domingo, 15 de julho de 2018

Trincas na estrutura de confiança


Trincas na estrutura de confiança

Péricles Capanema

Em prédio alto, vários andares, colunas e vigas de concreto, trincas de alvenaria enfeiam, porém não ameaçam a estabilidade. Trincas na estrutura, em especial a corrosão nas armaduras, não reparadas, podem causar o desmoronamento do edifício.

Desde os anos 40 do século passado as potências contrárias ao totalitarismo (comunismo, em outra palavra) constituíram estrutura de poder, baseada em acordos internacionais, que impediu parte do mundo de afundar na escravidão (alguns países imergiram). Tal estrutura teve como esteio os Estados Unidos. Ao lado, em posição preeminente, Inglaterra, Japão, Alemanha, França, outros ainda. Sua coligação mais forte foi a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O Japão, por óbvio, dela não participa, mas exerce função análoga no oriente.

Para vários desses países, havia a questão premente da reconstrução. E o acordo tácito de cavalheiros ▬ no miolo da confiança mútua ▬, foi, reconstruímos o país, os Estados Unidos cuidam da defesa para nós. Em troca, agiremos como aliados muito próximos. O episódio mais simbólico desse longo período foi a visita de John Kennedy a Berlim, junho de 1963, no meio de gravíssima crise entre União Soviética e Estados Unidos, quando o mandatário norte-americano proclamou em discurso: “Ich bin ein Berliner” (sou um berlinense). Podem ficar tranquilos, os Estados Unidos cumprem compromissos. Pacta sunt servanda.

Após o fim da União Soviética, apareceram outros adversários da aliança ocidental, como as políticas expansionistas (quase um eufemismo, melhor seria, imperialistas) da Rússia e da China. A aliança comandada pelos Estados Unidos continua a garantia maior contra a queda na tirania e barbárie. Em que pé está a aliança ocidental? Ou, mais ao ponto, como está a confiança mútua?

Estará viva na medida em que vigorarem os tratados que a constituem. Vigorarem, tiverem vigor. Atrás da letra dos acordos, relevância maior tem a comunhão de aspirações, os interesses comuns, a sensação fundada de que nada mudou. A letra mata, o espírito vivifica.

Como em um casamento, sob tantos aspectos um contrato, vale mais a confiança mútua que a tinta dos papeis assinados. As primeiras trincas na confiança entre os esposos podem anteceder por anos o dia em que rasgarão contenciosamente o contrato nupcial. No caso de países, por décadas. Infelizmente estão visíveis as trincas nas relações entre a Comunidade Europeia e os Estados Unidos. Fica a pergunta: serão na alvenaria? estarão na estrutura?

Em café da manhã na capital belga, em meio a dignitários dos Estados Unidos e da Europa, presente imprensa, Donald Trump afirmou: “O que tenho a dizer é muito triste. A Alemanha faz um gigantesco contrato de petróleo e gás com a Rússia e nós devemos proteger a Alemanha contra a Rússia. A Alemanha paga bilhões de dólares por ano à Rússia. Assim, os Estados Unidos protegem a Alemanha, protegem a França, protegem todos esses países. E muitos desses países celebram contratos de óleo e gás com a Rússia em que pagam bilhões de dólares à Rússia. Assim, devemos protegê-los contra a Rússia, mas eles estão pagando bilhões de dólares à Rússia. Penso que não é correto. No fim, a Alemanha terá quase 70% do país controlado pela Rússia por meio do fornecimento de gás. A Alemanha está totalmente controlada pela Rússia. Eles obterão entre 60% e 70% de sua energia da Rússia. Devemos proteger a Alemanha da Rússia. Por que ela está pagando bilhões de dólares à Rússia? A Alemanha está cativa da Rússia. Vocês estão enriquecendo a Rússia”.

Trump deseja que a Alemanha ponha mais dinheiro na defesa própria. Que façam o mesmo outros países europeus. Aliás, muitos deles já firmaram compromisso a respeito. O Presidente alega, estão ricos, podem gastar mais com sua proteção. O argumento soa convincente, é assunto a ser discutido. Contudo, dessa forma, em público? Parecendo um pito na quarta maior economia do planeta, um país de enorme importância, qualificado por aliado, com poucos véus, de protetorado de potência adversária? Poucos dias antes Donald Trump, de forma inesperada, havia afirmado, os “piores inimigos” dos Estados Unidos muitas vezes são os ditos “melhores amigos”.

Obviamente, as palavras do café da manhã foram rebatidas em público pela chanceler Angela Merkel. Houve problemas parecidos, embora de menor gravidade, com Therese May. Trincas.

O que está oculto nos entreveros? Claro, há um assunto econômico a ser resolvido e existem obrigações financeiras diferentes, nascidas de circunstâncias novas. Acima delas, em geral oculta, paira a questão da liderança natural, nascida dos fatos, que coloca os Estados Unidos com deveres especiais inegáveis. Que, diga-se de passagem, via de regra não quiseram eludir no passado, evitando quase sempre o isolacionismo suicida. Bem compreendidos, tais deveres podem ser considerados decorrência direta de um “manifest destiny” ▬ tantas vezes entendido de maneira torta ▬ dos Estados Unidos no século passado e no presente. Noblesse oblige.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Caos no Judiciário faz órfão o Brasil


Caos no Judiciário faz órfão o Brasil

Péricles Capanema

Os episódios patéticos ▬ melhorando, prenunciativos ▬ do domingo 8 de julho protagonizados pelo desembargador Rogério Favreto aumentaram o alerta no Brasil que presta.

Em autêntica conduta bolivariana, esbofeteando legislação e regulamentos das cortes, a tentativa brutal de soltar Lula escancarou ferida na estrutura do poder no Brasil ▬ nos três, de forma particular no Judiciário. Episódio sintomático, exibe ensaio de imprimir rumo estável a qualquer custo. Todos viram, o writ foi acolhido sofregamente por magistrado ativista, encardido militante petista, filiado ao PT entre 1991 e 2010; em 2011 escolhido por Dilma Rousseff no quinto constitucional para assumir seu posto. A situação caótica no Poder Judiciário vem sendo estimulada há tempos; não é de hoje o mau exemplo despenca impune do alto.

Onde vale menos de um tostão furado o respeito à lei, onde o Judiciário é concebido, à maneira dos países comunistas (e agora na Venezuela) como instrumento da revolução, o que pode esperar o povo? Está órfão, cada vez mais entregue à sanha dos tiranos do Judiciário. Órfão é o que, na falta de forças próprias, fica sem proteção, inseguro, sem rumo, exposto ao pior. Nossa situação.

Indefesos, agridem-nos manifestações de prepotência e deboche de figuras representativas do Judiciário. O mais grave, é comum serem provenientes de magistrados do Supremo, dando as costas para exemplos de comedimento e retidão de caráter, aos quais seria normal emular, deixados por Epitácio Pessoa, Nelson Hungria e tantos outros. É claro, desaferrolham a rota para o caos. A turma demolidora desembesta “tinindo nos cascos” (no caso específico, era a promessa do ministro Lewandowski na sua intenção bastarda de proteger o ex-ministro José Dirceu). No trajeto, a farândola da devastação acavala vilanias contra adversários, evidenciando ao povo traumatizado em quem mãos foram colocados os instrumentos que o dirigirão. Também como exemplo, só lembro (nem dá para transcrever, mas estão na web, 11.8.2012) o efeito vitriólico das ponderações sensatas do jornalista Ricardo Noblat sobre o ânimo do antigo subordinado de José Dirceu, próximo presidente do STF, ministro José Dias Tóffoli. Uma amostra do monturo jogado na face dos brasileiros: “O Zé Dirceu escreve no blog dele. Pois outro dia, esse canalha o criticou. Não gostei de tê-lo encontrado aqui. Não gostei. Chupa. Minha p. é doce. Ele que chupe minha p.” Estão em patamar parecido manifestações debochadas de Gilmar Mendes e arroubos de irresponsabilidade faceira do ministro Marco Aurélio Mello. E ainda de outros ministros, quando fazem tábula rasa das disposições constitucionais sobre o casamento e o respeito à vida. A respeito, o ministro Luiz Fux foi de clareza solar: “Essas questões todas deveriam, realmente, ser resolvidas pelo Parlamento. Mas acontece uma questão muito singular. O Parlamento não quer pagar o preço social de decidir sobre o aborto, sobre a união homoafetiva e sobre outras questões que nos faltam capacidade institucional. Como eles (parlamentares) não querem pagar o preço social e como nós não somos eleitos, nós temos talvez um grau de independência maior porque não devemos satisfação depois da investidura a absolutamente mais ninguém”. Com preço social quis dizer, temor de não serem reeleitos, porque o eleitor é conservador. Então, atropela-se a vontade popular via Judiciário, para impor a agenda de setores libertários encarapitados em posições de relevância. Em sintonia com Luiz Fux, Luís Roberto Barroso tem preocupante teoria “iluminista” de rejeição da vontade popular, quando conservadora: “O papel iluminista deve ser exercido em conjunturas nas quais é preciso empurrar a história. Em alguns momentos cruciais do processo civilizatório, a razão humanista precisa impor-se sobre o senso comum majoritário.” Senso comum majoritário é disfarce para a vontade majoritária da população. Se for conservadora, pontapé nela, disfarçado pela linguagem culta e educada. Tais opiniões obscurantistas, contraditórias com o dogma democrático da soberania popular, de fato, iluminam muito o quadro geral. Outra orfandade.

Há diferentes formas de se sentir órfão. Uma delas, talvez a mais pungente, o pai, mesmo presente, faz o filho se sentir órfão, quando apunhala sua função natural de “role model”. Pais em relação a filhos, dirigentes em qualquer esfera frente a subordinados.

Volto ao juiz Favreto. Os efeitos imediatos do ativismo do dr. Renato Favreto foram contidos na nascente pela reação pronta de quatro outros juízes: Sérgio Moro, Gebran Neto, Thompson Flores e Laurita Vaz. Está se vendo, graças a Deus a contaminação não atingiu o corpo inteiro.

A ministra Laurita Vaz, presidente do STJ, foi mais contundente e clara. Transcrevo trechos de sua decisão ao negar provimento ao habeas corpus impetrado pelo advogado Sidney Duran Gonçalez. De início, a juíza manifesta perplexidade pelo pedido de habeas corpus: “Depois de percorrer todas as instâncias do Poder Judiciário Brasileiro, a questão foi ressuscitada por advogados que peticionaram estranhamente perante determinado Juízo de Plantão”. Importa notar o estranhamente e o determinado. Insinuam contubérnio, conchavos de bastidor.

O desembargador Fraveto esteou a argumentação no “fato novo” de Lula ser pré-candidato à Presidência. Seus direitos estariam sendo coarctados, quebrando a igualdade e isonomia, determinadas pela Constituição, entre todos os pré-candidatos. A ministra refuta a arteira alegação e destaca a agressão à ordem jurídica representada pela decisão do desembargador Fraveto: “inusitada e teratológica decisão que, em flagrante desrespeito à decisão colegiada da 8ª Turma do TRF da 4ª Região, ratificada pela 5ª Turma do STJ e pelo Plenário do STF, erigiu um “fato novo” que, além de nada trazer de novo ▬ pois a condição de ‘pré-candidato’ é pública e notória há tempos ▬, sequer se constituiria em fato jurídico relevante para autorizar a reapreciação da ordem de prisão sob análise”. Continua: “Causa perplexidade e intolerável insegurança jurídica decisão tomada de inopino, por autoridade manifestamente incompetente, em situação precária de plantão, por meio de insustentável premissa. Diante dessa esdrúxula situação processual, coube ao Juízo Federal de primeira instância, com oportuna precaução, consultar o Presidente de seu Tribunal”. Fala ainda a ministra, “tumulto processual sem precedentes na história do direito brasileiro”.

Não tem precedentes, mas é prenunciativo. O Judiciário está incrustado de fravetos, contaminado, com maus exemplos desbarrancando do alto. Tal poder é municiado por egressos de universidades lotadas de professores fravetos. Processo enraizado, difícil de ser interrompido. E assim temos infecção, mortífera se não combatida, para muitos anos, décadas, provavelmente. O vírus em sua mutação atual: o bolivarianismo, xodó do PT, cultivado em caldos de cultura Brasil afora, até em sacristias e seminários. Mais um sintoma de nossa trágica orfandade de setores diretivos (elites nos mais variados campos) que possam encaminhar o Brasil rumo a um futuro de grandeza cristã.

sábado, 7 de julho de 2018

Escorraçando marajás a vassouradas


Escorraçar marajás a vassouradas

Péricles Capanema

Jânio Quadros (1960) e Fernando Collor de Mello (1989) se elegeram despregando a bandeira do combate à corrupção. Fácil de compreender, o assunto irrita pronto, o eleitor logo se sente lesado e responde no voto. Votos de protesto, “contra tudo o que está aí”.

“Varre, varre, vassourinha / Varre, varre a bandalheira / Que o povo já tá cansado / De sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado / Jânio Quadros é a certeza de um Brasil moralizado / Alerta, meu irmão / Vassoura, conterrâneo.”

O “caçador de marajás” calcou a mesma tecla. “Essa vidinha tão boa / Vai terminar / Olha que tá chegando o homi / caçador de marajá.” Marajá, para quem não sabe, era o funcionário público privilegiado, altos salários, estabilidade, férias garantidas e prolongadas.

Corto, deixo o passado, volto à eleição do México no último 1º de julho. Existem pontos importantes ainda a tratar, podem ajudar a compreender a confusão da situação brasileira.

As denúncias da corrupção generalizada elegeram Andrés Manuel López Obrador (AMLO) no México, desaguou nele o voto “contra tudo o que está aí”, Establishment político, conluios, roubalheira, violência. Contou ainda a promessa de acabar com a impunidade. Como no caso de Jânio e de Collor.

Três anos depois de fundado, o MORENA (Movimento de Regeneração Nacional) conquistou a Presidência da República, conseguiu maioria na Câmara e no Senado, a prefeitura da Cidade do México. Das oito eleições estaduais, venceu em quatro.

Para vencer, o MORENA quis ter aliados à direita. Uniu-se ao PES (Partido do Encontro Social), agrupação ancorada na chamada direita evangélica, conservadora em temas morais e sociais (família, aborto, casamento homossexual). Em seu primeiro discurso, o presidente eleito tranquilizou: “Não agiremos de forma arbitrária, não haverá confiscação nem expropriação de bens. Erradicar a corrupção e a impunidade será a missão principal do novo governo.” Palavras anestesiantes. Quem pode ser a favor da corrupção? Quem quer a impunidade?

Caso AMLO coloque ênfase nas medidas propriamente de esquerda, mesmo no terreno moral, como favorecimento do casamento homossexual, facilidades para o aborto, dificuldades maiores para a família tradicional, o povo o rejeitará. Por quê? A eleição favoreceu a esquerda, é verdade, mas não evidenciou migração da opinião pública para a esquerda. Mostrou apenas que não teme favorecê-la para obter o que deseja. Caiu a rejeição à esquerda nesta eleição, sem aumentar o apoio e a simpatia. Continuando frágil a sustentação esquerdista, AMLO tem pouco espaço de manobra, precisará pisar em ovos para não se isolar. E medidas muito radicais lançarão rapidamente a opinião pública contra ele.

Futuro? Dependerá de como vai reagir o povo mexicano. Mas não só.  Não convém irritar em demasia o vizinho do Norte, para lá vão 80% das exportações mexicanas. Tem a respeito proposta potencialmente explosiva: a aproximação com a China. Obrador manifestou intenção de investir 5% do PIB em infraestrutura (a porcentagem atual é 2,6%). Não existe dinheiro.  saída: “A China está muito interessada em investir em projetos mexicanos”. Caminhará por aí? Como reagirão os Estados Unidos?

Em resumo, o programa do novo governo será sempre retroceder no rumo da esquerda na economia, nos costumes, nas leis. Dois fatores podem minorar o desastre: reações vivas nos Estados Unidos e na opinião pública interna.

Falava do Brasil. Aqui também a eleição pode ser resolvida com base na exasperação justa contra a corrupção e a violência, na ânsia de que acabe a impunidade. Não custa lembrar, apenas 15% dos homicídios têm autoria esclarecida. No roubo à mão armada, de 1 a 2%. A mais, estima-se que a maioria dos assaltados nem vá à delegacia, sabe que não vai adiantar nada. A elucidação do crime do colarinho branco está no mesmo patamar.

Três lições: eleição de Jânio, de Collor e de Obrador. É pouco, para dizer o mínimo, votar apenas com esteio na exasperação emocional contra a corrupção, violência e impunidade, contra “tudo o que está aí”. Moral da história, escorraçar marajás a vassouradas pode até ser bom começo, mas não garante porto seguro. Faltam três meses para aportar, o barco está na tempestade. Se houver desorientação na hora de escolher o porto, teremos retrocessos pela frente. Como no México, mesmo com a opinião pública com fortes traços conservadores, por falta de rumos, o povo pode acabar sufragando o populismo, a demagogia, candidatos de esquerda.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Brasil e México perderam de goleada


Brasil e México perderam de goleada

Péricles Capanema

A eleição de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) representou derrota acachapante para todos os povos da América Latina. Repito, não só o México perdeu (estamos diante de um grande país, não é uma Nicarágua, um El Salvador); todos perdemos de goleada. O caudilho eleito assume em 1º de dezembro, e só nos resta esperar prevenidos o pior, pois sentiremos logo efeitos deletérios da atuação de AMLO.

Parafraseio dito conhecido: diga-me quem te elogia e te direi quem és. O político mexicano está sendo jubilado por líderes representativos de políticas de esquerda que sempre trouxeram miséria e sofrimento para seus povos. E há muita mentira pelo meio. Primeiro, os elogios. Depois, as mentiras.

Evo Morales afirmou que o triunfo de Obrador escreverá “nova página na história da dignidade e soberania latino-americana”. Nicolás Maduro saudou-a como “o triunfo da verdade sobre a mentira”. Dilma Rousseff imagina, a eleição “será uma vitória não apenas do México, mas de toda a América Latina”. Cristina Kirchner, no mesmo diapasão, o triunfo de Obrador “é uma esperança não apenas para o México, mas para toda a região”. Já chega, né? O tom é o mesmo nas milhares de congratulações e manifestações de alegria dos diferentes quadrantes da esquerda, desde a mais carnívora, até a mais herbívora. Raul Castro, Maduro, Evo Morales sentem que a situação deles melhorou. Melhorou também a de Lula no Brasil. Se estão satisfeitos, coisa boa não vem por aí, fico triste.

Falo agora a respeito das mentiras. Muita gente vem dizendo que é o primeiro triunfo da esquerda no México. Santo Deus! Lá a esquerda está no poleiro desde começos do século 20. E vou deixar de lado o século 19. Aqui reside boa parte dos motivos pelos quais o México não vai para a frente. Empantanou no retrocesso e afundou no atraso, apesar de condições potencialmente favoráveis, como a riqueza de petróleo.

Está todo mundo esquecido de que o México foi o país escolhido por Leon Trotsky para se asilar (1937), de que o governo mexicano nunca rompeu com Fidel Castro? Por anos, foi o único país latino-americano a manter relações com Fidel Castro. O PRI, no poder de 1929 a 2000 por meio da ditadura efetiva, da fraude e da corrupção, é membro da Internacional Socialista. Tudo isso deixa sequelas.

Apesar da história incontroversa, o site do PT, em artigo celebrando a vitória de López Obrador, descaradamente proclama: “Sua vitória põe fim a um domínio de quase 90 anos da direita e centro-direita na política mexicana”. À vera, apenas de 2000 a 2012 o México teve governos com propensão liberal na economia.

Repito o óbvio, a esquerda vem infelicitando o México há décadas. Ninguém padece impunemente o infortúnio de governos de esquerda. E com isso, a carga de coletivismo, burocratização da vida, intervencionismo, estatismo, corrupção lacera fundo os ombros do povo mexicano. Tudo o indica, tais mazelas vão se agravar nos seis anos à frente, período do mandato de López Obrador.

Só um exemplo. A reforma agrária mexicana, medida xodó de todo tipo de esquerda, começou forte na década de 10 do século 20. Esse disparate entre nós deu seus passos iniciais bem mais tarde, com a criação da SUPRA (Superintendência de Reforma Agrária) em 11 de outubro de 1962 no governo João Goulart. Depois se agravou muito com os desastres em série que conhecemos.

No México, de 1911 a 1992 (71 anos com espada de Dámocles sobre os produtores) o governo expropriou mais de 100 milhões de hectares de terras, o equivalente a dois terços das terras agriculturáveis. Melhorou a situação do campo? Não, como aqui, foi desastre ininterrupto, dinheirama torrada, fracasso de 70 anos. Hoje, parte dos camponeses foge espavorida rumo aos Estados Unidos (onde ninguém pensa em reforma agrária), para trabalhar lá como mão de obra barata, ganhando muito mais que no seu país natal, em que foram presenteados pela reforma agrária redentora. Acontece o mesmo em Cuba, agora na Venezuela. Os pobres tentam delas escapar, chicoteados pela fome e desesperança, têm horror dos efeitos das políticas sociais generosas de seus redentores socialistas. Debandam atraídos pela esperança de dias melhores nas egoístas sociedades capitalistas.

Queria falar de outra coisa ainda. A revolução mexicana, da qual Obrador é herdeiro confesso, perseguiu a Igreja, roubando-lhe terras, nacionalizando propriedades, fechando conventos, proibindo culto público e educação religiosa, vestes talares nas ruas, assassinando padres, freiras e fieis. Foi das mais furibundas manifestações do ódio religioso nas Américas. Perseguidos, morreram como mártires ou soldados cerca de 30 mil cristeros durante a insurreição dos católicos inconformados (a reação cristera). Muitos deles foram beatificados ou canonizados pela Igreja.

Entre todos, avulta-se a figura do sacerdote jesuíta Miguel Pro, fuzilado. Tombou bradando “Viva Cristo Rei”. São dele os extratos de uma poesia-oração a Nossa Senhora das Dores que transcrevo abaixo:

Deixai-me viver a Seu lado, minha Mãe
Para fazer companhia a sua solidão
Eu não quero no caminho da minha vida
Desfrutar da alegria de Belém, adorando o Menino Jesus
Eu não quero desfrutar em sua humilde casa de Nazaré
Eu quero em minha vida
O desprezo e a zombaria do Calvário
Quero, ó Virgem dolorosa, estar perto de ti, em pé.

Beato Miguel Pro, rogai por nós, ajudai o México, sua pátria em perigo, enormemente necessitada de sua intercessão.