terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Escorracem já o povo!

Escorracem já o povo!

Péricles Capanema

A vaga no Supremo, aberta com a morte de Teori Zavascki, assanhou a patrulha ideológica. Para desgraça nossa, continua crespa, cada vez mais intolerante. São trinta candidatos com chances de levar, avalia Eliseu Padilha, encarregado pelo Presidente de fazer uma triagem inicial, informa a “Época”. No seleto grupo está Ives Gandra Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Entre os ventilados, só ele foi fulminado pela fatwa da patrulha. Razão, suas opiniões estão vetadas no Brasil pela censura dos bem-pensantes progressistas. Não conheço Ives Gandra Filho, não tenho procuração nem pedido para defendê-lo e, quer saber, nem tenho juízo formado sobre a melhor escolha. Meu problema aqui é outro, de âmbito nacional.

Intrigado com a agressividade do veto, fui atrás das opiniões do magistrado em especial sobre a família (o falatório girava em torno do tema). E li a nota que distribuiu à imprensa. Tive enorme surpresa. Suas convicções enunciadas em linguagem culta e clara são as da maioria do povo brasileiro. Em resumo, a artilharia libertária quer banir do Supremo qualquer candidato que espose ideias aceitas pelo grosso dos brasileiros, mas não da patota emproada. A intolerância da neoinquisição não admite divergência. Faz lembrar Henrique VIII advertindo são Tomás Morus no filme “O homem que não vendeu sua alma”: “No opposition, Thomas, no opposition”. Também ele não admitia oposição. Fica o recado: a KGB progressista não mais tolera no Brasil tais opiniões em pessoas que aspirem a postos de expressão; só ainda as atura no povo miúdo. Cada vez que surgir algum infeliz com tais opiniões, cogitado para posição influente, a patrulha também vai tratá-lo como proscrito.

Para onde vamos? Vamos para a servidão, se o Brasil da gente direita curvar a espinha às tirânicas oligarquias libertárias e assim permitir que minorias fanatizadas, por meio de estrondos publicitários, tomem de assalto as cadeiras do Supremo. E outros espaços de direção.

Vejam o que encontrei (está na rede). O conceito de matrimônio de Ives Gandra Filho reproduz exatamente o que ensina o catecismo católico: “O matrimônio possui dupla finalidade: a) geração e educação dos filhos; b) complementação e ajuda mútua de seus membros. Tendo em vista, justamente, essa dupla finalidade, é que o matrimônio se reveste de duas características básicas que devem ser atendidas pela legislação positiva, sob pena de corrupção da instituição: a) unidade – um homem com uma mulher; b) indissolubilidade – vínculo permanente”. Mesmo protestantes e até agnósticos podem subscrever tal definição; tem raiz no Direito Natural. A intolerância furibunda com os conceitos acima nutre no bojo o vírus da perseguição religiosa, que, se não for combatido, gradualmente vitimará o organismo inteiro.

Transcrevo abaixo algumas outras convicções relativas à família enunciadas pelo dr. Ives: “A celula mater da sociedade (núcleo básico) é a família, como sociedade natural e primária, constituída numa comunidade de vida e amor para a propagação da espécie humana e ajuda recíproca nas necessidades materiais e morais da vida cotidiana”. Multidões de brasileiros dariam vivas e bateriam palmas em pé para quem afirmasse isso. Vou adiante: “O homem desde a sua origem surgiu no meio de uma família, que é a primeira sociedade humana. Não há que se falar, pois, em estado pré-social ou situação originária de promiscuidade sexual na vida animal”. Continuo: “A base do matrimônio é o consentimento mútuo na outorga e recepção do direito perpétuo e exclusivo sobre o corpo de cada um com vista aos atos aptos à procriação”. Mais uma: “Homens e mulheres têm constituições física e psíquica distintas, complementares entre si”. Excluir um candidato por defender tais convicções, equivale a moralmente banir o geral dos brasileiros de sua pátria.

Opinião de Ives Gandra Filho sobre união homossexual: “O casamento de dois homens ou duas mulheres é tão antinatural quanto uma mulher casar com um cachorro. Casais homoafetivos não devem ter os mesmos direitos dos heterossexuais, isto deturpa o conceito de família”. Reafirmo, persuasão da maior parte do povo brasileiro.

É também censurado por ser contrário ao aborto, ao divórcio, à distribuição de pílulas anticoncepcionais em hospitais públicos e a pesquisas com células-tronco de embriões. Reitero meu bordão, milhões de brasileiros têm opinião idêntica.

O presidente do TST julgou-se obrigado a distribuir nota à imprensa: “Diante de notícias veiculadas pela imprensa, descontextualizando quatro parágrafos de obra jurídica de minha lavra, venho esclarecer não ter postura nem homofóbica, nem machista. Deixo claro no artigo citado, de 70 páginas, sobre direitos fundamentais, que as pessoas homossexuais devem ser respeitadas em sua orientação e ter seus direitos garantidos, ainda que não sob a modalidade de matrimônio para sua união. Por outro lado, ao tratar das relações familiares, faço referência apenas, de passagem, ao princípio da autoridade como ínsito a qualquer comunidade humana, com os filhos obedecendo aos pais e a mulher ao marido no âmbito familiar, calcado em obra da filósofa judia-cristã Edith Stein, morta em campos de concentração nazista. O compartilhamento da autoridade sempre me pareceu evidente, tendo sido essa a que meus pais casados há 58 anos viveram e a qual são seus filhos muito gratos. [...] As demais posturas que adoto em defesa da vida e da família são comuns a católicos e evangélicos, não podendo ser desconsideradas "a priori" numa sociedade democrática e pluralista”.

Vou virar a página e dar um exemplo revelador das agressões da intolerância. Forum de 31 de janeiro traz em manchete: “Manifesto feminista contra Ives Gandra para a vaga de Teori ganha apoio irrestrito”. A notícia afirma que, “para eles [os signatários], Ives Gandra demonstra desconhecer a realidade social de brasileiras e brasileiros. ‘Sexismo, homofobia, lesbofobia, discriminação racial, desrespeito aos direitos humanos e sociais e ao Estado laico não podem ser parte da trajetória de quem irá integrar o colegiado do STF’, afirmam, em manifesto”. O texto intoxicado de preconceitos progressistas e lotado de falsidades vem assinado, entre outros, por Luiz Gonzaga Beluzzo, Miguel Rossetto, Emir Sader, centenas de professores de Direito, procuradores, líderes sindicais, juízes, jornalistas, advogados.


É pressagioso que minorias oligárquicas de esquerdistas e libertários, treinadas no patrulhamento ideológico, façam marcação cerrada para banir dos postos de direção qualquer um que tenha consonância com opiniões majoritárias do povo brasileiro, deles abominadas. Agem aqui os mesmos germes causadores das perseguições que mataram milhões nos gulags da Rússia soviética e nos campos de concentração da Alemanha nazista.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Esposa, mãe, católica e marqueteira

Esposa, mãe, católica e marqueteira

Péricles Capanema

Kellyanne Conway foi lançada em 2016 no centro da política norte-americana. Nascida em 1967, católica, títulos universitários prestigiosos, é casada com advogado conhecido e mãe de quatro filhos. Na vida profissional, marqueteira consagrada.

Seu (até agora) grande feito foi ser a primeira mulher a chefiar uma campanha presidencial nos Estados Unidos. A partir de 17 de agosto último, perspectivas nada alentadoras, assumiu o bastão e mudou o rumo dela, conseguindo para Donald Trump consagradora vitória no Colégio Eleitoral. Atualmente é conselheira presidencial, lá posição de topo. Tem mais: vem sendo jocosamente apelidada de whisperer para indicar que tem os ouvidos de Donald Trump. Logo estará na lista das mulheres mais poderosas dos Estados Unidos.

Em Washington, 27 de janeiro último, foi realizada a 44ª Marcha pela Vida, protesto pela aprovação do aborto em 1973 pela Suprema Corte (caso Roe versus Wade). A manifestação recebeu estímulo público de Trump: “A Marcha pela Vida é muito importante. Para todos os que estão se manifestando, meu inteiro apoio”. Nela discursou o vice-presidente Mike Pence, que “em nome do Presidente” deu as boas-vindas aos participantes. E aí discursou ainda Kellyanne Conway, começando assim: “Sou uma esposa, uma mãe, uma católica, conselheira do presidente dos Estados Unidos”.

Tais palavras estilhaçam o politicamente correto (entre nós, não entre eles). Não custa lembrar, meses atrás a revista Veja (18.4.2016) em reportagem sobre a atual primeira-dama Marcela Temer pôs no título: “bela, recatada e do lar”. Foi um deus nos acuda. Ironias, deboches, ataques, insultos encheram as páginas da imprensa tradicional e das redes sociais. O que respigo abaixo é apenas pequeno exemplo das centenas de milhares de manifestações. Diana Corso, psicanalista e escritora: “Acho que a pobre Marcela acabou carregando o ônus da onda de retrocesso. A existência dessa mulher nos coloca frente àquilo que temos lutado para não mais ter que ser”. Cláudia Tajes, escritora: “Não haveria nada de errado com a descrição se ela estivesse nas páginas de uma revista no início do século passado. Um mundo que só fala de empoderamento feminino e seus derivados só pode debochar ao ver uma guria de 30 anos ser retratada desse jeito. Coitada dela”. Nana Soares, jornalista: “Esta manchete parou no século 19. Estamos no século 21”. E vai por aí afora.

Nos Estados Unidos, comentários desse naipe são anacrônicos. Kellyanne Conway, ao destacar como características que especialmente preza seu papel de esposa e mãe e sua condição de católica, só a seguir lembrando que ocupa um dos mais poderosos cargos na Terra, tem inteira consciência que tal enumeração a faz simpática no pais inteiro e a fortalece na Casa Branca.

Por quê? Existiu nos Estados Unidos, décadas a fio, um enorme setor a bem dizer invisível. Oculto, um verdadeiro país conservador, vivendo em torno da família e do trabalho. A imagem dos Estados Unidos era outra, projetada pelos holofotes de Hollywood e pela fanfarronice emproada dos setores liberals (o que lá significa ter pelo menos propensões esquerdistas e libertárias), que gostam de monopolizar microfones. Impostura gigantesca, mandava e desmandava. Até que em certa hora o país majoritário de cansou do cabresto e da asfixia. Organizou-se, buscou participação nas universidades, presença nos meios de comunicação, influir na política. Enfrentou obstáculos sem nome, mas obteve também êxitos retumbantes, um dos quais foi o período Reagan de oito anos. As refregas continuam, polarizam a nação. Em suma, movimentos conservadores fizeram com que o país invisível tomasse consciência de si, opinasse e finalmente se afirmasse como parte influente, com direito a vez, voz e voto.

O acontecimento faz lembrar a lenda bretã da “cathédrale engloutie” (catedral submersa, engolida pelas águas), nas costas da ilha de Ys. Em certas ocasiões os habitantes da região escutam badalar de sinos e ouvem cantos sagrados. Quando a água está muito transparente lhe vêm os contornos. A ação lucida de lideranças responsáveis fez emergir das águas a catedral do país conservador nos Estados Unidos.


Temos também entre nós um Brasil invisível, desprezado, a cuja voz poucos atentam e sem consciência de que pode ditar rumos, caso aflore. É uma catedral, cujos sinos bimbalham, clamando por vir à tona. O Brasil foi colocado entre os países emergentes (com Rússia, Índia, China, África do Sul, o grupo BRICS). Antes, temos para fazer emergência mais urgente. Conscientizar, empoderar (já empregando o neologismo) grandes multidões, é falar, libertar setores agora sufocados. Quando o Brasil, abaixo da linha da água, hoje invisível, se afirmar na proporção correta, será completamente normal uma mulher de grande expressão, no meio de aplausos, proclamar-se ufana esposa, mãe e católica. Como acontece nos Estados Unidos.

domingo, 15 de janeiro de 2017

O maior povo ex-católico do mundo

O maior povo ex-católico do mundo

Péricles Capanema

Nelson Rodrigues, meio século atrás: “Tomem nota: — ainda seremos o maior povo ex-católico do mundo”. O escritor repetiu sua convicção diversas vezes ao longo da década de 60. Em 1960, era de 91,3% a porcentagem de católicos no Brasil. 64,6% em 2000, dados do IBGE.

Pensava na frase de Nelson Rodrigues quando compulsava pesquisa de dezembro de 2016 do Datafolha. Por ela, 50% dos brasileiros acima de 16 anos declaram-se católicos, 29% evangélicos (22% evangélicos pentecostais, 7% evangélicos batistas, presbiterianos, metodistas, entre outros), 14% afirmam não ter religião.

44% dos evangélicos já foram católicos. A migração de religião entre os evangélicos é grande. Em média, os evangélicos frequentam sua igreja atual há 12 anos (têm em média 37 anos). Os católicos, em média, frequentam há 32 anos sua igreja (têm em média 40 anos).

Aterrador o relativismo religioso. Apresentada pelo pesquisador do Datafolha a frase “todas as religiões têm o mesmo valor porque todas levam ao mesmo Deus”, 81% dos católicos concordavam com ela (64% totalmente, 17% em parte). Com tais convicções, não existem razões de fundo para se tornar ou permanecer católico. Apenas valem os motivos circunstanciais, volúveis como biruta de aeroporto.

Também é generalizado o sincretismo; as pessoas compõem para uso próprio um amontoado de práticas e aderem a princípios, umas e outros pescados em diferentes religiões.

Em época de eleição, 10% dos católicos costumam levar em conta a opinião de seus líderes (média brasileira, 15%; média dos evangélicos, 23%). 26% dos católicos apoiam candidatura de líderes religiosos seus; a porcentagem entre os evangélicos é de 44%. Segundo 31% dos evangélicos, os pastores das igrejas que frequentam orientam a votar em candidatos religiosos. Cerca da metade os segue totalmente, 9% em parte. Segundo os católicos, 14% dos sacerdotes nas igrejas que frequentam dão tais orientações e 5% dos fiéis as seguem totalmente.

Legalização da união entre pessoas do mesmo sexo: 68% dos evangélicos é contra, 19% a favor, 10% indiferentes. Entre os católicos, 42% contra, 44% a favor, 11% indiferentes. Em relação à adoção de crianças por casal homossexual, 64% dos evangélicos é contra, 26% a favor. Entre os católicos, 56% a favor, 33% contra.

Quanto ao ensino religioso facultativo nas escolas públicas, 85%, sejam católicos, sejam evangélicos, acham que as crianças deveriam ser ensinadas a rezar e a acreditar em Deus. Média brasileira: 79% a favor.

Dois pontos chamam fortemente a atenção. Em junho de 2015, 55% dos brasileiros maiores de 16 anos se declararam católicos. Em dezembro de 2016, 50%. Qual o motivo para tal tombo tão rápido? Erro de metodologia? Em junho de 2015, 7% dos brasileiros se declararam sem religião. Em dezembro de 2016, 14%. Queda muito rápida, provoca as mesmas perguntas. Entre os 14% que se declararam sem religião, 1/3 tem entre 16 e 34 anos, sintoma de que o agnosticismo crescerá nos próximos anos.

São múltiplas as causas da decadência católica no Brasil. Entre elas a difusão do que se chamou o espírito do Concílio. O grande argumento pastoral dos partidários do Concílio foi, era indispensável aproximar a Igreja do povo. Com o rumo escolhido, o povo debandou. A respeito, Paulo VI denunciou a fumaça de Satanás que havia entrado na Igreja após o Concílio Vaticano II, falou ainda de um espírito de autodemolição no interior da Igreja. O gás sulfúrico de Satanás facilita o crime, o vício e o pecado; cresta toda iniciativa para o bem. O espírito de autodemolição mina instituições e princípios sobre os quais descansa a Igreja. Com o apagamento do espírito religioso, decairá a moral privada e a ética social. Mais corruptas ficarão política, sociedade e família.


Por que divulgo dados trágicos, aliás conhecidos de tantos? De plano, permitem conhecer melhor a realidade, sempre necessário. Winston Churchill, para galvanizar o povo inglês, ainda isolado no mundo, contra a agressão nazista, em seu primeiro discurso ao Parlamento e à nação mostrou o quadro trágico: “Só vos prometo sangue, fadigas, suor e lágrimas”. Venceu e lhes deu, a mais da liberdade, a glória. É indispensável para os católicos a reviravolta restauradora. Sem ela, Nelson Rodrigues acertará outra de suas previsões.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Carnificina, trauma público e amadorismo

Carnificina, trauma público e amadorismo

Péricles Capanema

Acompanhamos horrorizados as carnificinas de detentos em Manaus e Boa Vista, ameaçam se estender pelos presídios de todo o País. Divulgadas por whatsapps se generalizaram cenas de selvageria incomuns até nos mais animalescos ambientes. Cabeças cortadas, mutilações de braços, pernas e órgãos genitais, corações arrancados do peito, deixando à vista um buraco de ossos quebrados, carne apodrecida e sangue coagulado. As vítimas, criminosos, grande parte traficantes, estupradores alguns, homicidas, ladrões. Não importa. Têm direito a tratamento digno, são brasileiros, enfim, irmãos nossos mesmo na maior degradação, é o ensinamento evangélico. “Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes (Mt 25, 43). É preciso um basta imediato.

Lembrando, em Manaus, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em 1º de janeiro, 56 detentos foram assassinados. Em Boa Vista, capital de Roraima, na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em 6 de janeiro, foram mortos 33 detentos. Os 56 trucidados em Manaus pertenciam ao PCC (Primeiro Comando da Capital); foram mortos por ordem do FDN (Família do Norte). Em vingança, o PCC matou 33 presos em Boa Vista, ligados à FDN.

As origens dos fatos estavam longe dali. Em 14 de junho de 2016, em Pedro Juan Caballero foi assassinado pelo PCC o megatraficante Jorge Rafaat. Com sua morte, esta facção assumiu o controle do tráfico na região, rompendo antigo acordo com o CV (Comando Vermelho), facção criminosas com raízes no Rio de Janeiro. Rafaat, ligado ao CV, era o principal exportador de drogas e armas para referida facção e aliados. “Não existe mais entreposto entre o Brasil e o Paraguai. Agora, o Paraguai é brasileiro. Qualquer facção criminosa não precisa mais ir até lá. É só falar com o PCC, eles fornecem o que quiserem e onde quiserem”, comentou José Mariano Beltrame, antigo secretário de Segurança do Rio de Janeiro. Em represália, o CV se aliou à FDN para impedir a entrada do PCC em regiões do Norte.

Por que recordo tudo isso? A disputa principal é sobre rotas e mercados da droga, secundária a guerra pelo controle das prisões. Como há concentração de membros das facções nos presídios, ali há chacinas. Mas no Brasil inteiro membros delas agora estão se matando, fora e dentro das cadeias. Acima constatei: é preciso um basta imediato. Refaço: é possível um basta imediato?

Os choques entre as gangues do narcotráfico ▬ 27 facções conhecidas da Polícia ▬ ameaça não apenas o sistema prisional brasileiro, mas o próprio futuro do Brasil. Na América Central já há países virtualmente dominados pelos chefões do tráfico. Regiões do México sofrem do mesmo mal. No Brasil, existem áreas dominadas pelas facções, funcionários públicos subornados, autoridades intimidadas, candidatos financiados. Ninguém considera absurda a hipótese de narcoestados na América Latina e dela não podemos excluir o Brasil.

Três fatores políticos favorecem o narcotráfico. As FARC, organização guerrilheira narcomarxista, controlava aproximadamente 40% da produção colombiana. Têm bases na Amazônia, enviam drogas até para o Paraguai, de onde entram no Brasil. Como ficará esse tráfico após a pacificação em curso? Como agirão os grupos dissidentes das FARC, que continuam trocando cocaína por dinheiro e armas? Outro ponto, Evo Morales, antigo líder sindical cocalero (produtor da folha da coca, matéria-prima para a cocaína), contra cujo governo pesam denúncias sérias de militares bolivianos, hoje exilados. E tais denúncias envolvem o governo bolivariano de Caracas, também favorecedor do narcotráfico. Um afilhado e um sobrinho do presidente Nicolás Maduro podem ser condenados à prisão perpétua nos Estados Unidos, por terem sido detidos por narcotráfico. São problemas de política internacional, intoxicados pelo PT, amigo das FARC, de Evo Morales e de Nicolás Maduro, cuja permanência dificulta em extremo a solução interna.

Com efeito, as fronteiras brasileiras são pouco policiadas, o Brasil é o segundo mercado consumidor de cocaína no mundo e provavelmente o maior consumidor de drogas, cuja base é a cocaína, o crack entre elas. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, no Brasil existem quase 400 mil viciados em crack (especialistas julgam baixa a estimativa). E segundo documento do Departamento de Estado dos Estados Unidos o governo brasileiro “não tem a capacidade necessária para conter o fluxo de narcóticos através de suas fronteiras”.

Adiante no mesmo estradão. Relatório recente do serviço de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas estima que só pela fronteira com o Peru o tráfico está gerando lucro anual de 4,5 bilhões de dólares. Nessa região, calcula a PF, existem 10 mil hectares plantados de coca. O relatório afirma “o Amazonas se configura como o principal corredor para o ingresso da cocaína no Brasil, provenientes dos cultivos da coca nas fronteiras Brasil-Peru e Brasil-Colômbia”. Coordenador desse relatório, Sérgio Fontes, delgado federal de carreira e secretário de Segurança Pública do Amazonas, afirma que a prioridade é a proteção das fronteiras: “Tem que haver acompanhamento perene. Fiscalização periódica não funciona. Se não houver uma guinada, estaremos no caminho do México”.

Ainda não tratei do amadorismo, está no título. Basta ler os jornais, ouvir notícias, assistir noticiários e nos agride por todos os lados, a irreflexão, a superficialidade, o desconhecimento dos temas em pauta. Autoridades, supostos especialistas, jornalistas, gente de toda laia estão opinando com pouca ou nenhuma ciência, com escassa ou nula experiência. Que falem os entendidos dos livros e da labuta, o assunto é sério demais para ser assim ventilado.


Serão necessárias mudanças na legislação, harmonização de competências, talvez até mesmo constitucional, remanejamento de verbas. Tratei desses aspectos de caso pensado. Li manifestação cheia de propósito da Frente Parlamentar da Segurança Pública, presidida pelo deputado Alberto Fraga, antigo coronel da PM. São mais de 300 deputados, boa parte dos quais com longos anos como delegados, oficiais do Exército ou das Polícias Estaduais, secretários de Segurança, promotores, juízes. Enfim, gente do ramo, unem ciência e tarimba. E o que diz a Frente? “Não é normal o Governo Federal ignorar os profissionais de segurança pública [...] Seria descabido alguns desses profissionais serem chamados”? Destacam amadorismo penoso: “Recentemente concluímos a CPI do Sistema Carcerário e apresentamos vinte propostas para melhorar o sistema prisional, no entanto, em nenhum momento os ministros se referiram à essa Comissão de Inquérito e suas propostas. Durante a CPI alertamos o Governo sobre as facções que estavam dominando os presídios, mas a questão não foi tratada com a devida atenção e o resultado foi a tragédia que aconteceu na última semana”. Que na frente do palco apareça quem é do ramo. É impossível o basta imediato, ainda que sim indispensáveis medidas emergenciais, mas é perfeitamente possível caminhar com seriedade no rumo certo até resolver o problema.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Estilhaçando uma cláusula pétrea

Estilhaçando uma cláusula pétrea

Péricles Capanema

“Não serão objetos de deliberação ▬ diz a Constituição, artigo 60, § 4º ▬, a forma federativa de Estado, o voto secreto, direto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais”. Interdições, são chamadas cláusulas pétreas.

Existem cláusulas pétreas fora da Constituição, nos mais variados âmbitos, social, familiar, profissional. Proibições severas, sentidas por todos, têm o efeito de verdadeiros fatwas, cuja violação acarreta sanções graves. Pensava nelas enquanto lia o volumoso noticiário relativo ao falecimento de dom Paulo Evaristo Arns em 14 de dezembro último aos 95 anos. À maneira de cláusulas pétreas, havia temas que não podiam ser levantados. Vou correr o risco, estilhaçando uma.

Suas exéquias representaram consagração raras vezes presenciada no Brasil, esteve pouco aquém das homenagens prestadas a Tancredo Neves em abril de 1985. Três dias de luto oficial, cerimônias pomposas, elogios e ditirambos de todos os quadrantes. O fumo fresco do incenso proclamava em uníssono, dedicou a vida aos pobres e à defesa dos direitos humanos. Apenas como exemplo, o preito dos três últimos presidentes. Michel Temer: “Dom Paulo foi um defensor da liberdade e sempre teve como norte a construção de uma sociedade justa e igualitária. O Brasil perde um defensor da liberdade e ganha [...] um personagem que deixa lições para serem lembradas eternamente”. Dilma Rousseff: “Grande líder progressista, incansável na defesa dos direitos humanos e da liberdade [...] símbolo da luta pela democracia. O Brasil perde um defensor dos pobres. [...] Descanse em paz, amigo do povo”. Lula: “O mundo perde um vulto gigante na defesa universal dos direitos humanos. [...] Franciscano que era, seguiu o exemplo de seu mestre para seguir uma clara opção preferencial pelos oprimidos em sua Igreja da Libertação. Semeou e cultivou Comunidades Eclesiais de Base, revolucionou a formação dos seminários”. Já não presidente, mas do governador Geraldo Alckmin: “Ao longo da vida, ele escolheu a linha de frente para defender os mais fracos e os feridos pela injustiça. Ajudou, assim, a mudar a história do Brasil”.

O tom geral foi esse. Sei, conta o de mortuis nil nisi bonum, dos mortos só se devem dizer coisas boas. A exceção, personagens históricos; dom Paulo foi um deles. No Brasil, a mais destacada figura da esquerda católica na segunda metade do século 20, corifeu do progressismo litúrgico e do esquerdismo social e político.

Os jornais relataram ainda, embora em tom menor, os choques do antigo arcebispo de São Paulo com João Paulo II. O Pontífice polonês conhecia bem os horrores do comunismo e acompanhava com fundadas reservas a atuação do antístite paulistano que favorecia aqui o que lá ele combatia. Foi também noticiado que dom Paulo seguia orientação oposta à dos dois últimos pontífices, João Paulo II e Bento XVI (1978-2013). Chocou-se pública e rumorosamente com o cardeal Ratzinger, quando o na ocasião Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, apoiado pelo Papa, aplicou sanções justas ao então frei Leonardo Boff.

Um aspecto da atuação pública de dom Paulo Evaristo não foi ventilado (procurei nos jornais, não encontrei): o favorecedor de tiranias. Embora tantas vezes contraintuitivo, nem sempre quem guerreia pelos direitos humanos, favorece a liberdade. Pode ajudar o totalitarismo e infelizmente foi o caso dele.

A atuação pública de dom Paulo beneficiou os que, por doutrina e em documentos programáticos, apunhalam as liberdades naturais. Bastaria mencionar a promoção das comunidades eclesiais de base, sementeira de boa parte dos quadros mais extremados do PT e de outros partidos de esquerda. Ainda o apoio à Teologia da Libertação, que buscou em Marx sua base para análise social (e ali está a pregação da luta de classes e da ditadura do proletariado). O que faz hoje no Brasil o MST e a Pastoral da Terra? Não ocultam suas metas coletivistas, encharcadas de tirania. Não escondem seu culto a Fidel Castro (modelo), o mais sanguinário e cruel tirano da América Latina. A respeito, é penosa a constatação, seguem trilha aberta pelo antigo arcebispo. O Estadão de 19 de janeiro de 1989 publicou carta de dom Paulo a Fidel Castro, na qual o Purpurado afirma: “Queridíssimo Fidel, [...] Aproveito a viagem de frei Betto para lhe enviar um abraço e saudar o povo cubano por ocasião deste 30º aniversário da Revolução”. [NB: Não custa lembrar, revolução comunista ateia, que trouxe miséria pavorosa e ditadura feroz para Cuba]. Aí dom Paulo, para conseguir elogiar Castro, com particular cuidado esbofeteia a verdade: “O povo de seu País conseguiu resistir às agressões externas para erradicar a miséria. [...] Hoje em dia Cuba pode sentir-se orgulhosa de ser [...] exemplo de justiça social. A fé cristã descobre nas conquistas da Revolução um ensaio do Reino de Deus”. Indica esperanças: “Confio que nossas comunidades eclesiais de base saberão preservar as sementes da nova vida. [...] Receba meu fraternal abraço nos festejos do 30º aniversário da Revolução Cubana”. Coerentemente, o cardeal-arcebispo beneficiou aqui com seu poder e prestígio, correntes que, não fosse a recusa popular, nos precipitariam em situação parecida com a tragédia vivida pelos cubanos (menos os da Nomenklatura). Ou dos venezuelanos, com a exceção dos donos do poder.


Verdade translúcida: a atuação de dom Paulo favoreceu tiranias de sua época e estimulou a consolidação de futuras ditaduras. Silêncio eloquente e hipócrita pesa a respeito, sobre essa constatação ninguém (ou quase ninguém) ousa falar. À maneira de cláusula pétrea, todo o Brasil sofre a interdição de exprimir o óbvio ululante. Vamos estilhaçá-la, a verdade pavimenta o caminho para liberdades autênticas, nas quais os pobres têm possibilidades de desenvolver suas potencialidades, o grande estímulo para crescerem. Veritas liberabit vos (Jo 8, 32). A mentira é atalho para tiranias e misérias.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Francisco é um dos nossos

Francisco é um dos nossos

Péricles Capanema

O jornal alemão Kölner Stadt-Anzeiger em 25 de dezembro publicou reveladora entrevista do ex-frei Leonardo Boff, conduzida por Joachim Frank, especialista em assuntos religiosos. Como se sabe, o antigo frade foi punido, com o beneplácito de João Paulo II, pelo então cardeal Josef Ratzinger (depois Bento XVI) por defender doutrinas heterodoxas. Desde começos de década de 80 vive com uma senhora divorciada, antiga auxiliar sua, mãe de seis filhos. De forma desafiante, Boff divulgou tal união em rumorosa entrevista à Folha de São Paulo, 21 de novembro de 1993. Por que lembro fatos conhecidos? Para mostrar a gravidade do escândalo causado por recentes afirmações suas.

Na entrevista, reproduzida por outros órgãos de divulgação, Leonardo Boff tranquilamente se coloca próximo ao Papa Francisco. Não tem medo de ser desmentido ou desautorizado. Não será. Declarações assim são antes combinadas. Ou pelo menos, ele está seguro que o Papa gostará de ser tido próximo ao ex-frade de vida e doutrina escandalosas, corifeu da Teologia da Libertação, propagandista do PT e amigo de Fidel Castro. Um fato entre centenas, em 12 de março de 2016 enviou carta pública a Lula, pedindo-lhe que assumisse um cargo oficial no governo Dilma como forma de tentar evitar a derrocada final, da qual extraio: “Caro amigo-irmão Lula, Vc, meu querido amigo-irmão Lula, deve assumir um cargo de ministro da República. Meus melhores votos a vc, Marisa e a toda sua família, de minha parte e da parte da Márcia, que muito o admiramos e amamos. Leonardo Boff e Márcia Miranda”.

Vamos a trechos da entrevista deprimente: “Francisco é um dos nossos. Fez da Teologia da Libertação uma propriedade comum da Igreja e a ampliou. Quem fala hoje dos pobres, fala também da terra. [...] Assim, diz o Papa ▬ e ele então cita um dos títulos de um de meus livros ▬ precisamos ouvir a um tempo o grito do pobre e o grito da terra. Recentemente eu mesmo ampliei a Teologia da Libertação. Esta [a dimensão ecológica] é também o novo aspecto fundamental da Laudato Sì”.

O radicalismo social, comento, já conhecido, agora está vindo junto com o extremismo ecológico. Como o comunismo foi um flagelo para os pobres, o ecologismo extremado acarretará catástrofes para todos os homens.

O jornalista pergunta: “O Papa leu seus livros”?

Resposta: “Mais ainda. Para a redação da Laudato Sì, pediu-me material. Dei conselhos e enviei-lhe parte do que havia escrito. Ele usou. Algumas pessoas me disseram, pensavam enquanto liam ‘Espera, isto aqui é Boff’. A propósito, o próprio Papa me disse diretamente: ‘Boff, não envie o material diretamente para mim’”.

O entrevistador: “Por que não”?

Leonardo Boff: “[O Papa disse]: ‘Os subsecretários o interceptarão e eu não o receberei. Mande o material direto para o embaixador argentino, com quem tenho boas relações, assim chegará às minhas mãos’. Um dia antes da publicação da encíclica, o Papa mandou me ligar para agradecer a ajuda”.

O repórter continua: “Um encontro pessoal com o Papa está ainda fora da agenda?”

O ex-frade: “O Papa procurou reconciliação com os mais importantes representantes da Teologia da Libertação: com Gustavo Gutierrez, Jon Sobrino, também comigo. Eu disse a ele, pensando em Bento XVI: ‘Mas o outro está ainda vivo. Ele não aceitaria’. Respondeu-me: ‘Não, o Papa sou eu’. Somos bem-vindos”.

O jornalista: “Então, por que não houve o encontro”?

Leonardo Boff: “Recebi convite, já estava em Roma. Mas, no dia, logo antes do começo do segundo sínodo sobre família em 2015, 13 cardeais [...] ensaiaram uma rebelião contra o Papa. [...] O Papa estava furioso e me disse: ‘Boff, não tenho tempo. [...] Vamos nos encontrar mais na frente’”.

De fato, não havia rebelião de 13 cardeais. É mais uma falsidade de Leonardo Boff, useiro e vezeiro de frases altissonantes e de torcer fatos, servido por uma crítica complacente, tantas vezes simpática a suas ideias. Na mesma entrevista, Leonardo Boff divulga outras falsidades a respeito dos quatro cardeais que apresentaram respeitosamente os hoje famosos “dubia” ao Papa Francisco: “Este cardeal Burke, que agora, junto com o cardeal Meisner, escreveu outra carta ao papa, é o Donald Trump da Igreja Católica [ri]. Mas, ao contrário de Trump, foi neutralizado dentro da Cúria. Graças a Deus. [...] Estes cardeais publicamente acusam o Papa de erros teológicos ou mesmo de heresias, é demais. É uma afronta que o Papa não pode suportar. O Papa não pode ser julgado, é a doutrina da Igreja”.

Os quatro cardeais não acusaram o Papa de heresia. E não estão julgando o Papa, no sentido clássico, de que o Papa, acima do Direito Canônico, não pode ser julgado. Fizeram juízos intelectuais sobre suas ações e ideias e formularam perguntas. São Paulo agiu de forma parecida com São Pedro em certa ocasião. O antigo religioso falseia os fatos, e não é a primeira vez.

Outra pergunta do jornalista: “Com todo seu entusiasmo pelo Papa, o que dizer das reformas na Igreja, esperadas por tantos católicos”?

Leonardo Boff: “Recentemente, o cardeal Walter Kasper, confidente próximo ao Papa, me garantiu que haverá algumas grandes surpresas”.


Meu ponto agora é, repito, esta foi entrevista apta para prestigiar Leonardo Boff, mostrando-o próximo ao Papa Francisco. E também suas ideias. Deixa escandalizados milhões de fiéis que vêm o Vigário de Cristo favorecendo um promotor do comunismo, corifeu da Teologia da Libertação, condenada severamente pelos seus dois antecessores mais próximos no Trono de São Pedro. São filhos espirituais que, com todo direito, esperam o pão da boa doutrina. E aqui dele são privados. Como não se recordar com tristeza da passagem evangélica? “E, se algum de vós pedir pão a seu pai, porventura dar-lhe-á ele uma pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, porventura, dar-lhe-á ele, em vez do peixe, uma serpente? Ou se lhe pedir um ovo porventura dar-lhe-á um escorpião”? (Lc, 11; 11-12).