terça-feira, 31 de março de 2015

O governo Dilma acabou

O governo Dilma acabou

Péricles Capanema

Tem muita gente achando, melhor Dilma renunciar logo, simplifica para todo mundo. Um deles chamou minha atenção, nunca esperava.

Um bate e volta rapidinho. Certo tipo de líderes magnetizam o público. Gandhi, de Gaulle, Kennedy, tão diferentes, foram magnetizadores. Daniel Cohn-Bendit, em seu tempo, outro; simbolizou o maio francês. No Brasil, Vladimir Palmeira foi o principal expoente das agitações de 1968. Impressionou até a Nelson Rodrigues, crítico delas: “Não sei, ninguém pode saber, qual será o destino desse rapaz. Mas sei que é esta coisa cada vez mais rara – um homem”. Vladimir partiu para o exílio, retornou, virou dirigente petista, acabou moído pela máquina partidária. Em 2011, Delúbio Soares voltou festejado ao PT, Vladimir caiu fora denunciando a conivência com a corrupção. Preservou a condição de liderança carismática, ainda que en veilleuse e esmaecida pela pátina do tempo. Tomei um susto: “Sou contra o governo Dilma, que deveria renunciar, mas quem vai às ruas no domingo [15 de março] vai defender teses de direita, com as quais não concordo.” Por que Vladimir reivindica Dilma fora do Planalto? Vai saber. Uma coisa, sei: para o antigo líder estudantil, no leme ela prejudica mais a esquerda que se for embora já.

Dilma no governo é desgoverno certo; por baixo, mais três anos e tanto de bagunça na gestão, carestia, desemprego, roubalheira solta, crescimento magrelinho, se tanto. E a exasperação do público, já amazônica, pode fácil bater em confins de momento improváveis. Saiu faz pouco uma pesquisa coordenada por gente da Universidade Vanderbilt dos Estados Unidos, trabalho sério (LAPOP, sigla em inglês do estudo). Constata que de 2012 a 2014 o número de brasileiros adultos favoráveis a um golpe militar para acabar com a ladroagem subiu de 36,3% para 48,7%. E a porcentagem de brasileiros que participaram de atos de protesto subiu de 4,68% em 2012 para 7,64% em 2014. Em 2015, como estará? A irritação cresceu. Sabem quem fez no Brasil a pesquisa para o pessoal da Vanderbilt? O Vox Populi, tido como linha auxiliar do PT nas últimas eleições presidenciais; no caso, se errou, foi pra menos. Brota a desconfiança de que a tinta é mais carregada. Essa metade da população adulta, desesperada com o afogamento do Brasil, vê a intervenção militar como última tábua de salvação contra os ratos magros. E nem trato aqui dos que querem ver a presidente impichada, porcentagem bem mais em cima.

A exasperação demorada, de si, catalisa o movimento de opinião antipetista ainda em parte estacionado na louvável defesa da cidadania, ética na política e transparência. Com o rolar do tempo, em cenário bem possível, tal opinião, nutrida a contrapelo pelo descalabro dos governos da cumpanherada, tenderá a criar raízes mais fundas, caminhará para se cristalizar em oposição doutrinária ampla; de outro jeito, se transmudará em corrente de pensamento inimiga do totalitarismo, do coletivismo, do estatismo, favorecendo responsabilidade pessoal, privatizações, prevalência da sociedade sobre o Estado, e tanta coisa mais. É um risco tremendo para a revolução socialista no Brasil, meta obstinada do que o PT tem de mais ativo e virulento.

Proportione servata, já aconteceu situação similar, veio depois da Revolução Francesa. Por anos, a selvageria carniceira e a demolição social (parecia, o inferno tinha aberto a bocarra) traumatizaram setores enormes do público gaulês, antes superficiais e otimistas, que em reação de autodefesa acabaram migrando para posições conservadoras, direitistas, tradicionalistas e até contrarrevolucionárias, enraizando-se ali, formando mesmo blocos sociais de resistência. Posições e pensamento. O distanciamento da esquerda marcou fundo o século 19, ecoou no 20; até mesmo o triunfo dos setores ultramontanos no Concílio Vaticano I pode ser validamente ligado a ele. Compensou para a revolução agredir boçalmente na França os costumes, mentalidade e opinião da gente direita para tentar impor na marra seu programa?

Temos fresquinho sintoma de que o sentimento antipetista está enraizando. Dirigentes importantes do partido, Lula, Tarso Genro, tantos outros, estão propondo a criação da Frente Ampla, envolvendo partidos, sindicatos, ONGs e movimentos sociais, inspirados em parte no exemplo uruguaio. Com isso, tiram do PT o protagonismo evidente, disfarçam do eleitor, colado o nome fantasia, a sigla odiada. Com o passa-moleque, esperam oxigenar as agora mirradas possibilidades de vencer no voto.


Vozeia o hierofante das agitações de 1968: Dilma precisa ir embora, renunciar já. A esquerda com vergonha na cara, constrangida, baixa os olhos. Você, o que acha?

sábado, 14 de março de 2015

Nem só roubalheira

Nem só roubalheira

Péricles Capanema

Rato magro. Lá atrás, Roberto Jefferson chegou duro: “rato magro, essa gente que assaltou o Brasil”. Completou: “PC Farias é aprendiz de feiticeiro ante essa gente que assaltou o Brasil”. Não falava só de dirigentes e militantes do PT. Mas o foco era a cumpanherada. Nunca antes na história destepaiz tantos ratos esfomeados devoraram impunemente tanto do tesouro público. A preocupação dominante da maior parte dos que agora têm horror do governo Dilma (são contra tudo o que está aí) é a roubalheira promovida Brasil afora pela petralhada, ratos esfomeados que faz anos assaltam os cofres da Petrobrás e de outras estatais. O mesmo horror engloba o aparelhamento do Estado e os políticos que lotam de afilhados a administração pública. Terrível; mas a tragédia maior está longe daqui.

Projeto de poder. Tem coisa pior. A grana rapinada nas estatais não é apenas devorada por ratos magros. O PT com ela financia campanhas eleitorais e compra apoios; outro modo, usa a dinheirama para conservar o poder e, por etapas, chegar à hegemonia política. Generalizou até um tipo novo de propina: a propina legalizada, aprovada pelo TSE. Um dos meios: a empresa é autorizada a superfaturar e promete uma porcentagem do lucro ilícito. Doa legalmente ao partido a quantia combinada. E o TSE aprova as contas. De fato, a maior parte da gaita roubada tem essa mira: a perpetuação da cumpanherada no poder. Age como saúva: saqueia tudo que encontra para o bem do formigueiro. Para se perpetuar no poleiro, com a dinheirão furtado e distribuindo fatias de poder, o PT utiliza largamente os companheiros de viagem e os inocentes úteis. Sem eles, nada seria possível. Também é terrível, mas a tragédia maior está ainda longe daqui.

A finalidade do projeto de poder. É o ponto menos falado, o mais decisivo porém. A conquista do Estado é meio, nunca fim. O fim é impor um tipo humano novo, igualitário, ateu, libertário, vivendo em comunidades coletivistas. Esse objetivo revolucionário, desde sempre e sem rebuços proclamado em ocasiões apropriadas como meta por correntes abrigadas nas mais variadas organizações, é o que anima o setor mais dinâmico e viperino do PT. Mesmo entre seus filiados é mira a ser explicada com cuidado, pois a maior parte deles não são revolucionários profissionais; é constituída de aproveitadores, inocentes úteis e companheiros de viagem. Ou seja, o partido reproduz internamente as situações das correntes que, de fora, favorecem o projeto petista. A minoria mais intelectualizada, ativa e virulenta (em última análise, a que dita o rumo), com olho na possibilidade de momento, vai dosando a implantação do ideário. Quem são eles? Comunistas, em geral gradualistas, marxistas ou não, pouco importa, tomados de forma fanática pelo valor supremo da igualdade e agindo com enorme prudência. Querem para agora o que seus congêneres perseguem no mundo inteiro e em parte implantaram, ainda que precariamente: um Estado totalitário e coletivista, que trabalhe intensamente para acelerar a chegada do comunismo. Lênin, Stalin, Mao, Fidel, Che Guevara, ícones de petistas, aqui alguns dos exemplos. São como a sucuri; sufocam a sociedade, atrofiam-na.


De alto a baixo da sociedade brasileira já existe o pavor do aperto da cobra. A reação vai ser vitoriosa? Ou, infelizmente, vai se esvair como por ocasião do CANSEI? Ou como em 2013? É hora do olhar mais fundo.