruminam, o que poderá valer o guarda-chuva norte-americano, seguro por líderes que bradam o “America first”?


Parece-me óbvio, os Estados Unidos têm os meios para resolver a contento a questão. Preocupa, cada adiamento aumenta em muito os custos da solução. Lembro outra frase de Winston Churchill: “Você pode sempre confiar em que os norte-americanos farão a coisa certa ▬ depois de tentarem todo o resto”.

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