terça-feira, 13 de agosto de 2019

Advertências inúteis


Advertências inúteis

Péricles Capanema

Às vezes me sinto inibido em recordar o óbvio ululante. Vamos lá, conto com a benevolência do eventual leitor. A China é país comunista. Seu governo, expansionista, imperialista, ditatorial e totalitário, é exercido por um só partido, o Partido Comunista da China (PCC), marxista, coletivista e ateu. Lá, só como piada se pode falar em democracia e direitos humanos. Na América do Sul um dos dois maiores apoios à ditatura assassina de Maduro, que lota Roraima de refugiados miseráveis, é a China (o outro, a Rússia). Na Ásia, sustenta a tirania da Coreia do Norte (maior apoio dela) e tem dado sinais gritantes de que será implacável na repressão às reivindicações de liberdade da população de Hong Kong. O PCC, que infelicita a China, tem rumo ideológico claro, conduta constante e previsível, conhecida política de Estado.

As empresas estatais chinesas agem segundo os interesses do PCC e do governo chinês; promovem com obediência canina a política de ambos. São, em sua esmagadora maioria dirigidas por membros do PCC. É congruente, pois, que o PT, nos governos Lula e Dilma, tenha sido fervoroso partidário de toda forma de aproximação com a China; no caso, em especial, favorecia a compra de ativos brasileiros por estatais chinesas. Até aqui, o óbvio ululante. O que vem abaixo, espero, também é claro como água do pote.

O governador de São Paulo acaba de voltar de viagem oficial à China, para onde foi à frente de comitiva de 35 políticos e empresários. Naquele país assinou protocolo de intenções com o presidente da China Railway Construction Corporation Limited (CRCC) para investir em três projetos: trem intercidades, despoluição dos rios Pinheiros e Tietê e, terceiro, linha 6 do metrô. São projetos, anunciados de momento como PPP (Parceria Público Privada), estimados em 22 bilhões de reais. O governador celebrou o fato: “Assinamos memorando com gigante chinesa da área metroviária.” João Dória ainda anunciou tratativas de negócios com a COFCO no terreno da agricultura. Escreveu: “Em Pequim, a multinacional COFCO, que já atua no Brasil anunciou que quer expandir seus investimentos em São Paulo”. Disse o governador em vídeo: “São Paulo deve competir internacionalmente oferecendo até financiamentos para que mais investimentos sejam feitos o mais rápido possível”. Depois de dizer que os investimentos chineses são muito bem-vindos sublinhou que a China “é investidora, construtora e operadora”.

No sábado, 10 de agosto, em artigo exultante sobre o êxito da ida à China publicado no Estadão, espécie de prestação de contas, afirmou que a China já tem 70 bilhões de dólares investidos no Brasil. (Segundo a Secretaria de Assuntos Internacionais (SEAIN) do Ministério do Planejamento é mais; desde 2003 em 269 projetos houve investimentos chineses anunciados e confirmados de 124 bilhões de dólares.) Assevera João Dória: “Em São Paulo, por exemplo a State Grid comprou o controle da CPFL, que produz e fornece energia a quase 10 milhões de clientes. Criamos um amplo programa de desestatização, concessões e privatizações. Em Pequim, tivemos uma produtiva reunião com a CRCC. Em Xian, nos reunimos com a CR20. Desejamos estimular mais operações chinesas nos portos de Santos e São Sebastião. Fez parte de nosso encontro com a COFCO. A China tem o Brasil como parceiro e garante investimentos no país pelas mais diversas fontes, recursos para investimentos do Banco de Desenvolvimento da China, a Sinosure e o Claifund”. Termina com ditirambos: “Confio nas palavras do presidente Xi Jinping que disse que ‘a porta da China se abrirá cada vez mais’. Trabalho, planejamento e educação fizeram da China uma grande potência econômica. Estreitar nossos laços, aumentar a confiança mútua e ampliar nosso mercado bilateral são prioridades”.

Vamos às empresas citadas pelo governador como “investidoras”, “multinacionais”, “gigante chinesa”, que vão colaborar em programas de desestatização, privatização e concessões. A CRRCC é estatal. A COFCO é estatal. A CR20 é estatal. A State Grid é estatal. A SINOSURE é estatal. O Banco de Desenvolvimento da China é estatal. O Banco dos BRIS é banco estatal. O CLAI Fund é órgão estatal. Nenhum grupo empresarial privado foi citado. De passagem, noto, o Conselho Empresarial Brasil-China afirma em relatório que 87% do investimento chinês do Brasil tem origem estatal, 13% são de origem privada. Aqui, digo eu, na grossa maioria dos casos, as empresas privadas chinesas que investiram no Brasil, fazem o que quer o governo chinês.

Relembro, o governador reiterou estava levando adiante “amplo programa de desestatização, concessões e privatizações”. Infelizmente é impossível evitar a associação com o newspeak (novilíngua) do romance 1984 do escritor inglês George Orwell. Na novilíngua, sabemos, em muitos casos a palavra quer dizer exatamente o contrário do que tradicionalmente significa. João Dória anuncia pomposamente como gigantesco programa de privatização uma ação política que vai transferir ativos estatais brasileiros para empresas estatais controladas pelo governo e Partido Comunista Chinês.

Aliás, tal novilíngua corre solta no Brasil e aqui João Dória é apenas mais um exemplo. A grande imprensa, políticos e empresários em geral falam de “investidores chineses”, “empresas chinesas”, “capitais chinesas”. Parece, um bruxedo invade tudo e trava a língua. A realidade óbvia ▬ no mais preocupante, estatais chinesas comprando ativos no Brasil ▬ é noticiada por meio de eufemismos enganadores. Vivemos há anos imersos a respeito em silêncio tóxico, respiramos um ocultamento fraudulento.

Uma luzinha. Termino com trecho de relatório recente intitulado “China – Direções globais de investimentos 2018” de responsabilidade conjunta do Conselho Empresarial Brasil-China e da Apex. A linguagem é cauta, aveludada, não é escarrapachada como a minha, mas a realidade descrita é a mesma: “Outro ponto que desperta receio é a forte presença das empresas estatais no processo de internacionalização. Nesse sentido, alguns países como os Estados Unidos, Alemanha, França, entre outros têm elevado os padrões de avaliação para a entrada do investimento chinês sob a justificativa de proteção de áreas estratégicas (World Investment Report, 2017). [...] O sistema regulatório de concessões deve ser acompanhado para que não se criem monopólios de empresas estatais em áreas de infraestrutura.

Ou seja, Estados Unidos, Alemanha, França entre outros países, temem investimento estatal chinês e querem pôr limites, regulamentar ▬ pôr o sarrafo mais alto. Na linha de grandes potências do mundo, ecoando a preocupação, o Conselho Empresarial Brasil-China e a APEX alertam para o risco de monopólios chineses estatais em áreas da infraestrutura no Brasil. No frigir dos ovos, terão sido também advertências inúteis, contidas em relatório de órgão relevante, mas com efeito final parecido às minhas, divulgadas por  mero particular de parcos meios? Não sei. Sei uma coisa, estamos merecendo o título ignóbil de campeões mundiais da imprudência, pois nos despreocupa a soberania nacional, independência e interesses estratégicos, levados a sério nos Estados Unidos, Alemanha, França e em tantos outros países, como afirma o referido relatório. A continuidade nessa rota de declive nos afundará lá na frente na condição de protetorado efetivo, ainda que inconfessado. Faz falta na vida pública brasileira não só a honestidade no uso do dinheiro público. Congruente com ela é a honestidade na linguagem, evitando termos como privatização e multinacionais chinesas, quando o programa favorecer de fato a estatização e o monopólio (chineses). Agentes: as estatais chinesas. A terminologia correta é essa última, cujo emprego trará despoluição do ambiente público, tão necessária quanto a despoluição do Tietê e do Pinheiros.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Brisa de bom senso


Brisa de bom senso

Péricles Capanema

A entrevista de Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do ministério da Agricultura, concedida ao Estadão (4.8.2019), é brisa de bom senso, ventinho bom em região que padecia calmaria asfixiante e onde faz enorme falta a ventania da sensatez.

Com efeito, em profundidade no setor da reforma agrária ▬ falo dele e dói dizê-lo ▬ tudo continua igual como nos governos FHC, Lula, Dilma e Temer. A legislação permanece a mesma e, sintoma pressagioso, não se percebe nenhum movimento para mudá-la num sentido que favoreça a segurança jurídica, prosperidade no campo, salários e renda melhores para quem vive da terra. Enfim, leis que promovam a dignidade humana, obrigação dos homens de bem, a mais de preceito constitucional. Seria o mais decisivo, fincaria proteção para agora e compraria seguro para as gerações futuras. No caso, nada mais social, solidário e favorecedor dos pobres.

É sabido, Salvador Allende comunistizou o campo e a cidade com o marco legal lá existente (los resquicios legales), não precisou de instrumental novo. Igual pode acontecer com o Brasil, precipitando-nos na rota de Cuba e da Venezuela, o caminho da servidão, o que seria o inferno dos pobres, com presenciamos de momento especialmente em Roraima. E estamos em momento propício para dinamitar tal estrada.

Adiante. Infelizmente o aparelhamento do INCRA subsiste em boa medida. Permanece dando as cartas parte dos chamados técnicos que, muitas vezes em altos cargos de confiança, colaboraram em governos anteriores para a destruição do campo mediante a aplicação manipulada da legislação de redação malandra (aliás facilmente manipulável), relativa à reforma agrária; por exemplo, na feitura dos índices e na avaliação do valor da propriedade. E, nesse quadro, prosseguem indicações políticas para as superintendências do INCRA nos Estados. Em suma, como antes, o futuro agrícola do Brasil continua ameaçado.

Vamos à entrevista do secretário de Assuntos Fundiários. O mais alvissareiro ali é o anúncio de mutirão para fechar acordos com proprietários espoliados que lutam anos a fio no Judiciário contra o verdadeiro confisco (ou esbulho, se quisermos) que sofreram ▬ promessa por enquanto, para ser cumprida até dezembro. É reparação de injustiças e destinação de áreas consideráveis, antes sujeitas à, por baixo, bagunça do INCRA e do MST, focos habituais de toda sorte de malfeitos, que passarão a ser utilizadas na produção agrícola moderna. Nabhan observa: “Não tem dinheiro. Não é para beneficiar produtor, pelo contrário. Aquele depósito feito há 10, 15 anos volta aos cofres públicos”.

Tem razão. De fato, o INCRA em conluio com o MST (CPT também) via de regra implanta Brasil afora o desatino dos assentamentos e num sem-número de casos fica depositado o valor relativo às benfeitorias, enquanto se arrastam os processos. O restante da indenização (ou, pelo menos, grande parte dela) será pago futuramente, na conclusão do processo, em títulos da dívida agrária, com forte deságio no mercado. O proprietário quer é a terra de volta, devolverá aliviado o valor que está dormindo em depósito bancário.

De passagem, noto na declaração do secretário, talvez inadvertidamente, a influência do bafo antipático ao proprietário rural, em larga proporção soprado pelos grandes meios de divulgação e sintoma aziago do ambiente intoxicado contra o produtor do campo (latifundiário, ocioso, explorador de mão de obra barata, inimigo do meio ambiente, vai por aí afora). Nem o presidente licenciado da UDR a ele ficou imune: “não é para beneficiar o proprietário, pelo contrário”. Devagar, é sim para beneficiar o proprietário injustiçado, a medida vai ajudar em primeiro lugar o produtor rural, e é coisa ótima, para celebrar como marco de política social (reflexos benéficos no bem comum). Merece foguetório. Sentimos ainda o mesmo mau hálito em outro trecho da entrevista: “Se tiver algum proprietário que diga ‘votei no Bolsonaro’ se o terreno está improdutivo, vai ser desapropriado”. Epa! Escutei direito? Proprietário desapropriado? Com exploração abaixo dos índices oficiais, cravados por funcionários do INCRA?

O sensato para um líder rural seria trabalhar para modificar a presente legislação, celebrada pela esquerda, na qual deposita grandes e fundadas esperanças, que permite expropriação de fazendas com base em índices de utilização facilmente manipuláveis e falsificáveis ▬ e que foram continuamente manipulados ao longo dos últimos governos. E em pagas (só na promessa em geral) com base em avaliações largamente arbitrárias. Infelizmente, temos aqui, repito, talvez inadvertidamente, endosso a diplomas legais que são punhais desembainhados nas costas dos produtores rurais.

Estamos esquecidos que podem existir justificadas razões de mercado para deixar uma propriedade ociosa? Entre outros motivos, superprodução e crise internacional. Estamos esquecidos que compreensíveis motivos familiares podem determinar a interrupção de uma exploração por alguns anos? No Brasil, no campo, a ociosidade não prejudica o bem comum, em certos casos pode até favorecê-lo. E há saída clara para distribuição de lotes a gente que de fato queira plantar, o Brasil tem terras públicas, existem proprietários que venderiam a preços de mercado suas terras ao governo em negociações livres.

Tem mais e não custa lembrar. Se não fosse o disparate da reforma agrária, que infelicita o Brasil desde a década de 60, hoje teríamos mais produção, maior produtividade, salários melhores no campo. Inexistiriam essas milhares de favelas rurais em 88 milhões de hectares. E o Brasil não teria jogado fora bilhões e bilhões de reais, favorecendo roubalheiras, perseguições, crimes de vida, comércio de drogas, inibição de investimentos; no melhor dos casos, péssima aplicação de dinheiro público. A reforma agrária foi e está sendo uma desgraça para o pobre, para a agricultura e para o Brasil. É um tumor de estimação instalado nas entranhas da Pátria. O sensato seria extirpá-lo, óbvio ululante. Observei em artigo recente: “R$300 bilhões de terras na bagunça. Coloque os empréstimos não devolvidos, os perdões de dívidas, a assistência técnica estatal para aproveitadores, o controle tirânico dos assentamentos pelos agentes do MST, a venda ilegal de madeira. Os escândalos do mensalão e do petrolão são fichinha perto do escândalo do programa da reforma agrária. Mas, é claro, não se pode extinguir o programa. Razão técnica? Nenhuma. Não aumenta a produtividade. Razão social? Nenhuma. Piora a situação dos pobres. Razão de paz social? Nenhuma. Tensiona a região em que se implantam os assentamentos. Mas trona e sobrepassa tudo uma razão inamovível. É tumor de estimação. Tumores de estimação são intocáveis”. (“A anemia do abril vermelho, postado em 19 de abril em periclescapanema.blogspot.com, em que estão argumentos que por falta de espaço deixo de alinhar aqui; a respeito, ver ainda no mesmo blogue “O INCRA precisa mudar de nome” e “Artigo sem título”)

Termino. Louvável e refrescante brisa de bom senso, autorizando esperanças, a promessa do mutirão dos acordos com proprietários espoliados. O Brasil que presta ainda espera que a brisa se transforme em forte ventania da sensatez.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Governar pelo bom exemplo


Governar pelo bom exemplo

Péricles Capanema

Como pai e mãe educam os filhos? Começo por um dos fundamentos, o que interessa no caso. A preparação para a vida entre os homens apresenta marcantes traços comuns com o modo de, por exemplo, a onça e outros animais prepararem os filhotes para a sobrevivência. Pela imitação, lei da natureza; outro jeito, pela força do exemplo. Gradualmente, ensina-os a se defender dos perigos, a caçar, a procurar abrigos. E o homem é mamífero, guiado pela razão.

De igual maneira, enorme papel tem a imitação na educação infantil. Forma o caráter o bom exemplo dos superiores, no caso, os mais naturais e imediatos, os pais. No ambiente da família, o filho em especial imita o pai, a filha em particular a mãe, ambos movidos fortemente pela admiração. Nada mais normal que, aperfeiçoando a imitação, buscando padrões de comportamento, o filho idealize os pais, para ele causa, modelos, mestres e regentes. E assim tantas vezes, para bem formar o filho, pais e mães ocultam vícios e má conduta ▬ exemplo corrente, os fumantes. Se não são, pelo menos precisam ser visto como sendo modelos. A educação pela imitação admirativa repercute desde a mais tenra infância até a extrema ancianidade. Qualquer desarranjo em tal processo traumatiza, deixa sequelas vida afora. Depois na educação temos os ambientes familiares, sociais, rodas de amigos, a escola. E então se avulta o papel do professor.

Mas não pretendo falar de pedagogia do infante. Meu assunto é outro, governo ▬ pedagogia adulta. Sei, uma tem relação com a outra. Vamos lá. O Estado existe para a promoção do bem comum (o bonum commune da Escolástica). João XXIII na “Pacem in Terris” lembrou esta verdade, hoje tão esquecida, em palavras precisas: “[A] realização do bem comum constitui a própria razão de ser dos poderes públicos”. Emerge a pergunta: o que é o bem comum? Volto a João XXIII: “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.

Destaco o enunciado “desenvolvimento integral da personalidade humana”. Integral. Para tal crescimento, contam fatores materiais, contam sobretudo fatores morais. E aqui entra o papel de formador do governante. Na mais funda raiz, a obrigação do decoro, bem como a chamada liturgia do cargo e a sujeição ao cerimonial se assentam na contribuição ao bem comum advinda do bom exemplo do governante. Em decorrência, a lesão ao bem comum que seu mau exemplo acarreta. E a congruência da punição a tal conduta. Expressão de tal verdade temos no artigo 9º da lei 1079 de 10/4/1950 que tipifica como crime de responsabilidade “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. O que pode levar à perda do cargo.

Na vida de uma nação todo esse edifício se apoia na noção idônea de bem comum. A ideia de bem comum sem simplismos, rica, multifacetada, abarcando toda a realidade, que incorpora com discernimento os fatores morais, intelectuais, psicológicos e materiais é pressuposto da democracia autêntica, da saudável participação popular, do governo realmente voltado para os interesses populares e nacionais. Sem tal concepção, tornam-se desnaturadas as noções de democracia, participação e governo; funcionam mal as instituições e se escancaram as portas para a demagogia.

Fato ilustrativo, em 25 de agosto de 1928 o presidente Washington Luís inaugurou a Rio-Petrópolis, a primeira rodovia asfaltada no Brasil, e na ocasião pronunciou frase que se tornou célebre: “Governar é abrir estradas”. Parece, nem ele julgava que governar se reduz essencialmente a abrir estradas. Mas a afirmação simplista ficou no anedotário político. Exagerando, puxando a corda para o outro lado se poderia dizer: “Governar é dar bom exemplo”. Nem um, nem outro. Governar é promover o bem comum, simples assim, fazer estradas e dar bom exemplo formam parte do todo.

Também a ideia correta de representatividade tem relação com o bem comum. A promoção do bem comum supõe via de regra que a nação se faça representar pelo que tem de mais expressivo. É parte da exemplaridade própria às funções públicas ▬ probidade, decoro, brilho. Nunca ali deveria estadear o extravagante, excêntrico e estapafúrdio. No Brasil, cada vez mais, pecamos aqui, todos sabem.

Por que tratei hoje do tema? As reflexões brotaram ao ler entrevista recente de dom Rafael de Orleans e Bragança e ali o príncipe dizia: “Fomos ensinados desde pequenos a ser vistos como exemplos”. Amplio o tema na mesma direção e fecho com episódio talvez um tanto legendário, ligado ao que se poderia chamar com alguma liberdade o bem comum das almas (a salus animarum). São Francisco de Assis certa vez convidou um jovem do convento para acompanhá-lo em pregação. Caminharam em conversa animada até o povoado. Percorreram as ruas, cumprimentaram pessoas, uma prosinha aqui e ali; para os transeuntes ensinamento vivo de simplicidade, desapego e espírito sobrenatural. Na tardinha retornaram à residência. O moço recordou a são Francisco, haviam esquecido a pregação. Respondeu o santo mais ou menos assim: “Enquanto andávamos, era uma pregação o que fazíamos. Nossas vestes, nosso porte, revelavam que servíamos a Deus. Pregamos sermão mais tocante do que se tivéssemos falado na praça, exortando o povo à santidade”.

Verba movent, exempla trahunt (Palavras comovem, exemplos arrastam). Faz muita falta o arrastão do bom exemplo. Ajudaria o bem comum, facilitaria o apostolado. É isso.