quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Hora de observar o panorama


Hora de observar o panorama

Péricles Capanema

Quase três semanas após o 2º turno, é hora boa de parar, escalar um outeiro e observar o panorama; a seguir descer e, com maior segurança, retomar a caminhada. Está menos carregado o ambiente, os negócios começam a melhorar. O Bradesco subiu a estimativa de crescimento do PIB em 2019 de 2,5% para 2,8%, o Itaú Unibanco de 2% para 2,5%. O rumo pressagia mais emprego e renda. De forma congruente, o povo anda mais esperançado com o próximo janeiro que quando entrou em 2018.

Pelas circunstâncias de momento teremos anos de recomposição institucional, com positivas e duradouras repercussões na economia, na educação, na vida de família. Combatidos os fatores de desagregação e de atrofia que nos emboscam e nos enroscam, a sociedade receberá seiva nova para ir adiante, florescer.

Quem fala em esperança, acena para probabilidades, considera potencialidades. Curto, inexiste a certeza. Motivos sem fim a impedem. Vou tratar apenas de uma razão, fundamental, silenciada, age intensamente nos corações. Santo Agostinho chamou-a as duas cidades: “Dois amores erigiram duas cidades, Babilônia e Jerusalém: aquela é o amor de si até ao desprezo de Deus; esta, o amor de Deus até ao desprezo de si”. Santo Inácio retratou a luta com a metáfora das duas bandeiras.

Tal luta tem conotação própria nos Tempos Modernos. Duas forças há séculos arrastam (ou atraem) a maior parte dos homens. Uma parte deles é embeiçado pelas seduções de uma vida sem peias na igualdade, imersa nas explosões do orgulho e da sensualidade. O horizonte utópico que os alicia são, tenham disso consciência ou não, comunidades ateias, libertárias e coletivistas (o comunismo total). Rios de tinta já correram sobre isso. E causaram, na história, rios de sangue. As realizações fracassaram, mas continua viva a tendência de fundo.

Na fímbria do horizonte oposto fulgura a atração austera da ordem, a saber, da vida virtuosa. Não alicia, não magnetiza, mas encanta e pode até arrebatar. Conduz à adesão à ordem temporal cristã, de modo outro, ao anseio da lei de Cristo reinando nos corações, nos lares, na sociedade em geral e no Estado. Se considerarmos que numa extremidade da linha fica um ideal e, na ponta oposta, o outro, em algum ponto do trajeto cada um de nós finca seus pés. Mais importante, movemo-nos em direção a um ou a outro polo. De passagem, convém notar, os polos em sua totalidade hoje cativam relativamente pouco os homens. Contudo, num ponto se apresenta diferente a situação: é enorme o fascínio da vida libertária. Vem destruindo costumes, abatendo princípios, modificando legislações, perpassa desde a esquerda mais extrema até a direita mais privatista em economia; agarra jovens, velhos e maduros.

Em 1959, Catolicismo nº 100, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou o ensaio “Revolução e Contra-Revolução” ▬ sei, a ortografia nova prescreve contrarrevolução, mas emprego agora a antiga por fidelidade ao título original. Depois, em vários idiomas, o trabalho se difundiu mundo afora.

O antigo líder católico fala ali também das duas cidades, vistas sob prisma próprio, a Revolução e a Contrarrevolução. Denuncia a Revolução, fenômeno nascido na aurora dos Tempos Modernos no Ocidente cristão. A ela se opõe a Contrarrevolução. Em relação a tal fato, divide os homens em cinco categorias. Os revolucionários, a saber, com certa simplificação, os que aderem ao comunismo total, ateu, igualitário, libertário (ou para lá caminham). Do lado contrário, os contrarrevolucionários, partidários da ordem temporal cristã “fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal”. No meio, três categorias: os revolucionários de pequena velocidade, os de velocidade lenta e os semicontrarevolucionários.

Assim os qualifica (pensem no Brasil de hoje): “O que distingue o revolucionário que seguiu o ritmo da marcha rápida, de quem se vai paulatinamente tornando tal segundo o ritmo da marcha lenta, está em que, quando o processo revolucionário teve início no primeiro, encontrou resistências nulas, ou quase nulas. A virtude e a verdade viviam nessa alma de uma vida de superfície. [...] Pelo contrário, quando esse processo se opera lentamente, é porque a fagulha da Revolução [...] encontrou muita verdade ou muita virtude que se mantêm infensas à ação do espírito revolucionário. Uma alma em tal situação fica bipartida, e vive de dois princípios opostos, o da Revolução e o da Ordem. Da coexistência desses dois princípios, podem surgir situações bem diversas: * a. O revolucionário de pequena velocidade: ele se deixa arrastar pela Revolução, à qual opõe apenas a resistência da inércia. * b. O revolucionário de velocidade lenta, mas com ‘coágulos’ contrarrevolucionários. Também ele se deixa arrastar pela Revolução. Mas em algum ponto concreto recusa-a. [...] Trata-se de uma resistência [...] mas que não remonta aos princípios, toda feita de hábitos e impressões. Resistência por isto mesmo sem maior alcance, que morrerá com o indivíduo, e que, se se der num grupo social, cedo ou tarde, pela violência ou pela persuasão, em uma geração ou algumas, a Revolução em seu curso inexorável desmantelará. * c. O “semicontrarrevolucionário”. Diferencia-se do anterior apenas pelo fato de que nele o processo de “coagulação” foi mais enérgico, e remontou até a zona dos princípios básicos. [...] Nele a reação contra a Revolução é mais pertinaz, mais viva. Constitui um obstáculo que não é só de inércia. [...] Um excesso qualquer da Revolução pode determinar nele uma transformação cabal, uma cristalização de todas as tendências boas, numa atitude de firmeza inabalável”.

Por que trouxe à baila a classificação do prof. Plinio Corrêa de Oliveira? Como chave de interpretação, para ser pano de fundo de rápido bosquejo de aspectos da situação do Brasil. O antipetismo que determinou a eleição de Jair Bolsonaro abriga em seu bojo variadas correntes. Alguns exemplos em fieira. Ali se destaca o conservador em matéria de costumes, porém apático em relação à economia muito estatizada. Boa parte constituída de gente simples, representa enorme força eleitoral. Existe o liberal [privatista] em economia, libertário nos costumes, comum nos setores letrados. A ele em geral impacta pouco a ideologia do gênero, a generalização do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a agenda LGBT. Temos o homem de hábitos antissocialistas, mas que admite sociedade nivelada para seus netos ou bisnetos. São influentes setores organizados da burocracia estatal, que com certeza espernearão quando da aprovação das reformas que ora se anunciam. A lista é maior, muita gente ficou de fora.

No verso da moeda, um gigantesco contingente popular, de hábitos e até princípios conservadores, pouco instruído, votou em Fernando Haddad por temer a perda de apoios assistenciais, caso vencesse Bolsonaro. Com propostas e trabalho inteligente, pode mudar o voto.

Se a economia andar bem, a frente eleitoral que elegeu Bolsonaro tem condições de se manter sem fissuras destrutivas. Caso marche mal (e aqui pode influir muito a situação internacional, sobre a qual nada podemos), tal frente corre risco de desagregação rápida.

Paro por aqui. Quem avisa, amigo é. No Natal de 1971, 26 de dezembro, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou na Folha artigo intitulado “Luz, o grande presente”. Dirigia-se a todos os autênticos homens de boa vontade para que vigiassem nas trevas da situação e, como os pastores, refletissem e esperassem. Na presente escuridão, espero que o artigo, bico de lamparina, possa para alguns leitores ser um presente (um pouco de luz) e assim facilite a subida em elevações para observar o panorama. Depois, passos para frente no rumo certo. Agir com desídia trará retrocessos, a perda do que foi conquistado com enorme esforço.

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