terça-feira, 23 de agosto de 2016

Depois do impeachment

Depois do impeachment

Péricles Capanema

Dissolve-se o clima festivo das Olimpíadas e a vida quotidiana retoma seus direitos. O que nos espera? O que aguarda o Brasil? João Domingos, jornalista, questionou o senador Lindbergh Farias sobre as manifestações populares pró-Dilma. “Não estamos mais conseguindo mobilizar ninguém”, admitiu o petista. João Domingos foi até Miguel Rossetto, o mais próximo conselheiro de Dilma. Indagou por que havia sido relativamente fácil afastar a Presidente: “Por que não temos 10% de apoio. Não temos as ruas”. Alvejou ao constatar o óbvio: “Porque os golpistas têm mais força do que nós”. Dizem os espanhóis, a confesión de parte, relevo de pruebas. Convém recordar, a enorme impopularidade da administração petista decorreu da queda do padrão de vida, da carestia, do desemprego crescente. Veio ainda da sensação de roubalheira generalizada. Os senadores favoráveis ao impeachment, provavelmente mais de 54, ao votar não terão em vista apenas os crimes de responsabilidade. Seu olhar se fixará também no destruidor conjunto da obra petista. Tudo o indica, Dilma será esquecida e logo respiraremos outra atmosfera, cada vez menos relacionada com o clima anterior.

Provável, o governo novo terá até dezembro de 2018 para executar seu programa. Se o TSE reprovar as contas de campanha da chapa Dilma - Temer antes de 31 de dezembro próximo, difícil acontecer, o Presidente terá o mandato cassado, assumirá Rodrigo Maia e em 90 dias nova eleição presidencial. Se a referida condenação do TSE acontecer após 31 de dezembro próximo, mesma situação, mas, em eleição indireta o Congresso elege outro presidente. Nesse caso, o provável é a eleição de alguém com programa de governo parecido ao de Temer. O rumo pouco mudaria.

Agora, o decisivo. Na atmosfera renovada, qual proporção de oxigênio, qual de gases tóxicos? Claro, são suposições; caminhamos longe das exatas, pisamos o volúvel terreno das realidades humanas. A anunciada política econômica desperta esperanças. Há intenção confessada e gestos favoráveis à menor intervenção do Estado, estímulo à livre iniciativa, amplo programa de privatizações, seriedade no manejo das contas públicas. Para levar adiante tais objetivos, foi escolhida equipe de gente conhecida e testada, competente. A mais, a postos um time de articuladores políticos tem condições de viabilizar a aprovação no Congresso das medidas necessárias e amargas. Haveria freio no aumento dos gastos públicos e a retomada ascensional da atividade econômica, com fundamentos razoavelmente sólidos, presságio de anos de crescimento.

Tudo aqui é esperança? Infelizmente, não. De pronto, preocupam três pontos xodós da esquerda: reforma agrária, meio ambiente, relações com a China, tumores de estimação, tocados com temor reverencial na mídia e no público em geral.

Reforma agrária. O governo faz circular a ideia de que o ministério do Desenvolvimento Agrário será recriado. É gesto simbólico de mau agouro. Pior, aproxima-se da FNL (Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade). Recebeu em palácio com grande publicidade seu dirigente Carlos Lopes, que exigiu a aceleração da reforma agrária. A reforma agrária, pleito histórico dos comunistas e de suas linhas auxiliares, tem sido no Brasil um poço sem fundo para torrar dinheiro público, foco de agitação, roubalheiras e incompetência; em nada contribuiu para melhorar a situação dos pobres. É infecção que afugenta investidores, atemoriza fazendeiros e prejudica e produção. Na segunda, 22 de agosto, tira-gosto do que vem por aí, baderneiros da FNL e de outros movimentos subversivos invadiram o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário em Brasília. Quebraram vidros, destruíram armários. No mesmo dia, aproximadamente 300 agitadores da FNL invadiram a Fazenda Esmeralda em Duartina. Reclamam mais rapidez nas desapropriações e na reforma agrária. Esse namoro com agitadores não conseguirá novos aliados, não conseguirá popularidade; pelo contrário, afastará amigos atuais e potenciais.

Em fevereiro do corrente ano, o mencionado Carlos Lopes, agora próximo ao governo, foi um dos dirigentes do Carnaval Vermelho. A agitação ocupou prédios públicos em dez Estados. Seus líderes exigiam assentamento imediato das famílias acampadas, imissão na posse das áreas já desocupadas, demarcação imediata das terras indígenas, extinção da PEC 215 (transfere do Executivo para o Legislativo a decisão sobre remarcação de terras indígenas), reconhecimento dos quilombolas e seus territórios. Outro modo, a pauta da esquerda mais radicalizada do PT, na prática passos no carreiro já enveredado por Venezuela e Cuba rumo à miséria extrema.

Meio ambiente. Michel Temer entregou o ministério do Meio Ambiente para o deputado Sarney Filho, que já há anos adotou como sua a agenda dos ambientalistas mais extremados. Entre outras tomadas de posição, combateu até o fim a reforma legislativa do Código Florestal. O excesso de legislação ambientalista também prejudica os negócios e a efetiva melhoria da situação dos pobres. Não vou me estender a respeito por falta de espaço.

Relações com os chineses. A China já é o primeiro parceiro comercial do Brasil. Equipes da State Grid e da China Three Gorges, duas gigantes estatais chinesas, estão percorrendo o Brasil para comprar empresas. Têm caixa e possibilidade de escolher negócios. De momento, procuram empresas elétricas, que facilitarão a atuação no País de companhias chinesas de engenharia e fabricantes de equipamentos. Visam ir empurrando o Brasil para a área de influência da China. Contribuem para o objetivo chinês de enfraquecer os Estados Unidos na região. Com o tempo, o Brasil corre o risco de ser reduzido a inconfessado, mas efetivo, protetorado chinês. Limitados em nossos movimentos, só teremos para garantir a independência, os Estados Unidos, internamente cada vez mais divididos entre um internacionalismo concessionista e acomodatício e um isolacionismo míope e reducionista, ambas situações prejudiciais aos interesses brasileiros. Sobre tal avanço apocalíptico, silêncio. Em muitos é decisivo o temor de retaliações em nossas exportações para a China. Em resumo, falta prudência e coragem, sobra otimismo e irreflexão em assunto delicadíssimo.


Existem outras preocupações. Como se posicionará o governo na educação, na saúde, no direito de família? Política dos gêneros, homossexualismo? Ficam para outra ocasião.

sábado, 13 de agosto de 2016

O que parece, é

O que parece, é

Péricles Capanema

“Em política, o que parece, é”, acertou Antônio Salazar, antigo primeiro-ministro português. Mesmo rumo, Gustavo Capanema afirmava, em política a versão vale mais que o fato. Michel Temer deveria ouvi-los.

Vamos ao caso. O ministro Eliseu Padilha anunciou de passagem, em setembro o governo recriará o ministério do Desenvolvimento Agrário. O motivo fundamental, noticiaram órgãos de divulgação, é a tentativa de arvorar bandeiras sociais. Daria ao governo maior apoio popular (balela), acenaria para setores sociais que costumam se identificar com partidos de esquerda (verdade, mas dali não viria apoio). A reforma agrária seria acelerada (continuando a torrar rios de dinheiro público num programa demolidor).

Em visita ao gabinete presidencial, foi o que, semanas antes, patrocinados pelo deputado Paulinho da Força, exigiram de Temer dirigentes da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e, ali também mimado, o ex-líder do MST José Rainha. Carlos Lopes, dirigente da FNL, declarou na saída: “Na reunião, falamos sobre a extinção do ministério do Desenvolvimento Agrário. O campo não aceitará isso. Esta foi a forma como a FNL se projetou. E ele assumiu o compromisso de construir as condições para que o MDA volte”.

José Rainha foi dirigente do MST. Em 2007 abandonou o movimento porque era (e continua) linha auxiliar do PT. Então no governo, o PT dificultava a generalização das invasões. Queria as mãos livres. O mesmo Rainha, agora inexplicavelmente paparicado como eventual apoio precioso, foi condenado a 31 anos e 5 meses de prisão por estelionato, formação de quadrilha e extorsão. Recorre em liberdade. Outro fato que precisa ser gritado dos telhados: em abril passado o TCU mandou parar o processo de reforma agrária, detectou 578 mil benefícios irregulares. Ladroagem, favoritismos, desvios de dinheiro público no meio do constante caos administrativo.

Existe no ar cheiro forte que o disparate anterior não foi eliminado, a coisa permanece igual nas linhas gerais. Pois na contramão de severíssimo e indispensável ajuste nas contas públicas, o governo Temer anuncia que, na prática, vai continuar torrando dinheiro público com uma política que em nada aumenta a produção no campo, não melhora a situação dos agricultores mais necessitados, a mais de consolidar estruturas de agitação, do tipo MST e FNL que se locupletam, política e financeiramente, com o assistencialismo estatal. Decorrência forçosa, afugentará do campo investidores temerosos das consequências do inesperado e escandaloso apoio de cima para agitadores profissionais. Tudo acontece em momento que representantes do empresariado e operadores do mercado se dizem temerosos que o governo não disponha de força política para tomar as necessárias medidas de recuperação econômica. Não adiantam a respeito desmentidos ad hoc, nem enunciados de boas intenções, desmentidas pelos fatos. O público mantém a péssima impressão anterior.

Lógico, expressaram estranheza filiados da Frente Parlamentar da Agropecuária, que congrega cerca de 200 deputados federais e senadores. Entre eles, o senador Caiado; afirmou que vai contra o discurso de austeridade do governo. Acrescentou, o MDA foi criado por Lula por questões ideológicas para contemplar setores do PT (lembro, entregue a correntes radicalizadas do PT, adversárias históricas do agro). Concluiu o senador goiano: “Talvez porque o PT e o PMDB estiveram juntos por muito tempo, essa ideia contaminou o PMDB. O Temer poderia se livrar desse tipo de contaminação ideológica”. Na mesma direção manifestaram seu desacordo os deputados Onyx Lorenzoni e Nilson Leitão, para quem é prejudicial “ceder a este tipo de pressão”.

Aqui aparece ponto indispensável das agendas da Frente Parlamentar da Agropecuária e da CNA. Tem relação não apenas com a saúde do campo, mas pode influir fortemente no futuro do Brasil. A História não as perdoará se, por comodismo, deixá-lo de lado. Não custa recordar, toda a política da reforma agrária é um dos vários tumores de estimação que intoxicam o Brasil. É politicamente incorreto apontar a bagunça larápia em que foi executada e a desgraça escancarada para todos que trouxe ao campo.

Michel Temer, faz pouco, garantiu: “As pessoas se acostumam a [achar,] quem está no governo não pode voltar atrás. Quem está no governo, se errou, não tem de ter compromisso com o erro. Somos como o JK, nós não temos compromisso com o equívoco. Portanto, quando houver equívoco, nós reveremos”.


Michel Temer precisa ouvir Michel Temer. Precisa ouvir JK. Esquecer esta bobagem (queria dizer providência demolidora) de recriar o MDA. E, finalmente, executar o programa de reconstrução nacional. É o que dele esperam os brasileiros patriotas, ansiosos de não ver desperdiçada essa ocasião, talvez única nos últimos tempos, de colocar bases para um futuro pátrio de prosperidade e grandeza cristã.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O cisne negro virou urubu

O cisne negro virou urubu

Péricles Capanema

Em 2007, Nassim Nicholas Taleb, pesquisador e ensaísta libanês radicado nos Estados Unidos, publicou o livro The Black Swan - The Impact of the Highly Improbable (editado no Brasil com o título A lógica do cisne negro - o impacto do altamente improvável). Era desenvolvimento de livro de 2001 Fooled by Randomness - The Hidden Role of Chance in Life and in the Markets (Iludido pelo acaso - a influência oculta da sorte nos mercados, título no Brasil). Taleb garante que é impossível prever o futuro, pois o que conhecemos é menos do que aquilo por nós desconhecido. Daí o título do livro, cisne negro. Até 1697, criam todos, só existiam cisnes brancos. Nesse ano, marinheiros holandeses avistaram cisnes negros na Austrália. Num só golpe caíram por terra a ciência, a experiência e os ditos clássicos que afirmavam a inexistência do cisne negro. O estudo de 2007 se tornou referência nos meios financeiros.

Para Taleb, são cisnes negros a maior parte dos acontecimentos históricos, descobertas científicas e realizações artísticas. Aparecem por surpresa e têm grande impacto. Boa parte, ruins. Como domina tendência para o otimismo, as pessoas tendem a subestimar a probabilidade e a importância dos cisnes negros. No curto, mesmo as mais fundamentadas estimativas sobre o futuro em geral enfatizam cisnes brancos. De repente, aparece, ainda desconhecido, enorme, o cisne negro. Provoca o fato e molda o futuro. Taleb sugere medidas para minorar efeitos do surgimento de cisnes negros nos mercados. Não cabe aqui tratar delas. Em suma, é levar mais a sério as possibilidades de desastre. Claro, vale também para a vida.

Cisne negro, nativo, só na Austrália. Aqui no Brasil, além de ter o olho posto nele, não podemos descuidar do urubu, nativo, de há muito conhecido, mais próximo e imediato que a ave australiana. Reza a lenda, mau agouro, bruto azar, quando avistado no nosso teto. Entre nós o cisne negro às vezes vira urubu; desgraça previsível, próxima, concretizada pelo entorpecimento mental e desídia generalizados. Nos últimos 13 anos o urubu pousou com mais frequência no telhado do Brasil.

Urubus na nossa vida. O Banco Mundial publicou o relatório Doing Business 2016. Aponta as facilidades e dificuldades de fazer negócios em 189 países. De outro modo, o estímulo e os obstáculos para gerar emprego e renda. Em linguagem corrente, fazer o povo ficar bem de vida, ter as coisas. Hoje, entre os 189, o lugar do Brasil é o 116º. Quer dizer, em 115, e aqui Europa, Estados Unidos, Japão, é mais fácil fazer negócios (criar riquezas) que em Pindorama. Os sete primeiros, Cingapura, Nova Zelândia, Dinamarca, Coreia do Sul, Hong Kong, Reino Unido, Estados Unidos têm a renda per capita lá em cima. Os sete últimos, via de regra na pobreza extrema, Chad, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Venezuela, Sudão do Sul, Líbia, Eritreia são países em guerra ou com fortíssima dose de socialismo. Mais alguns lugares urubus do Brasil, constantes do Doing Business 2016: abertura de empresa, 174º; pagamento de impostos, 178º; autorização para construir, 169º; registro de propriedade, 130º; comércio internacional, 145º. Se não pularmos logo para as primeiras posições da lista, sinal que existirá estímulo sério para o trabalho produtivo, continuará lero-lero o palavrório de criar emprego e renda.

Esse cipoal de obstáculos, além de gerador de pobreza, tem efeito desanimador profundo e duradouro. Muita inteligência criativa desanima de empreender e entorpece. Muita vontade, preguiçosa pela proibição virtual, mas efetiva, de agir, adere na prática ao lema do Jeca Tatu: num dianta fazê nada.


Friedrich von Hayek, Prêmio Nobel da Economia em 1974 escreveu sobre o papel doentio do Estado, quando hipertrofiado: “Depois de ter subjugado sucessivamente cada membro da sociedade, modelando-lhe o espírito segundo sua vontade, o Estado estende então seus braços sobre toda a comunidade. Cobre o corpo social com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, rede que as mentes mais originais e os caracteres mais fortes não conseguem penetrar para elevar-se acima da multidão. A vontade do homem não é destruída, mas amolecida, dobrada e guiada; ele raramente é obrigado a agir, mas é com frequência proibido de agir. Tal poder não destrói a existência, mas a torna impossível; não tiraniza, mas comprime, enerva, sufoca e entorpece um povo, até que cada nação seja reduzida a nada mais que um rebanho de tímidos animais industriais, cujo pastor é o governo. [ ...] Uma servidão metódica, pacata e suave, como a que acabo de descrever, pode ser combinada, com [...] alguma forma aparente de liberdade”. Moral da história: enxotar o urubu do telhado brasileiro e continuar a ter em vista o cisne negro.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Rio 2016 - cintilações e negrume

Rio 2016 - cintilações e negrume

Péricles Capanema

Em curso no Rio de Janeiro o maior espetáculo esportivo da Terra. Deslumbrante o começo, marcado por cerimônia apoteótica com desfile de mais de duzentas delegações, competindo perto de onze mil atletas, audiência mundo afora de aproximadamente três bilhões de pessoas. Pelo País se difundiu um ambiente de satisfação e ufania.

O espaço é curto, vou tratar só de dois aspectos. Sem acidentes, em clima de festa, no meio da cerimônia, desfilou a Coreia do Norte, passou a Síria, caminhou o Iraque. Os espectadores, por momentos fugazes, abertura passageira em nuvens de tempestade, sentiram na alma o sol da união e da paz. O evento tocou em aspiração humana profunda. Na Grécia, quando havia olimpíadas, a guerra cessava.

Veio-me à mente imagem antiga. O período inicial da 1ª Guerra Mundial ficou estigmatizado pelas batalhas nas trincheiras, que acarretaram mortandade pavorosa. As potências beligerantes decretaram a trégua de Natal de 2014. Em Ypres, na Bélgica, 25 de dezembro, os franceses e ingleses escutaram o Stille Nacht (Noite Feliz) cantado por soldados alemães. E logo depois observaram pequenas árvores de Natal ao longo das trincheiras teutas. Serenaram as linhas de combate. Os alemães caminharam sem defesa para o no man’s land (terra de ninguém no meio dos dois exércitos). Ali, chamaram os soldados franceses e ingleses para uma confraternização, ainda que passageira. Trocaram pequenos presentes, cantaram. Walter Kirchhoff, oficial, tenor de talento, apresentou um número com canções natalinas. Pouco depois, as tropas voltaram para as trincheiras.

Por um momento se materializou o ideal de que um dia, os homens constituiriam de fato uma grande família. Mais alto, o anseio palpita no Evangelho: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste rebanho; também a elas eu devo conduzir: e elas escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16). E ainda: “Eu já não estou mais no mundo, mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós” (Jo 17, 11).

Tem mais. Em raiz, o brasileiro facilmente compõe situações, harmoniza diferenças, faz visitantes se sentirem em casa. Na realidade, sente até satisfação em assim agir, e hoje vê satisfeito essa imensa “invasão” de povos de todos os cantos da Terra. Lembra o austríaco, que, tendente aos métodos suaves, por séculos, harmonizou povos difíceis de conviver sob o guarda-chuva protetor dos Habsburgos. Pode degenerar, lá e cá, em irenismo.

Viro a página. Os Jogos Olímpicos de 2016 têm sido chamados de Olimpíadas da diversidade. De si, nada a objetar, toda olimpíada congrega diversidades dos mais variados gêneros. E é simpático o cultivo da diversidade em sua significação clássica.

De forma especial nos últimos séculos. As revoluções nos Tempos Modernos tiveram como fio condutor a igualdade. E geraram um apetite de igualdade, que, em parte por doentia autoalimentação, de forma destrutiva, se exacerba. A simpatia pela diversidade é antídoto contra ele. A diversidade harmônica e proporcionada em situações sociais, de cultura, de sexos, de nações, de bens expressa condição indispensável de crescimento pessoal e aperfeiçoamento social. De outro modo, apresenta saliente nota contrarrevolucionária, favorece as mais variadas plenitudes.

Hoje a coisa está mudando. O vocábulo diversidade vem sofrendo violenta torção para servir a objetivos de demolição do que resta de civilização cristã entre nós. Por uma baldeação ideológica inadvertida, em determinados contextos, esvaziado de seu significado original, apresenta acepção libertária. E assim, de forma crescente se torna símbolo de movimento moral contestatário, socialmente igualitário e ideologicamente intolerante.

Uma rápida explicação. Por milênios, era moral o ato segundo a natureza. (Se já não se aceita que exista natureza humana, como qualificar moralmente o ato humano?). Os propagandistas da diversidade em sua acepção torcida querem, com base na variedade dos desejos, justificar condutas antes objeto de censura. No mundo da diversidade se acolheriam com total normalidade os transgêneros, lésbicas, homossexuais masculinos, bissexuais, etc. A lista não tem fim. Seriam protegidos por lei (a campanha contra a homofobia entra aqui) e, por intensa propaganda e intimidação social, acabariam também as sanções impostas pelos presentes costumes de raiz cristã. Na lógica do movimento de liberação total, dia mais, dia menos, veremos ainda campanhas pelo fim da criminalização da pedofilia, poligamia e poliandria.

E vou ao ponto dois. A Rio 2016 vem sendo utilizada como plataforma de tal movimento. Reinaldo Bulgarelli, signatário do documento em que o Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016 se compromete com a causa da igualdade de gênero e com os objetivos LGBT aponta o rumo: “Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos já expressam esse valor da diversidade que há no mundo, inclusive a que considera a orientação sexual e identidade de gênero. São temas ainda complicados no mundo, mas a organização (Rio 2016) ao dizer isso (seu apoio à causa) expressa: nós efetivamente valorizamos a diversidade.”


Contra essa instrumentalização que, de forma abusiva, em direção claramente regressiva, pretende tornar aceitas legal e socialmente práticas aberrantes de seitas e povos bárbaros, abolidas pelo caminhar ascensional dos povos ocidentais, é indispensável reagir com lucidez em defesa da ordem civilizada. O contrário seria a barbárie e o crime.