sexta-feira, 28 de julho de 2017

Compaixão cruel

Compaixão cruel

Péricles Capanema

Este artigo poderia ter como título compaixão suicida, pena cruel ou piedade demolidora. Ou até mesmo compaixão romântica. O romantismo, lente deformante, via de regra traz sofrimentos atrozes aos compadecidos, às vezes não de imediato. Em geral, mais que a ignorância, dificulta o atendimento eficaz aos que sofrem mais que a ignorância.

Corta. No fim volto à compaixão. Examinei os números da última pesquisa presidencial, divulgada pelo DataPoder360. Os dados mais salientes, Lula lidera com 26%, seguido por Jair Bolsonaro, 21%. Como a margem de erro é 3%, para baixo e para cima, Lula pode ter de 23 a 29%. E Bolsonaro de 18 a 24%. Configura empate técnico. A seguir, Geraldo Alckmin, com 10%. Se o candidato do PSDB for João Dória, o tucano tem 13%, Lula escorrega para 23%, Bolsonaro continua com 21%, Marina Silva aparece com 12%. A rejeição aos tucanos alcança 51%, a do PT atinge 56%. 6% dos eleitores são fieis ao PSDB, 20% fieis ao PT. 13% dos eleitores admitem votar num petista. Ficou assim para o PT: 20% votariam com certeza, 13% poderiam votar, 56% jamais votariam, 11% não sabem ou não responderam. Continuidade ou mudança? 3% querem continuidade; 81% reclamam mudança. Para os três possíveis candidatos de momento com maior índice eleitoral, 54% não votariam de jeito nenhum em Lula, 46% nunca votariam em Bolsonaro, 45% jamais votariam em Doria. Segundo o instituto Ipsos, a reprovação do presidente Michel Temer subiu a 94% na segunda semana de julho. Pela mesma pesquisa, 95% dos brasileiros acham que o País está no rumo errado.

Todas essas porcentagens, sujeitas a controvérsias, bem verdade, mas sem dúvida indicativas, mudarão até o dia da eleição. Outros candidatos certamente surgirão. Dos por ora presentes na mídia, alguns sairão da disputa. Não custa lembrar, pesa sobre Lula a possibilidade da condenação em segunda instância e, com ela, provável inabilitação. Advindo esta, certamente subiriam as porcentagens de Marina Silva e Ciro Gomes.

Vamos à análise de aspectos relevantes evidenciados pelas porcentagens. Primeiro deles, infelizmente o quadro deixa ver forte componente populista para a próxima eleição. Vale dizer, demagógico, com viés intervencionista e coletivista. Winston Churchill em 13 de maio de 1940 consolidou liderança em discurso célebre por uma promessa: “I have nothing to offer but blood, toil, tears and sweat” (só tenho a oferecer sangue, fadigas, lágrimas e suor).

A frase sintetiza traço fundamental de programas não populistas; quaisquer deles. É um apelo à razão, à disposição para o sacrifício, à energia de caráter para enfrentar todo tipo de adversidades. Churchill venceu a guerra, preservou a liberdade e de fato poupou enormes sacrifícios ao povo inglês. São as políticas que dão certo.

Em nossa eleição de 2018, bem caseira e desimportante se comparada às apostas inglesas de 1940, provavelmente veremos muito do rumo contrário; na determinação do voto haverá enorme influência emocional.

A política não populista, a que no longo prazo mais pouparia sacrifícios à nação, exigiria medidas favoráveis ao aumento estável da produtividade. Entre outras, austeridade fiscal, privatizações, dispensa de funcionários nas repartições e estatais inchadas, responsabilidade pessoal, educação e treinamento mais amplos e exigentes, investimento maiores na infraestrutura, o que supõe cortes em gastos de custeio, favorecimento aos investimentos privados. Não cabe aqui tratar, vai muito além de uma campanha presidencial, produtividade alta supõe hábitos culturais de disciplina e gosto da perfeição, difundidos nas famílias, dos quais uma das consequências é seriedade laboral, estudantil e governamental.

Quanto mais a nação engolir célere os pertinentes remédios amargos, mais se preparará para, no médio e longo prazo, ter subidas de produtividades que levarão a patamares mais altos de bem-estar social (o avanço, prosperidade generalizada). Quanto mais patinar nas políticas de imediata recompensa, de evitar enfrentar gargalos, mais chapinará no brejo da paradeira e afundará no pântano do retrocesso (é o atraso, empobrecimento perenizado).

Outro enfoque, mesmo quadro de fundo. O governo, respeitoso de seu papel suplementar em relação à sociedade, deveria propiciar condições para que cada um desenvolva suas potencialidades. Com proporção e harmonia, desigualdades de toda ordem beneficiam o bem comum, são condição de felicidade. Nada indica que o estímulo às potencialidades será tema muito presente da campanha presidencial. Talvez apareça em elogios ao empreendedorismo e na proteção às pequenas empresas.

Existem temas que poderão decidir a disputa, ainda pouco presentes. Aqui vão alguns deles, generalização do aborto, liberação do consumo de drogas, fim da censura social e da repressão legal às práticas homossexuais, “família” de vários modelos, laicização agressiva. À vera, os temas morais de si importam mais que os meramente econômicos para o bem comum e a felicidade das pessoas. Aparecerão decisivos na campanha? O futuro dirá.

Volto à compaixão romântica e cruel. A pesquisa indica 20% de votos no PT, ainda 13% poderiam sufragar candidatos petistas. Nada novo. Ao longo dos anos, com altos e baixos, foi comum a votação petista estar em torno dos 30%. As porcentagens parecem indicar, a crise de corrupção e desgoverno dos governos Lula e Dilma não erodiu grave e estavelmente a base social sobre a qual, historicamente, apoia-se o PT. Contudo, seria preciso considerar o ambiente de crise econômica e desemprego, nutre o voto de oposição e de protesto que, agora, é água no moinho do PT. Não vou analisá-lo neste artigo.


Existem raízes fundas em dois ingredientes dessa base de apoio. Parte dela é composta dos mitomaníacos da igualdade. Por ódio à desigualdade, preferem todos pobres, miseráveis mesmo, desde que não desiguais. Apoiam os irmãos Castro em Cuba e Nicolás Maduro na Venezuela. Apoiariam Stalin e Mao. E votam PT no Brasil. O outro ingrediente vota PT por que julga que o partido, ainda que lotado de ladrões e incompetentes, tem pena dos pobres, trabalha para eles. Pessoas de bom coração sofrem com o sofrimento dos pobres e só por isso o PT merece o voto. Não é indiferente à sorte deles. Tal compaixão, na prática crueldade social grave, favorece a manutenção de regimes que são flagelo para os pobres durantes décadas sem fim. Foi assim sempre, é assim hoje em Cuba e na Venezuela. O Brasil pode sofrer ainda mais os efeitos da epidemia, estamos atulhados de compassivos românticos, refratários aos efeitos reais de sua piedade desalmada.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Bispos denunciam ditadura socialista na Venezuela

Bispos denunciam ditadura socialista na Venezuela

Péricles Capanema

Em meados de maio o presidente Dona1d Trump garantiu, fará “o que for necessário” em cooperação com outros países do continente para normalizar a situação na Venezuela, classificada por ele como “uma desgraça para a humanidade”. Foi uma forma de solicitar ação coordenada de países latino-americanos.

Vladimir Putin agiu em sentido contrário. Manifestou sua admiração por Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, por governar com coragem para manter a estabilidade e a paz. De outro modo, a presente atuação do governo venezuelano, diz ele, favorece a estabilidade e a paz no país e na região. Declarou ainda, condenava esforços políticos internos e externos que desconhecem a ordem constitucional no país. Ou seja, censura as ações da oposição venezuelana que procura livrar a nação das garras da ditadura bolivariana, capitaneada em parte por agentes castristas.

Mais um ponto. Como se sabe, Nicolás Maduro acusa os Estados Unidos de insuflarem os protestos no país. A atitude do presidente russo revela clara oposição aos Estados Unidos, quando censura os “esforços políticos externos”. Este, o quadro externo.

Agora, novidade importantíssima no quadro interno. O apoio do autocrata russo antecedeu por pouco enérgica tomada de posição de todos os arcebispos e bispos venezuelanos. Em 13 de julho pelo documento intitulado “Mensagem urgente aos católicos e pessoa de boa vontade na Venezuela”, os bispos do país reagiram enérgica e valentemente contra o processo de comunistização em curso no país.

Vamos ao documento. De início, a denúncia da fome: “Fazemos nossos os clamores das pessoas que se sentem golpeadas pela fome, falta de garantias para a saúde, difícil compra de remédios, a insegurança em todos os sentidos. Embora o povo ainda mantenha a esperança, hoje sofre muito mais”. Deixam claro, a ação do regime generalizou a fome.

A seguir, a denúncia da violência: “Em nosso país a violência ganhou caráter estrutural. São variadas suas expressões, desde a violência irracional com sua dolorosa cota de mortos e feridos, danos a residências, perseguições. A repressão oficial gera tensão e anarquia. A prisão de muitas pessoas, sobretudo jovens, por se opor ao governo, agrava ainda mais a situação. Circulam denúncias sérias sobre torturas. Existem pessoas processadas arbitrariamente pela Justiça militar que foram levadas a penitenciárias de segurança máxima”. Acusa na sequência os grupos armados pelo chavismo para intimidar a oposição: “Muitas de nossas comunidades e instituições são flageladas por grupos paramilitares ilegais que agem debaixo do olhar complacente das autoridades”. O regime causa a violência contra o povo.

Os bispos venezuelanos denunciam então o instrumento governamental para continuar no poder, o que perenizará também a fome e a violência: “Embora a crise padecida pelos venezuelanos seja de muitos anos, nos últimos meses aprofundou-se por causa da iniciativa do governo de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, questionada e recusada pela maioria do povo venezuelano. Mais uma vez a Constituição foi violada e o Tribunal Supremo da Justiça (TSJ) e o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) avalizaram o que propõe o Executivo. O mencionado projeto pretende impor ao país um regime ditatorial”.

Em sentido contrário, os bispos apoiam a consulta determinada pela Assembleia Nacional, de maioria oposicionista: “No próximo 16 de julho, promovida pela Assembleia Nacional, haverá uma consulta popular, que goza de toda legitimidade”.

Concluem então os bispos com apelo de enorme gravidade, do qual destacamos: “Como pastores da Igreja na Venezuela, ecoando os clamores da imensa maioria de nosso povo, elevamos nossa voz e exigimos da Força Armada Nacional Bolivariana [do Exército, em linguagem simples] que, como determina a Constituição, cumpra seu dever de estar a serviço do povo no respeito e garantia da ordem constitucional e não simplesmente a serviço de um regime, de um partido ou de um governante. Apelamos à consciência de todos seus membros, não esqueçam que também fazem parte do povo”.

A gravíssima postura episcopal procura evitar desenlace trágico e iminente: “O que se busca é instaurar um Estado socialista, marxista e militar”. Em resumo, para os bispos, a Venezuela se encontra às vésperas da ditadura comunista. Assinam o documento todos os arcebispos e bispos venezuelanos.


Este artigo poderia se chamar: Um bom exemplo episcopal. Tocante. Infelizmente raro em nossos dias. Enorme bom exemplo, por exemplo para a CNBB, favorecedora contumaz dos programas e governos petistas, os grandes apoios do chavismo na América Latina. Segui-lo evitaria, como mostram os bispos da Venezuela, enormes sofrimentos para o povo.

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Horror escancarado

Horror escancarado

Péricles Capanema

Recebi de amigo o jornal parisiense Le Monde, 29 de junho de 2017. Comprou n capital francesa quando embarcava para cá, trouxe como lembrança. No mesmo dia, por acaso, chegou-me às mãos o sermão feito pelo cardeal Eugênio Pacelli (o futuro Pio XII) na catedral de Notre Dame de Paris, 13 de julho de 1937. Antes, havia consagrado em Lisieux igreja dedicada a santa Teresinha do Menino Jesus. Oitenta anos separam o sermão e a edição do jornal. Na aparência, um nada tem a ver com a matéria do outro. Na realidade, tudo a ver.

Ao ler o Monde, pensei nas palavras francesas gouffre béant, abismo escancarado, um dicionário precisa, prêt à vous engloutir, pronto para te engolir.

Vou tratar antes do sermão, fica como quadro de fundo. Afirmou o cardeal Pacelli, em Notre Dame lhe fala a alma da filha primogênita da Igreja. Ali ele como que escutava a voz de Clóvis, de santa Clotilde, de Carlos Magno, de são Luís IX sobretudo, “nesta ilha em que parece ainda viver e que ornou, na Sainte Chapelle, com a mais gloriosa e santa das coroas”. Ela guarda, como sabemos, fragmentos da coroa de espinhos que martirizou Jesus Cristo.

O enviado de Pio XI exortou os franceses à oração, vigilância e amor ao próximo. E para quê? Para que a França pudesse cumprir sua vocação providencial. “À França de hoje que a interroga, a França de outrora responde dando a esta herança o nome verdadeiro: vocação”. A França só cumprirá sua vocação natural, alertou o Cardeal, se for fiel ao chamado sobrenatural: “Os povos, como as pessoas, têm também sua vocação providencial; como os indivíduos, são prósperos ou miseráveis, brilham ou permanecem obscuramente estéreis, conforme sejam dóceis ou rebeldes a sua vocação. A passagem da França no mundo pelos séculos constitui ilustração dessa grande lei histórica. A energia indomável para cumprir sua missão fez nascer em vossa pátria épocas memoráveis”.

Em certo momento, proclama o cardeal Eugênio Pacelli: “Sejam fieis a vossa vocação tradicional. Não deixeis passar a hora, não deixeis estiolar os dons que Deus adaptou à missão que vos confiou”.

Corta. Passo a comentar o Monde. O editorial do influente órgão de imprensa é defesa encarniçada do direito dos casais de lésbicas terem filhos via PMA (procriação medicamente assistida), reivindicação “legítima e lógica”. Apoia as recomendações do Comitê Consultivo Nacional de Ética (CCNE), cujas conclusões, aliás, de forma geral, certamente terão apoio de Emmanuel Macron, se o Presidente mantiver posições expressas na campanha eleitoral. A única restrição levantada pelo CCNE, o material masculino precisa continuar gratuito. O suposto direito das lésbicas é propagandeado nas páginas, 1, 12, 22, 23 e 24 do diário francês. Matizo, o contraponto (sobre ele vou falar) aparece em longo artigo estampado na página 23, autoria de dom Pierre d’Ornellas, arcebispo de Rennes, por certo escolhido para a tarefa por ter presidido a Comissão de Bioética da Conferência Episcopal Francesa.

A seguir, alguns dos assuntos tratados nas páginas do Monde. Opinião mais aceita, o doador deve ser anônimo. A criança nunca terá a possibilidade de conhecer o pai. Foi ponto delicado, esteve entre as razões pelas quais 11 dos 40 membros do CCNE votaram contra a recomendação aprovada. Os direitos paternais [vou utilizar a palavra, é a usual, mas aqui fica mal à vontade] pertencem às duas lésbicas, embora só uma delas leve adiante a gestação. E se houver separação litigiosa durante a gravidez? Permanece o direito da mulher que não gerou, assim como o direito dos avós (os pais dela). E se as duas forem estéreis? Contratariam uma terceira. Em outros países hoje já há comércio, locais permitidos, condições estipuladas para a chamada “barriga de aluguel”. Ainda não se tem notícia do comércio de espermatozoides. Pode acontecer logo. Fatores de valorização na certa, a juventude, inteligência, saúde, fama. Outro tema, em que medida deverá ser empregado dinheiro público para evitar disparidades entre os casais ricos e os pobres? Ainda, grande concordância sobre o direito de as mulheres congelarem óvulos para provocar a gestação se e quando desejarem, com doadores escolhidos. Por exemplo, congela aos vinte, tem o filho aos cinquenta, depois da carreira feita.

O contraponto agora, o artigo da página 23 do arcebispo de Rennes, dom Pierre d’Ornellas. Em nenhum momento no longo texto aparecem as palavras Deus, Evangelho, Igreja Católica, Magistério, Sagradas Escrituras, Bíblia, Nosso Senhor Jesus Cristo, natureza, moral, moral natural, moral cristã, moral católica. Seria congruente que fossem citados documentos como Donum Vitae e Familiaris Consortio. Nada.

A primeira preocupação de dom d’Ornellas é o calor das discussões. “Não despertemos as divisões entre os franceses” ▬ intitulou o artigo. “É urgente buscar o apaziguamento da França e suscitar uma nova confiança mutua”.

A segunda vem de crítica feita quase com eufemismos: “O CCNE não aborda a procriação nem a sexualidade nelas mesmas, para daí retirar as significações verdadeiras e ponderar toda a envergadura ética”. Insta preocupado: “Temos necessidade de um olhar antropológico que, por causa do debate, seria crescentemente aprofundado e compartilhado para ajudar a todos a compreender melhor a grandeza de nossa condição humana e da transmissão da vida”.

Desagua na conclusão: “Essas técnicas reclamam de nós um sobressalto ético. O respeito ao mais frágil é a pedra fundamental. A autonomia, longe de ser um direito absoluto, é relacional. O desafio ecológico, que nos coloca a irmã Terra provoca a pergunta: qual planeta queremos deixar a nossos filhos. Por que o uso das técnicas biomédicas não seria guiado pela mesma questão”?

Acho desnecessário comentar com detalhes a posição do arcebispo, mas está claro, não era o alimento que as almas retas esperavam. Nem quanto ao conteúdo nem quanto ao tom. Alguém julgará decisivas argumentações como a acima, acenadas contra investidas poderosas de milícias diabólicas? Não fujo do adjetivo, considerem a sociedade que pretendem nos impor; tais medidas são apenas a porta de entrada, imaginem o que virá como medidas correlatas, congruentes e de decorrência lógica. Veio-me ao espírito o seguinte: “E, se algum de vós pedir um pão a seu pai, porventura dar-lhe-á ele uma pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, porventura dar-lhe-á ele, em vez de peixe, uma serpente? Ou se lhe pedir um ovo, porventura dar-lhe-á um escorpião?” (Lc, 11, 11-12).


Qual o rumo? O futuro Pio XII, em 1937, pregando no púlpito mais importante da França, propôs passos necessários para a realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Bons programas, grandes organizações, tudo isso é muito bom; mas, antes, o trabalho essencial é o realizado no fundo de cada um, no espírito, no coração e na conduta. Só ele pode fazer Cristo reinar nos corações, só ele é capaz de trazer a realeza de Cristo”. Tais palavras, começo de estrada, são contraponto autêntico às investidas que assaltam a França. De fato, agredirão todos nós, mais dias, menos dias.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Redução a condição análoga à de escravo

Redução a condição análoga à de escravo

Péricles Capanema

Veja acima o título, é delito punido no Brasil, artigo 149 do Código Penal: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção”. A seguir: “Nas mesmas penas incorre quem cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho”. Mais ainda: “se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho”.

Hoje não quero falar do Brasil (só um pouco), vou tratar da China. Por ação, cumplicidade, desleixo ou omissão, é desse crime que o governo dos Estados Unidos está acusando o governo da China. Começa assim o 2016 Trafficking in Persons Report: “A República Popular da China é origem, destino e local de trânsito para homens, mulheres e crianças submetidos a trabalho forçado e tráfico sexual”.

Preciso, trabalho forçado a lei penal brasileira chama de condição análoga à de escravo. O documento afirma existirem 294 milhões de chineses (indocumentados) potencialmente sujeitos a trabalhos forçados em minas de carvão e fábricas, parte das quais opera ilegalmente e se aproveita da frouxa regulamentação governamental. Acrescenta: “Crianças em programas de trabalho e estudo apoiados pelos governos locais e escolas são obrigadas a trabalhar em fábricas. Homens africanos e asiáticos são explorados em navios chineses, trabalhando em condições indicadoras de trabalho forçado”.

Aqui o mais direto do texto contra o governo chinês: “Permanece a preocupação com o trabalho forçado patrocinado pelo Estado. Por décadas, a ‘reeducação pelo trabalho’ representou uma maneira sistemática de trabalho forçado na China. O governo da República Popular da China se aproveitou do trabalho forçado de pessoas sujeitas a detenção administrativa (extrajudicial), muitas vezes sem remuneração, até por quatro anos. [...] Continuam as informações de utilização atual de trabalho forçado nas instalações governamentais de reabilitação”. Mais abaixo, o documento reitera: “Continuam nos chegando as informações da cumplicidade governamental com o trabalho forçado, inclusive mediante políticas de trabalho forçado em programas com patrocínio governamental. Apesar do anúncio oficial de 2013 de abolição da prática de reeducação pelo trabalho, continuamos a receber notícias que não puderam ser checadas sobre centros governamentais de detenção fora do sistema judicial”.

Stalin (não apenas ele) já se utilizava de expedientes desse tipo. Precisava de mão de obra, mandava prender, não pagava e depois soltava. Ou não. Assim se recrutou parte da mão de obra escrava, milhões e milhões de desgraçados, retratada no Arquipélago Gulag de Alexandre Solzhenitsyn. Aqui, nada mudou.

Sobre a exploração sexual é severo o relatório: “Mulheres e moças estão também sujeitas ao tráfico sexual dentro da China. Mulheres e crianças de países asiáticos vizinhos, África e América estão sujeitas a trabalhos forçados e a tráfico sexual na China. Mulheres norte-coreanas estão sujeitas a prostituição forçada, ao casamento forçado, ao trabalho forçado na agricultura, ao trabalho doméstico forçado e ao trabalho forçado nas fábricas”.

Sobre a situação dos norte-coreanos: “O governo sustenta que não repatria compulsoriamente nenhuma vítima do tráfico. Antes do período coberto por este relatório, notícias verossímeis davam conta que autoridades chinesas repatriavam compulsoriamente refugiados norte-coreanos tratando-os como imigrantes econômicos ilegais. O governo detinha e deportava referidos refugiados para a Coreia do Norte, onde podem sofrer punições severas, campos de trabalhos forçados, até a morte”.

Transcrevi muita coisa, pode até ser penoso, sei. Foi necessário. A maioria dos dados do relatório ficou fora, mas a íntegra pode ser facilmente compulsada na rede.


Quais as razões da necessidade? Enumero duas. A mais imediata, a China se transformou no maior parceiro comercial do Brasil. Mantido o rumo, daqui a pouco, por meio de suas estatais, será presença gigantesca na economia brasileira. O favorecimento escandaloso das relações econômicas com a China, com detrimento dos Estados Unidos e União Europeia, diretriz de política exterior dos treze anos petistas (infelizmente o favorecimento permanece hoje no essencial, embora tenha cessado a sabotagem aos interesses norte-americanos e europeus), não só lesou gravemente nosso futuro de nação soberana. Esbofeteou cruelmente os direitos à liberdade de centenas de milhões de chineses, situação evidenciada acima. Razão mais funda, moralmente não é lícito favorecer a escravidão. Podem apostar, a esquerda tupiniquim vai se calar diante dessa lesão aos direitos humanos. É política patrocinada pelo Partido Comunista Chinês.

sábado, 1 de julho de 2017

Negócios nada republicanos

Negócios nada republicanos

Péricles Capanema

A todo momento leio: “em tratativa nada republicana”, “em conversas nada republicanas”. Fui ao Google e coloquei nada republicano, nada republicanos, nada republicana, nada republicanas. Milhares de entradas. Nunca, porém, ouvi em meus círculos empregar a expressão. Sintoma de que é muito utilizada na opinião que publica, pouco ou nunca na opinião pública.

Contudo, sempre me pareceu expressão disparatada ▬ pelo menos no Brasil. Espanta-me que ninguém tenha tido a iniciativa, comezinho bom senso, de invertê-la. Para corresponder à realidade, obviamente se deveria dizer entre nós quando nos referirmos a maroteiras : “em tratativas tipicamente republicanas”, “em conversas genuinamente republicanas”. Um exemplo: “Em atitude tipicamente republicana, Michel Temer, na calada da noite, sem registro na agenda, recebeu Joesley Batista no Jaburu”.

▬ Eu tô de bem com o Eduardo.

▬ Tem que manter isso, viu?

▬ Todo mês, também, e tô segurando as pontas, tô indo. [...] tô meio enrolado aqui, né, no processo assim…

▬ Você está sendo investigado.

▬ Isso, é, investigado. [...] Eu dei conta de um lado do juiz, dá uma segurada.

▬ Está segurando os dois?

▬ Tô

▬ Ótimo, ótimo.

▬ Segurando os dois. E eu consegui um procurador, dentro da força tarefa, que está também me dando informação.

Nenhuma dúvida, diálogo autenticamente republicano. Sei, sei, alguém vai observar, na República romana havia elevação e probidade nos homens públicos. Seriam os modelos. A mais, possivelmente a expressão terá raízes em varões de Plutarco, qualificativo esteado no livro “Vidas paralelas”, biografias de gregos e romanos ilustres, com serviços relevantes ao bem comum. Sei lá. Ou veio de “Da República” de Cícero. Quem sabe. Sempre longe de nossa realidade.

Acho igualmente absurdo buscar inspiração na Revolução Francesa, cujos líderes, em larga medida, foram bandidos, mentirosos, assassinos, tiranos e ladrões. Inspiração na ação política de Robespierre, Danton, Marat? Santo Deus.

Do mesmo modo, embora usadas a torto e a direito, não fazem sentido ética republicana, espírito republicano, para significar honestidade, decência, morigeração, comedimento, dignidade, interesse real pelo bem comum. Não devemos esbofetear a realidade, as palavras precisam refletir os fatos.

Os vitoriosos do golpe de 15 de novembro de 1889 ofereceram a dom Pedro II grande quantia em dinheiro (já começava ali a prática do mensalão). O Imperador recusou com a resposta que hoje provocaria muxoxo gaiato nos republicanos autênticos: “Com que autoridade estes senhores dispõem do dinheiro público?”

A honestidade generalizada no trato do dinheiro público sobreviveu no Brasil enquanto durou a geração de homens públicos formados no Império. Foi o que, aliás, constatou o historiador José Murilo de Carvalho: “O comportamento político do monarca foi marcado pelo escrupuloso cumprimento da Constituição e das leis, pelo respeito não menos escrupuloso ao dinheiro público, pela garantia da liberdade de expressão. […] Seu governo deixou uma tradição de valorização das instituições que, apesar de quebrada pelo golpe republicano, foi recuperada na Primeira República e talvez esteja viva até hoje. [Seu governo] legou um padrão de comportamento político que também sobreviveu nas primeiras décadas republicanas”.

O erudito historiador continua com pirueta inesperada, surpreendente salto triplo carpado, sustentando que havia valores republicanos no Império, desapareceram na República e a falha foi do Império por não os ter incutido como deveria; “O que menos sobrevive hoje são os valores e atitudes republicanos. Na raiz deste retrocesso talvez esteja uma das falhas do sistema imperial, herdada pela Primeira República: a incapacidade de [...] promover a expansão da cidadania política. [...] O apelo à republicanização [...] pode ter ainda hoje, como uma de suas referências, o exemplo de Pedro II. Republicanizando-se, o regime completará a herança imperial”.

Já que a república institucionalizou a bandalheira, para torna-la promotora do bem comum o engenhoso historiador sugere tornar dom Pedro II referência para o regime e manter a herança imperial.

Outra cambalhota que ajuda o regime republicano. O mesmo historiador busca no século 17 (1633), com um jesuíta famoso, o sentido em que poderíamos autenticamente utilizar a palavra república, mas já agora sem nada ter a ver com regime político. O padre Simão de Vasconcelos (1597-1671) escreveu: ““Nenhum homem nesta terra é repúblico, nem vela nem trata do bem comum, senão cada um do seu particular”. Entenderam? Repúblico tem relação com res publica, coisa púbica, bem comum. Poderemos ter o monarquista repúblico, o republicano repúblico, o democrata repúblico. E vai por aí afora.


Declaro-me vencido.  Matizo minha opinião. Acompanhando o jesuíta, acepção usual daquela época, podemos empregar a expressão nada republicano. Mas, cuidado, nunca a ligar à República brasileira, nem à Revolução Francesa, o que a tornaria contaminada por doença grave. Lembremo-nos unicamente do padre Simão de Vasconcelos.