sábado, 29 de setembro de 2018

Zé Dirceu: - Nós vamos tomar o poder!


Zé Dirceu: ▬ Nós vamos tomar o poder

Péricles Capanema

“É questão de tempo pra gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição”.

Aviso de José Dirceu, ganhar eleição é só caminho. Tomar o poder, questão de tempo e de fundo, o objetivo. E vão consegui-lo, garante, sob vários aspectos, o mais simbólico e importante líder do PT. El Pais, o jornal espanhol, publicou em 27 de setembro entrevista reveladora com Pedro Caroço (ou Daniel, ou Carlos Henrique) em que reconhece, continua ativo nos bastidores:

▬ Tenho 53 anos de direção política.

Lembrou ainda Zé Dirceu: ▬ Em 2013, eu era a peça principal do PT.

Pergunta o jornalista: ▬ E o que significa o senhor e Lula estarem presos?

▬ Não muda nada no Brasil.

▬ E para o PT? As duas principais cabeças do PT estarem presas não significa nada?

▬ Estão presas, mas não param de dirigir, de comandar.

Chefiar rumo a quais objetivos? O antigo guerrilheiro na entrevista mira as eleições de 7 e 28 de outubro. Mas ao distinguir claramente entre vencer uma eleição e apossar-se do poder, indica passo além, em verdade, a venezuelização do Brasil.

Ao bosquejar objetivos últimos, açula mais uma vez a militância radicalizada, coisa que sempre tem em vista e sabe fazer. Adiantou aos seguidores, o partido avança para tomar o poder (“fui o principal dirigente do PT por quase duas décadas”, de novo recordando a autoridade para falar).

Na etapa de domínio totalitário do Estado, o Partido teria tarefas novas. Plasmaria a sociedade segundo modelo coletivista, ateu, igualitário. Com isso, moldaria mentalidades, talharia convicções, tentaria criar o homem novo da utopia marxista. Perpassam as ameaças (para nós, brasileiros, vítimas do experimento; para os petistas, sopa no mel) de Dirceu, seu bolchevismo de raiz, atavismo totalitário do qual o PT nunca se libertou.

Por que venezuelização do Brasil? Por ser atual. E sua atualidade provém de recentes promessas de Fernando Haddad. De um lado, procura amolecer a rejeição crescente mediante propostas analgésicas, com o que acena para o centro político, melhorando posição para o segundo turno. De olho também em partidários mais próximos, não abandonou o receituário clássico.

Mostrou veneno ali escondido, a Constituinte exclusiva, instrumento próprio para o Brasil se espatifar no abismo da Venezuela (ditadura, miséria extrema, Estado aparelhado, Exército e Judiciário domesticados, milícias matando opositores). Não para por aqui a catadupa de horrores: senadores norte-americanos de enorme relevo requereram que o governo de Washington ponha a Venezuela na lista do terror, de outro modo, seja considerada promotora do terror no mundo. E apresentaram provas para tal.

Volto ao candidato petista. Em Goiânia Haddad avisou, seu governo criará condições para a convocação de nova Constituinte, cobrança já antiga de setores extremados do PT e agora, lembrou o candidato, exigência também do aliado na chapa, o Partido Comunista do Brasil:

Isso já foi mediado. Quando o PC do B passou a integrar a chapa, houve uma alteração no texto para criar as condições da convocação de uma assembleia [constituinte] exclusiva.

A nova Constituição, imposta na Venezuela em ambiente de intimidação e demagogia ▬ aqui também será assim ▬ foi o ponto de partida para a tirania chavista. O PC do B, partidário delirante do chavismo, com razão exigiu começar logo por aí. Em seus objetivos, será uma etapa do comunismo integral, sonho da organização, proclamado no capítulo I do Estatuto: O PC do B “guia-se pela teoria científica e revolucionária elaborada por Marx e Engels, desenvolvida por Lênin e outros revolucionários marxistas. Visa a conquista do poder político. Tem como objetivo superior o comunismo”.

O próprio Ciro Gomes, até há pouco em juras de amor com o PT, denunciou o caráter de violência institucional da proposta (golpe, em palavra posta na moda):

▬ Quem é que tem a faculdade de convocar uma Constituinte? Como fazê-la exclusiva? Quem tem essa atribuição? Ninguém tem, é violência institucional clara.

Violência institucional é outra palavra para golpe, repito. Sofreríamos golpe institucional facilitado por setores já domesticados do Judiciário, o que nos lançaria no inferno bolivariano. No momento, de que armas dispomos? Orações, reflexão, divulgação das ameaças que pesam sobre nós, voto.

domingo, 16 de setembro de 2018

Ficar doidão


Ficar doidão

Péricles Capanema

Franklin Martins não é um petista qualquer. Entre outras posições, foi alto funcionário das Organizações Globo e ministro de Lula (Comunicações). Na juventude, líder estudantil e guerrilheiro do MR-8. Nos anos da guerrilha, em 1969, idealizou o sequestro de Charles B. Elbrick, embaixador dos Estados Unidos. É radical, pertence à intelligentsia do PT, sabe e mede o que diz, não é doidão.

Em 14 de setembro se declarou satisfeito com a reintrodução do controle social da imprensa nos programas dos partidos de esquerda, em especial nos do PT e do PSOL. Controle social da imprensa, todo mundo sabe, é eufemismo para evitar dizer a realidade crua; em verdade é sujeição da imprensa pelo Estado, por sua vez pilotado por grupelhos revolucionários. Trata-se de atavismo incurável dos partidos de esquerda, atacar e extinguir a liberdade de informar.

Franklin falou no meio de gente farinha do mesmo saco no encontro sob o título “Radicalizar a Democracia ▬ por uma nova governabilidade”, que se deu no Hotel Nobilis em São Paulo. Ali se analisaram perspectivas para a esquerda no Brasil no esforço de regulamentar a imprensa ▬ amordaçá-la. É a nova governabilidade.

Virar doidão para radicalizar a democracia

Declarou na ocasião o antigo guerrilheiro: “Temos todos que virar doidões, ou seja, virar democratas”. Virar doidões significa correr riscos até agora evitados, entrar por caminhos aventurosos, acelerar etapas. Democratizar, na linguagem daquele meio, é no caso diminuir a força da propriedade privada e aumentar a importância da propriedade coletiva (intervencionismo e estatismo) nos meios de divulgação. Aqui vai a razão, a esquerda brasileira necessita da regulação da mídia para fazer viáveis seus objetivos, por exemplo expressos nos regimes de Cuba, Venezuela e China.

Dois outros pontos da pauta ali debatida, “doidões” também, empurram para o mesmo e trágico destino: "democratização das forças armadas" e "desmilitarização da polícia”. Apenas o programa do PSOL a eles alude, mas é aspiração de toda a esquerda dirigente. Totalitário e coerente, o atual programa de governo do PT fala em controle social do Judiciário e do Ministério Público, eufemismo, repito, para domesticação das duas instituições. Se a esquerda ganhar em 7 e 28 de outubro, podemos estar certos, uma pauta doidona ganhará vida instantaneamente.

Consciente ou inconscientemente, Franklin Martins ecoava palavras de José Dirceu de duas semanas antes. Em entrevista de 29 de agosto, Pedro Caroço (nome pelo qual foi conhecido em Cruzeiro do Oeste quando ali vivia clandestino) foi didático: “Temos um programa radical e a maioria do Parlamento precisa ser combinada com uma grande pressão popular”. Exemplo de pressão popular lembrada por ele, o cerco da militância à Câmara e ao Senado. Dobrar autoridades pelo amedrontamento sempre foi tática revolucionária. Vai na mesma direção da fala de Franklin, admitir riscos até agora evitados para impor um “programa radical”.

A asfixia das liberdades existentes

José Dirceu também não é doidão. De fato, ambos se dirigiam em primeiro lugar a setores radicalizados da esquerda, impacientes com as demoras ditadas pela resistência conservadora do público. Pretendiam assim animar, despertar esperanças, impedir dispersões e desânimos na militância. Mas não são apenas palavras ocas de estímulo à militância crédula.

Elas vão além. Para eles e tantos outros da direção petista já daria para começar a forçar o passo no rumo da radicalização. No caso, asfixiar paulatinamente a liberdade de informação, destruir a Lava Jato, domesticar ainda mais o Judiciário, avassalar o Exército e as Polícias. Ótimo para tal seria se vencessem as próximas eleições.

Franklin garante (e está certo), com controle da imprensa não teria havido o impeachment de Dilma (que ele chama de golpe). “[O golpe] nos obrigou a pensar que a democracia só existe com força se não houver oligopólio da mídia”.

Ficar doidão na arena política não é programa de quem promova o “comitas gentium”, expressão proveniente do Direito Internacional, mas que se aplica bem à arena pública interna (com muita liberdade se poderia traduzir por civilidade) e que constitui o clima adequado ao Estado de Direito. Pelo contrário, é programa de quem deseja exasperação das tensões, indiferente às dilacerações, para assim impor totalitariamente seus objetivos.

domingo, 9 de setembro de 2018

O berreiro dos promotores da exclusão


O berreiro dos promotores da exclusão

Péricles Capanema

Em 7 de setembro aconteceu mais uma patética caminhada do “Grito dos Excluídos”. A pantomima ridícula é repetida desde 1995, sempre arrastando os mesmos e desgastados grupelhos. A organização da caminhada por cidades importantes, que de plano obviamente exclui todo o Brasil que presta e só inclui minorias contestatárias, nasceu na CNBB e se mantém com seu auxílio, para vergonha dos católicos.

Na 56ª Assembleia Geral da CNBB, abril de 2018, dom Guilherme Werlang, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da entidade, em companhia de outros bispos da tal comissão, dom Canísio Klaus, dom José Valdeci, dom André de Witte, dom Rodolfo, dom Luiz Gonzaga, informou aos demais bispos presentes a respeito da organização da marcha de 2018 que se realizaria em setembro. É triste, mas não consta que tenha havido desacordo sobre os planos.

Trata-se simplesmente de mais uma promoção de órgãos da CNBB, sempre fiel à sua cultivada condição de linha auxiliar do PT. O tal “Grito dos Excluídos” ▬ minha proposta, pisando o real, a pantomina poderia ser adequadamente denominada “O berreiro dos promotores da exclusão” ▬ nasceu em 1994 e a primeira foi realizada em setembro de 1995 com o objetivo de aprofundar o tema da Campanha da Fraternidade daquele ano. A partir de 1996 passou a fazer parte do “Projeto Rumo ao Novo Milênio”, com aprovação da assembleia geral da CNBB. Naquele ano, o lema do Grito (melhorando, berreiro) foi “Trabalho e Terra para Viver”. Ligou-se o tal Berreiro notória e confessadamente à agitação do MST nas ocupações de terras e promoção da reforma agrária. A reforma agrária no Brasil ▬ dificulta a produção, afugenta investidores e piora a situação dos trabalhadores rurais  ▬, obsessão um tanto delirante do fanatismo socialista da CNBB, é em verdade nua e crua a venezuelização do campo. Enquanto não colocar o campo brasileiro numa situação parecida com a Venezuela de hoje não vão sossegar.

A marcha de 2018 do Berreiro (24ª edição) teve como lema Desigualdade gera violência - Basta de privilégios - Vida em primeiro lugar. De passagem, a promoção da desigualdade harmônica é fator de paz social. A imposição da igualdade traz fome e tirana, ensina de forma trágica e sanguinolenta a história do século 20 e 21.

Quem participa do Berreiro no Brasil inteiro? Uma amostra do público que a CNBB atrai e dá espaço: líderes do PT, dirigentes do PCO, militantes do MST; assemelhados a rodo (não são muitos). E o público que exclui aos pontapés? Multidões e multidões, o Brasil da gente direita: donas de casa e mães de família católicas, proprietários rurais ameaçados pelas invasões, professores que querem ensinar e manter disciplina nas aulas, entre outros. Foge espavorido o Brasil que estuda, trabalha, cria os filhos, quer crescer na vida.

Dos fatos divulgados pela imprensa, deixo aqui dois exemplos. No Rio de Janeiro, foi realizada no mesmo horário do desfile militar. Entre os participantes de destaque estava Indianara Siqueira, uma trans, vamos chamar assim (nasceu varão). Ele (ou ela) organiza na antiga capital federal a Marcha das Vadias. Diz de si: “Nasci em 18 de maio de 1971, sete anos depois do golpe de Estado que implantou a ditadura militar no Brasil. Aos 12 anos comecei a tomar hormônios femininos. Aos 18 anos passei a usar roupas femininas. Virei prostituta em Santos. Virei militante pelos direitos humanos, me tornei presidente fundadora do grupo Filadélfia de travestis de Santos”.

Indianara estava no “Grito dos Excluídos” do Rio de Janeiro para se posicionar contra o fundamentalismo e para lutar pelos direitos das pessoas trans e profissionais do sexo: “As pessoas trans são as mais excluídas da sociedade, assim como na área trabalhista, quem se prostitui é excluído até dos direitos trabalhistas. E a maioria das trans tem como única opção a prostituição para sobreviver. Então, não existe uma luta só pelos direitos trans que também não passe pelo direito da regulamentação da prostituição das profissionais do sexo”, declarou.

Em São Paulo, o “Grito dos Excluídos” teve participação de muitos candidatos às próximas eleições. Foram ali na esperança de pescar alguns votos. Entre eles, Nivaldo Orlandi (Partido Comunista Operário), candidato ao Senado, que no microfone da marcha comentou assim o monstruoso atentado a Jair Bolsonaro: “Ninguém viu sangue nenhum. Vimos um grande chororô da imprensa, das lideranças ditas democratas. Agora, esse anjinho fascista, será que merece nossa solidariedade?”.

Vou recordar o óbvio, ser conselheiro Acácio. A CNBB oficialmente foi criada para levar as almas ao rebanho de Cristo, e de forma congruente favorecer a ordem temporal cristã como situação favorável ao “salus animarum” de seu múnus. No caso em análise, restou algum resquício de tal missão? Ou vemos o contrário? Veio-me incoercível à mente afirmações do arcebispo Carlo María Viganò em recente documento de repercussão mundial: o antigo núncio apostólico em Washington denunciou pastores que, palavras suas, incitavam os lobos a destroçar o rebanho de Cristo. É possível fugir da associação?

Outra obviedade: o Brasil limpo, amazonicamente majoritário, é o grande excluído do berreiro dos promotores da exclusão. Aqui está ponto que já há décadas dificulta e tem prejudicado gravemente a evangelização no Brasil. A CNBB, evidenciando falta de transparência, fecha-se sobre ele. Esse partidarismo das panelinhas ideológicas, retrocesso lamentável, diminui o oxigênio nos ambientes católicos; debilita-os. Com isso, impede avanços tonificantes. Arejamento, a asfixia precisa acabar.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Radicalismo goela abaixo do povo



Péricles Capanema

Na entrevista coletiva de 29 de agosto, por ocasião do lançamento de seu livro, José Dirceu foi didático: “Temos um programa radical e a maioria do Parlamento precisa ser combinada com uma grande pressão popular”. Como exemplo de pressão popular, citou o cerco da militância à Câmara e ao Senado. A intimidação de legisladores ▬, aqui entra o uso inescrupuloso de dossiês, às vezes chega até a ameaças à família, sequestros e morte ▬ constitui tática revolucionária antiga, empregada na Revolução Francesa, a torto e a direito na Revolução Comunista e, mais recentemente, amplamente utilizada na Venezuela. Aplicá-la no Brasil é congruente com as raízes doutrinárias do PT, na prática o sucessor do Partido Comunista. Basta que a ocasião se apresente e seja politicamente conveniente. O leninismo continua vivo.

José Dirceu se dirigia em especial a petistas e a membros de correntes ideológicas a ele próximas; em verdade anunciava plano de transformar o Brasil tão logo factível em uma Venezuela ▬ a marcha do radicalismo goela abaixo do povo rumo ao bolivarianismo. Para tanto, estimulava a militância a procurar eleger tantos quantos possíveis para a Câmara e o Senado, ademais de tentar colocar Haddad no segundo turno das próximas eleições. E aí fazê-lo vitorioso. O dirigente petista acha que haveria suficiente transferência de votos de Lula para seu ungido (ou seu poste), o que lhe garantiria a vaga em 28 de outubro: “Para a margem de transferência de votos ser dentro do que a gente espera, 20 ou 30 dias são mais que suficientes. A Justiça decidirá até 17 de setembro. Teremos tempo para cada eleitor tomar conhecimento de que Lula é Haddad e Haddad é Lula”.

Observou, ladino: “Eu não diria que é um programa com a faca no dente, porque esta expressão é praticamente de confronto aberto”. Caso se despisse da cautela de político matreiro, diria a realidade, é programa faca no dente, não há dúvida. Outra questão é se a liderança do PT conseguirá executá-lo, não dependerá apenas do fanatismo revolucionário de dirigentes e militância e dos que de que disponham. Como reagirá o povo?

O PT tem cartas boas na mão em seu intento de venezuelizar (ou cubanizar) o Brasil. Faz décadas (já era assim no período militar), a esquerda, em seus vários graus de radicalidade, “grosso modo”, domina a universidade, os seminários, as redações e os clubes grã-finos. É um câncer que deitou gigantescas metástases e que só poderá ser curado por trabalho ideológico sério ao longo de anos e anos a fio. Não é rósea nossa situação. Kerensky pavimentou a via para Lênin; os girondinos facilitaram o caminho para os jacobinos. O Brasil, triste sina, está apinhado de kerenskys e de girondinos. Não constroem estradas, mas as pavimentam, para que outros nelas trafeguem.

Um exemplo, talvez o mais conhecido. Na Jovem Pan, FHC comentou a possibilidade do segundo turno entre Bolsonaro e Haddad ou entre Bolsonaro e Alckmin. Perguntado sobre possível aliança entre PT e PSDB, respondeu sereno: “Espero que o PSDB vá para o segundo turno e acho que o PT espera a mesma coisa, mas dependendo das circunstâncias, eu não teria nenhuma objeção a isso”. A declaração irritou apoiadores de Alckmin; afinal, era o maior líder tucano confessando, a vitória petista não despertava objeção nele. FHC precisou arranjar uma saída de momento. Contudo, a posição de FHC não deveria surpreender, era coerente com princípios seus e conduta.

Existem nas situações acima ventiladas consonâncias profundas quanto a objetivos. “Pas d’ennemis à gauche” ▬ Não há inimigos à esquerda, lembrando fórmula cunhada em fins do século 19. Em encontro com intelectuais no Rio de Janeiro, abril de 2014, ambiente descontraído, FHC se deixou levar: “Hoje, se eu disser que sou de esquerda, as pessoas não vão acreditar. Embora seja verdade. É verdade!”. Prosseguiu: “O Chávez só me chamava de 'Mi maestro'. Eu dizia para ele: 'Baixinho, por favor’”.

Falava de consonâncias. Elas influenciam fundo, por vezes são determinantes nas atitudes.
Via de regra, contudo, para os revolucionários, é melhor que tais sintonias passem despercebidas, pois podem chocar opinião pública desavisada. “Baixinho, por favor”. quando não é possível escondê-las, é sempre a diretriz. A nossa bússola, para esclarecimento do povo, aponta rumo oposto, brado alto e nítido contra o conluio deletério, ainda para muitos oculto. O artigo já estava pronto quando houve o horrendo atentado contra Jair Bolsonaro. Graças a Deus, depois da angústia inicial, parece que caminha bem sua recuperação. O artigo continua atual, talvez tenha até aumentado de atualidade. Não julgo que deva modificá-lo.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Não lavou as mãos na bacia de Pilatos


Não lavou as mãos na bacia de Pilatos

Péricles Capanema

Como amplamente noticiado, em 22 de agosto o arcebispo Carlo Maria Viganò, núncio nos Estados Unidos de 2011 a 2016, ademais de ter ocupado importantes cargos na diplomacia vaticana (Delegado das Representações Pontifícias, por exemplo), divulgou documento intitulado “Testemunho” em que relata conivência e até promoção do homossexualismo em especial na Hierarquia católica dos Estados Unidos. O mais importante caso denunciado foi a proteção por parte de altas autoridades na Hierarquia eclesiástica ao antigo Arcebispo de Washington, o então cardeal Theodore McCarrick (renunciou ao chapéu cardinalício; o primeiro caso desde 1927).

Suas acusações de acobertamento, conivência e promoção não se limitaram aos Estados Unidos. Alcançaram Roma (outros locais ainda), implicam altíssimos hierarcas católicos, entre os quais os cardeais Sodano, Bertone e Parolin, secretários de Estado.

Afirma o antigo núncio, existe um pacto infame de silêncio, uma omertà, que une hierarcas, sacerdotes e seminaristas. “Temos de ter a valentia de derrubar esta cultura de omertà e confessar publicamente as verdades que mantivemos ocultas”. Dom Viganò denuncia ainda, continua ativa rede de homossexuais dentro das estruturas da Igreja.

Entre outras medidas de saneamento, dom Viganò reclama a demissão imediata de todos os envolvidos no acobertamento e promoção dos vícios homossexuais na Igreja.

O mais grave da denúncia vem aqui: “Francisco está abdicando do mandato que Cristo deu a Pedro de confirmar a seus irmãos. Mais, com sua ação os dividiu, os induziu em erro, estimula aos lobos a continuar destroçando as ovelhas do rebanho de Cristo”. Em outras palavras, aponta gravíssima lesão aos deveres do cargo.

Prossegue: “Neste momento extremamente dramático para a Igreja universal tem de reconhecer seus erros e, em coerência com o princípio da tolerância zero, o Papa Francisco precisa ser o primeiro a dar o exemplo aos cardeais e bispos que encobriram os abusos de McCarrick e tem de se demitir juntamente com eles”. O Papa Francisco afirmou no voo de volta da Irlanda, não dirá uma palavra a respeito. O Vaticano até agora tem se mantido silente.

Não vou tratar do documento de dom Viganò, já muito divulgado. Nem de reações a ele que tiveram relevância na imprensa. Pretendo apenas destacar reações ainda pouco conhecidas do público brasileiro. Dom Joseph Strickland, bispo diocesano de Tyler no Texas, merece nelas menção especial. Tomou posição imediata, diante do que entendeu seríssima e pessoal responsabilidade pastoral. “Pilatos, vendo que nada adiantava, mas que cada vez era maior o tumulto, tomando água, lavou as mãos diante do povo, dizendo: ‘Eu sou inocente do sangue deste justo’” (Mt, 27, 24). Fez o contrário de Pilatos.

Transcrevo trechos do comunicado do bispo diocesano de Tyler: “Prezados sacerdotes, diáconos, religiosos e diocesanos da diocese de Tyler: Uma carta do Arcebispo Viganò (texto completo anexo), antigo núncio nos Estados Unidos, apresenta afirmações graves e pede a renúncia de prelados de alta hierarquia, entre eles o Papa Francisco. Vou ser claro, são ainda denúncias, mas como seu Pastor, as acho verossímeis. A resposta deve ser uma severa investigação. Não tenho autoridade para iniciar tal investigação, mas utilizarei minha voz de todos os modos para reclamá-la. Todos os que forem encontrados culpados precisam prestar contas, até mesmo nos mais altos níveis da Igreja. Rezemos todos pela Igreja e peçamos a intervenção de Nossa Senhora. Somos o rebanho de Cristo. O Espírito Santo nos guiará nestas trevas. Ordeno a todos os sacerdotes que informem a respeito os fiéis nas missas do dia 26 e imediatamente postem o material nos seus websites e outras mídias sociais”

Outras manifestações vieram na mesma direção, também de grande significação. O bispo diocesano de Phoenix, dom Thomas J. Omsted, divulgou o seguinte comunicado (trechos): “Já faz 39 anos que conheço o arcebispo Carlo Maria Viganò. Fomos colegas na Secretaria de Estado da Santa Sé. Ainda que nada saiba da informação que ele revela, e assim não posso verificar sua autenticidade pessoalmente, sempre considerei e respeitei dom Viganò como homem de verdade, fé e integridade. Por esta razão, peço que o testemunho do arcebispo Viganò seja levado a sério por todos e que cada denúncia feita seja investigada a fundo. Todos os que encobriram tais atos devem ser conhecidos”.

Monsenhor Jean-François Lantehaume, também antigo núncio em Washington, não quis falar sobre o caso. Mas afirmou: “Viganò disse a verdade. É tudo”. No Facebook, um pouco mais: “O núncio Viganò é o prelado mais honesto que conheci no Vaticano”.

De enorme importância foi a declaração do cardeal Daniel DiNardo, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (a CNBB de lá). Segundo ele, as acusações do arcebispo Carlo Maria Viganò “merecem respostas que sejam conclusivas e baseadas em provas. Sem tais respostas, homens inocentes podem ser manchados por falsas acusações e os culpados podem ser deixados livres para repetir os pecados do passado”.

Em atitude que pode se multiplicar no Episcopado dos Estados Unidos, dom Samuel Aquila, arcebispo de Denver, divulgou o seguinte comunicado: “Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo: Muitos de vocês sabem que na semana passada o antigo representante do Papa nos Estados Unidos, o arcebispo Carlo Maria Viganò, deu a público testemunho que traz sérias denúncias sobre o caso do arcebispo McCarrick. Nos meus contatos com o arcebispo Viganò sempre percebi nele um homem de profunda fé e integridade. Uno-me ao cardeal DiNardo e ao Comitê Executivo da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos solicitando à Santa Sé investigação completa das denúncias que inclua autorizar uma comissão de leigos que examine o caso”.

Tenho diante de mim mais de trinta manifestações de bispos, arcebispos, um cardeal, professores de moral e de teologia, leigos de destaque solicitando a mesma investigação. Não é possível delas tratar aqui; aliás, estão na rede, em inglês e em outros idiomas.

“O clamor dos filhos de Israel chegou a mim; e eu vi a sua aflição”, lemos no Êxodo. A frase vem de Deus, claro, mas, por analogia, vale para quem Deus colocou para guiar o povo nas vias da salvação. Vale até para o católico simples. Não era segredo, o povo fiel, de há muito vem se sentindo órfão, escandalizado observa pastores cuja conduta, lembrando a imagem de Viganò, estimula lobos a massacrar ovelhas. Um primeiro passo na direção oposta ▬ não lavar as mãos na bacia de Pilatos ▬ desperta esperança de que outros virão no mesmo rumo, seria uma caminhada de restauração. Rezemos.