sábado, 30 de junho de 2018

Copa do Mundo em Helsinque


Copa do Mundo em Helsinque

Péricles Capanema

A final da Copa do Mundo se dará em 15 de julho no Estádio Luzhniki, em Moscou. Grandes repercussões esportivas, celebrações e tristezas, que pouco a pouco se apagarão. Outra final, mais importante, acontecerá um dia depois, a 1124 quilômetros dali, em Helsinque. Grandes repercussões políticas para todos, especialmente de imediato para os europeus. O que muitos temem, agravar-se-ão ao longo dos dias.

O Kremlin e a Casa Branca anunciaram simultaneamente, Donald Trump e Vladimir Putin se reunirão em Helsinque, 16 de julho. Sarah Huckabee, porta-voz do governo dos Estados Unidos, afirmou que as discussões versarão sobre segurança. O conselheiro Acácio dificilmente melhoraria a frase. Sauli Niinistö, presidente da Finlândia, por sua vez, garantiu que a agenda da cúpula será discutida nas duas próximas semanas.

De fato, nos bastidores, os temas já estão sendo aventados, há semanas provavelmente. E a cume dos dois líderes mundiais só se dará porque acerca dos assuntos a serem divulgados em Helsinque já houve acordo substancial. E também houve concordância, pelo menos nas linhas gerais, a respeito dos assuntos ventilados em reserva, e que não serão informados ao público.

O encontro dos dois presidentes, o terceiro, será mais importante, sob muitos aspectos, pela simbologia e pelo clima criado em Helsinque palas duas superpotências. Antes haviam se reunido meio de passagem por ocasião do G-20 em Hamburgo, julho de 2017, e durante a conferência da APEC (Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico) em novembro de 2017. Agora é diferente, viagem só para o encontro, os Estados Unidos e a Rússia vão se encontrar para tratar dos seus mais importantes assuntos comuns.

Do local escolhido emana simbologia. Em Helsinque estiveram junto Gerald Ford e Brejnev em 1975, do que resultou aprofundamento da détente (distensão). Ali se reuniram também George Bush e Gorbachev em 1990, no ambiente da glasnot e da perestroika, e ainda Bill Clinton e Boris Yeltsin em 1997. Sob vários aspectos, como em ocasiões anteriores, o mais importante será o clima que resultará da conferência.

E os assuntos? Lembro a frase conhecida, atribuída ao senador Valadares, “reunião, só depois do assunto decidido”. Já houve decisões. Na diplomacia e na política sempre foi assim. Os negócios provavelmente tratados causam temores nas capitais europeias. Declarações recentes do Presidente dos Estados Unidos a propósito não tranquilizaram: “Já disse desde o primeiro dia ▬ estar bem com a Rússia, estar bem com a China, estar bem com todos é coisa muito boa”.

Estar bem com a China, estar bem com a Rússia, já deixa muita gente mal à vontade, pois com que subliminarmente delimita o campo só para três grandes players. O restante vai para o segundo plano. Ademais, hoje estar bem com a Rússia, significa não estar bem com todo mundo. Muita gente vai ser prejudicada na política de estar bem com a Rússia. Quem?

O caso da Crimeia está na pauta. Pelo jeito, os Estados Unidos caminharão para acomodação, deixando a Europa isolada. Com o tempo, a Europa tenderá também à acomodação, é a esperança de Moscou. De outro lado, a situação da Ucrânia apresenta pontos semelhantes. Daí, como ficarão as nações que fazem fronteira com a Rússia? Que valor têm as atuais garantias norte-americanas relativas à efetiva independência delas?

O grande tema do encontro começa a aparecer claro: zonas de influência. Os Estados Unidos deixarão que imerja uma ainda não oficial zona de influência russa? Existiu na prática durante toda a Guerra Fria. Voltará?

Outros temas. O futuro da Síria. Relações entre Pequim, Washington e Moscou. Não foi veiculado, mas existe ainda sobre a mesa o apoio russo ao regime de Nicolás Maduro, ingerência brutal e crescente na América do Sul. Como reagirão os Estados Unidos?

Donald Trump estará em Bruxelas em 11 e 12 de julho para reunião da OTAN ▬ encontro de Chefes de Estado. Depois irá à Inglaterra em 13 de julho. Londres se sentiu enfraquecida em sua posição de isolar Vladimir Putin com o anúncio da cúpula na Finlândia. A seguir, no dia 16, o presidente dos Estados Unidos encontrará Vladimir Putin. Ele não poderá em Bruxelas reafirmar fortemente os laços com a OTAN ▬ organização fundada para fazer frente ao expansionismo soviético e hoje barreira contra os sonhos do grão-nacionalismo imperialista de Putin ▬, se quiser trombetear êxitos em Helsinque. E nem é provável que apoie a posição firme de Londres em relação ao autocrata russo. Para chegar em Helsinque com possibilidades de triunfo publicitário, o presidente dos Estados Unidos precisaria pôr algum bemol no endosso público aos objetivos da OTAN e à diplomacia de Therese May em seus esforços para conter o expansionismo russo.

Em vista das preocupações provocadas pelo quadro geral, John Bolton, assessor para a Segurança Nacional, procurou jogar água na fervura: “Não penso que devamos, necessariamente, esperar resultados específicos ou decisões. É importante, depois de certo tempo sem cúpula bilateral, permitir que os presidentes conversem sobre todos os temas que queiram, seja privadamente ou em reunião ampliada. Seguiremos suas diretrizes depois de tais discussões”.

Nessas circunstâncias, só fatos ▬ e não palavras ▬podem acalmar. Daqui a duas semanas conheceremos os resultados de verdadeira final de Copa do Mundo no âmbito político. Os divulgados. Acalmarão? Que Deus nos ajude!

quarta-feira, 27 de junho de 2018

De Estado soberano a Estado cliente


De Estado soberano a Estado cliente

Péricles Capanema

Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos, desembarcou em Brasília na 3ª feira, 26 de junho. De lá foi para Manaus. No aeroporto manauara, não o esperavam nem o governador nem o prefeito da cidade. Ficou dois dias entre nós.

O presidente Donald Trump ainda não veio ao Brasil. Em quase dois anos de governo, visitou a Itália (duas vezes), o Vaticano, Bélgica, Canadá, China, França, Alemanha, Israel, Japão, Filipinas, Polônia, Arábia Saudita, Cingapura, Coreia do Sul, Suíça, Vietnã.

Ampliando, até agora não visitou apenas o Brasil, de fato não pôs os pés em nenhum país da América Latina, coalhada de tradicionais aliados. A situação reflete deprimente realidade, nem é preciso comentar ▬ para ambos os lados. Os fatos urram. De passagem, está marcada para 30 de novembro próximo visita de Donald Trump a Buenos Aires para a reunião do G-20.

Em boa parte, política é símbolo. Em certo sentido, é sobretudo símbolo. Que a constatação leve a um trabalho sério para aumentar objetivamente a importância da América Latina.

Repito, Mike Pence desembarcou em Brasília. A primeira gestão do mandatário, tentou coordenar com as autoridades brasileiras atitude mais enérgica em relação a Caracas. Mais que mera gestão, veio para isso. Deveria ter sido recebido com entusiasmo por tal objetivo.

Fracassou redondamente. Nosso chanceler jogou um balde de água fria na esperança do norte-americano que, no caso, só queria mais efetividade e menos lero-lero na compaixão que sentimos do povo venezuelano e maior consciência das ameaças pelas quais passa o Brasil. Disse o vice-presidente dos Estados Unidos: “O Brasil liderou esforços para expulsar a Venezuela do Mercosul, uniu-se aos EUA para suspender a Venezuela da OEA. Agora, chegou a hora de agir com mais firmeza, e os EUA pedem ao Brasil e às outras nações mais atitudes contra o regime de Maduro”.

O recado era direto: chegou a hora de atuar com mais firmeza, de resolver o caso. A resposta brasileira foi também direta: chegou nada, não vamos proceder com mais firmeza, vai continuar o lero-lero, azar do povo venezuelano. Sublinhou o chanceler Aloysio Nunes Ferreira, ao frisar que a posição dos EUA sobre a Venezuela não coincide totalmente com a do Brasil. “Somos contra qualquer iniciativa unilateral em matéria de sanções. Para nós, o tema da Venezuela está colocado onde deveria estar colocado: na OEA, a Organização dos Estados Americanos”.

Quem de momento mais sofre com as atitudes lenientes do Brasil com a ditadura de Maduro? O povo venezuelano. Quem poderia estar se deliciando com a frieza e o distanciamento do Brasil em relação aos Estados Unidos? A esquerda em geral, claro, em especial a China comunista. Pode ter dividendos amazônicos, é o que veremos.

Quem sofrerá duramente no futuro, se o rumo não for mudado? Nós. Volto a assunto que nenhum brasileiro esclarecido deveria situar fora de suas preocupações. Michel Temer não visitou Washington. Donald Trump não visitou Brasília. Michel Temer visitou Pequim. Xi Jingping, presidente da China, já visitou Brasília. Lembro, política é símbolo.

Política é realidade. Estamos nos lances iniciais de uma gigantesca disputa comercial entre Estados Unidos e China que pode degenerar em guerra comercial generalizada e daí, sabe Deus, em embates até piores. Em tais choques, a China, perdendo mercado dentro dos Estados Unidos, pela força das circunstâncias buscará novos fornecedores e novas parcerias.

À primeira vista, situação favorável para o Brasil. Poderá substituir os Estados Unidos no fornecimento de numerosas commodities e apresentar oportunidades de aplicação de capitais. É, aliás, o que já divulgam setores ligados aos interesses chineses no Brasil. E vão continuar procurando criar clima de simpatia pela posição chinesa, por apresentar reflexo favorável aos interesses brasileiros. De parceiros comerciais seríamos alçados à condição de aliados estratégicos. Balela, soft power diplomacia.

Respigo repercussões iniciais de fenômeno perigoso com potencial gigantesco de expansão. “Para o chinês, o investimento não é resultado de uma parceria geopolítica, ele é parte dessa parceria”, declarou Eduardo Centola, sócio do Banco Modal, instituição parceira da estatal CCCC (China Communications Construction Company). Aliás, a bem dizer todo o investimento chinês no Brasil provem de estatais chinesas.

Talvez o sr. Centola não tenha percebido, mas parceria geopolítica, por ele tanto elogiada, o que é? Geopolítica. Obviamente, favorecer interesses chineses nessa parte do mundo. Qual deles salta logo à vista? Sitiar os Estados Unidos. Aqui está tarefa à qual se prestaria o Brasil.

Vamos adiante. “A China olha o Brasil como um país onde pode escoar capital, tecnologia e capacidade ociosa”, corrobora Kevin Tang, diretor-executivo da Câmara de Comércio Brasil-China.

Satisfeita pelo novo quadro, constata Marianna Waltz, diretora da agência de risco Moody’s; “o Brasil faz parte da estratégia global [da China] de garantir acesso à matéria-prima e de construir a infraestrutura necessária para importá-la”. De novo, houve noção da envergadura do que disse? Pois esse é o papel que desempenhavam as regiões colonizadas em relação às metrópoles nos séculos 19 e 20. Forneciam matéria-prima, as potências colonizadoras construíam sua infraestrutura.

Com esse quadro de conjunto, para qual situação o Brasil vai sendo empurrado? Para a de Estado cliente. Estado cliente, para quem anda desmemoriado, é Estado econômica, política, às vezes militarmente subordinado a outro. Sinônimos da expressão, Estado finlandizado, Estado satélite, Estado vassalo, Estado tributário, protetorado.

Fascinado por bruxedos aliciantes, passo pesado, o Brasil bambaleia atordoado numa estrada cujo ponto de chegada ▬ Estado cliente ▬ vem sendo escondido. À vera, a estação de destino ainda está pouco clara até mesmo a muitos de seus setores mais responsáveis. Recorro a Mike Pence, chegou a hora de acordar.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Sem cultura nova, nada feito


Sem cultura nova, nada feito

Péricles Capanema

Eleições próximas, avulta a perspectiva macabra de os eleitos serem do mesmo nível ou ainda piores que nossos representantes atuais. A respeito dos eleitores os analistas falam em indecisão, letargia, indiferença, rejeição, nojo. De forma congruente, chovem nas rodinhas de bar os comentários desanimados, o problema é a cultura brasileira; enquanto não mudar, e vai demorar, nada feito.

De outro modo, empacados em pântano, cabeça confusa e pernas fracas, constatamos aterrados que o problema somos nós. Vamos distinguir, há planos nessa realidade, uns mais fundos, outros chegados à superfície.

As regiões de menor renda necessitam mais do Estado, tendem a votar em programas assistencialistas. O voto assistencialista pode ajudar o populismo e o esquerdismo, tem ajudado ▬ especialmente por favorecer tantas vezes o estatismo e o intervencionismo ▬ mas é apressado confundi-lo com os dois. Muitas vezes esse eleitor apresenta nas camadas mais profundas de sua personalidade preciosos depósitos conservadores.

As regiões de melhor nível econômico precisam menos do Estado, tendem a confiar mais nos instrumentos da sociedade. O foco não é o assistencialismo acima referido, é outro tipo de assistência. Propendem a exigir mais segurança para proteger vida, bens e possibilidades de crescer. E odeiam a bandalheira no Estado, que drena recursos públicos, saídos do bolso do contribuinte.

Em resumo, nos dois casos, vale em primeiro lugar o interesse imediato, muitas vezes legítimo e razoável. O voto aqui, via de regra, tem baixo conteúdo ideológico.

A situação lembra a hoje célebre frase de James Garville, estrategista-mor dos democratas em 1992, “It’s the economy, stupid”, [É a economia, estúpido], dita a outros que com ele trabalhavam na campanha vitoriosa de Bill Clinton. A razão principal do triunfo de Bill Clinton seria a crise econômica. Em março de 1991, economia indo bem, 90% dos norte-americanos aprovavam George Bush. Pouco mais de um ano depois, economia em dificuldades, os eleitores elegeram Clinton

Existe outro tipo de voto, agora com forte carga ideológica. A galáxia do que se poderia chamar esquerda católica, em boa parte de origem burguesa, formada especialmente nas organizações da Ação Católica, vota na esquerda. Foi e vem sendo longo trabalho de esquerdização da juventude, começado já nos anos 30. Constituem exemplos maiores de tal orientação, entre vários, Plínio de Arruda Sampaio, Franco Montoro, Paulo de Tarso. Hoje, seu mais estridente representante é o frei Betto. Dali surgiu também o ex-frei Boff. Nas últimas décadas, deve-se incluir ainda como voto com forte conteúdo ideológico o oriundo das comunidades eclesiais de base, em geral de origem não burguesa.

Outro voto ideológico é de parte da burguesia letrada. Esse pessoal sai da universidade com utopias igualitárias, imagina que seus devaneios revolucionários equivalem a amor à humanidade, desejo de sociedade mais justa. A vida prática às vezes arredonda tais posições, mais pontiagudas na faculdade e nos primeiros anos de formados. Fica a toxina. É provável, encaixa-se aqui a maior parte dos políticos brasileiros, aninhados em todos os partidos. E eles têm eleitorado expressivo, além de serem tarimbados nas tretas de manipular votantes. Entre milhares saltam à memória FHC e Serra. Está aqui a grande maioria dos políticos do PT, PSOL Rede, PDT. Todo esse universo, mesmo que alguns falem em apoiar candidato de centro, quer um rumo esquerdista para o Brasil. Quando menos, seu centro tem viés de esquerda.

O conjunto acima pode facilmente empurrar o Brasil para a esquerda em 7 de outubro. E rumo esquerdista é namoro com a tragédia venezuelana ou cubana. Nunca é bom esquecer: o populismo favorece o esquerdismo; este, o comunismo.

Indispensável ainda notar a presença no quadro de uma mentalidade estatizante e intervencionista em amplas parcelas do público. É um público que tem faixas inimigas da bandalheira e favorecedora da ordem pública; em tais casos, pode apoiar medidas contrárias às esquerda.

Rota diversa. Outro voto ideológico é o denominado, com muita amplitude, evangélico, em geral conservador em matéria moral. Tende a sufragar a chamada ▬ por vezes de forma irônica, em outras até mesmo depreciativa, em outras simpática ▬ bancada BBB, Boi, Bala, Bíblia, bancada ruralista, bancada defensora de maior segurança, bancada evangélica.

Ainda se deve ver como voto ideológico na mesma direção a crescente postura favorável à privatização, iniciativa privada, Estado menor. São agora impensáveis atitudes como a de Geraldo Alckmin em 2006 se deixando fotografar canhestra e ridiculamente com logos das estatais na jaqueta.

O quadro acima repercutirá profundamente em 7 de outubro. E, tudo o indica, também nas próximas eleições. São fenômenos por demais enraizados para acabarem da noite para o dia. Falei de realidades no curto prazo, a seguir voltarei atenções para o longo prazo.

Viremos o disco. No longo prazo, tem razão o pessoal lembrado acima, a situação da opinião pública no Brasil não muda de chofre e enquanto persistir a presente cultura, não nos assiste o direito de prognosticar dias melhores.

Entramos na parte mais importante do artigo, que coincide com seu final. Veremos abaixo, simples assim, apenas o revigoramento do que nossa cultura tem de melhor, pode garantir futuro de grandeza cristã para o Brasil.

(Não é desvio). Amigo muito caro, hispano, olhar fino e objetivo, conhecedor do Brasil, dias atrás quis falar comigo sobre aspectos de nossa cultura. Por que lhe interessa a conversa? Entre outros motivos, percebe, quem sabe com inteira clareza, o debate do tema lhe pode aperfeiçoar a alma, aspiração nobre. Assoma aqui aspecto importante, a universalidade da cultura brasileira (de fato, de qualquer cultura, umas mais, outras menos). Compreendê-la bem, enriquece, torna mais saudável e viva a própria cultura.

(Volto). Não tratarei das várias acepções de cultura. Só de uma, sua acepção mais ampla. André Malraux tem definição à altura do gênio francês; “la culture est l'héritage de la noblesse du monde” ▬ a cultura é a herança da nobreza do mundo. Assim, a cultura é a herança perene de tudo o que é nobre em um país. No caso nosso, é cultura brasileira todo o acervo do que foi nobre no Brasil. Compete a nós preservá-lo, aperfeiçoá-lo, reclama aprimoramentos de alto a baixo em todas as condições sociais.

A narrativa ganhará luz caso, a respeito do conceito de cultura, contemplarmos faíscas do professor Plinio Corrêa de Oliveira em conferência de 13 de novembro de 1954 no Seminário Central de São Leopoldo: “No âmago da noção de aprimoramento, está a ideia de que todo homem tem em seu espírito qualidades susceptíveis de desenvolvimento e defeitos passíveis de repressão. Significa crescimento do que é bom, poda do que é mau. A reflexão é o primeiro dos meios dessa ação positiva. Contudo, a mera reflexão não basta. O homem não é puro espírito. Por uma afinidade que não é apenas convencional, existe um nexo entre as realidades superiores que ele considera com a inteligência, e as cores, os sons, as formas, os perfumes que atinge pelos sentidos. O esforço cultural só é completo quando o homem embebe todo o seu ser, por estas vias sensíveis, dos valores que sua inteligência considerou. O canto, a poesia, a arte têm exatamente este fim. E é por um acurado e superior convívio com o belo, que a alma se embebe inteiramente da verdade e do bem”.

Continua Plinio Corrêa de Oliveira: “É bem de ver que a cultura, assim conceituada, deve ser nutrida pela seiva doutrinária da Religião verdadeira. Só da atmosfera espiritual criada pelo convívio de almas profundamente católicas pode nascer a cultura perfeita”.

Falei de realidades imediatas, depois elevei o olhar, tratei a questão sob o prisma do longo prazo. Acabou o espaço, não dá para entrar em características da cultura brasileira. Ficam para outro dia. O título do artigo poderia ser: Sem cultura autêntica, nada feito. Ou, mais preciso: Sem cultura verdadeira, pouca coisa a fazer.

domingo, 3 de junho de 2018

Carga pesada


Carga pesada

Péricles Capanema

Vai e vem; e vem e vai sem fim. Em evidência nos últimos dias, o caminhoneiro é das profissões mais simpáticas do Brasil. Trabalho duro, perigoso, espinhento. Sofre trombadas, não capota, segue na pista. Empreendedor, esbanja energia para crescer; sabe, vitamina de motorista é poeira. O carroceiro é seu parceiro, pequeno caminhoneiro das antigas cidades do interior (e até das capitais). Foram longe na estrada da vida, grandes fortunas no Brasil têm origem na carroça, no assento e no burro (hoje, na carroceria, na boleia e no motor).

Breca. No começo da paralisação recente veio desse acervo grande parte do enorme apoio público de que gozaram. Gente sofrida, era preciso apoiá-la. Imediatamente depois a paralisação foi vista como oposição a “tudo o que está aí”, corrupção, privilégios malucos, gastança. Era também para consertar o Brasil, ampliou em muito a aprovação.

O apoio murchou na hora em que as telas mostraram as cenas de desabastecimento, apodrecimento e morte da produção, suspensão de cirurgias, gritarias de produtores rurais, advertências de economistas, comida faltando na mesa. Como um pêndulo o sentimento popular correu ligeiro para o outro extremo. De fato, ficou impopular a paralisação, mas se manteve o apreço pelos caminhoneiros. Os políticos e os formadores de opinião, temerosos de lhes faltar chão nos pés, também oscilaram fortemente em poucos dias, o apoio inicial caloroso se fez silêncio ou crítica.

Uma primeira lição, já clara no rescaldo dos protestos de 2013 (lembro outro, também no movimento do Cansei): bobagem confundir oposição séria com exasperação emocional. Na irritação do sentimento existe oposição, mas é pouco aproveitável na maior parte dos casos. E, no longo prazo, ou a emoção se faz princípio e aí gera decisão estável, ou, nada feito.

Na raiz da paralisação está um ponto cada vez mais destacado por fundamental. O crédito subsidiado do BNDES no governo Dilma levou a excesso de compra de caminhões. Financiamento fácil, caminhões demais. Daí excesso de oferta de frete, pois houve queda na demanda por ele. O movimento dos caminhões nas estradas de momento é 26% menor do existente entre 2003 e 2007. Entre 2014 e 2016, último ano nas estatísticas, foram fechadas 72 mil vagas de motoristas. Com a crise, já de uns cinco anos, o setor está asfixiado. O único modo de ter fretes melhores é com o desenvolvimento da economia ▬ aí cresce a necessidade por fretes e sobe seu preço. Não dá para mexer nesse quadro em poucos dias.

Pior ainda, nas últimas semanas subiram forte as cotações do barril do petróleo no mercado internacional, o maior patamar em duas décadas. Provocaram ajustes contínuos no mercado interno no diesel e na gasolina.

A insatisfação explodiu. Como paliativos, foram oferecidos tabelamento, contratação sem licitação por órgãos públicos, diminuição de R$0,46 por litro de óleo. Nos órgãos públicos, aplica-se a tabela. Ali, o caminhoneiro lucra, perde o contribuinte.

Em muitos casos, de particular para particular, o contratante do frete vai fazer cotação. E o caminhoneiro, que já vivia mal, mas vivia desembolsando os R$0,46 que agora não paga, vai baixar ainda mais sua proposta para não ficar parado. A vantagem aqui irá para o contratante do frete. Vai ter um extra à custa do contribuinte. Nota Armando Castelar, economista da FGV: “A concorrência vai aumentar, clientes podem pedir desconto. Esses fatores podem reduzir o valor do frete”. Uma vez mais, o perigo das soluções artificiais.

Fala-se que o governo cedeu muito por estar fraco, sangrando com as denúncias de corrupção. Correto e insuficiente. A razão maior é outra: 7 de outubro. Os políticos governistas estão pressionando, temerosos de derrotas e consequente fim de carreira pública. Podemos esperar mais subsídios, descarados ou disfarçados, no gás de cozinha e na gasolina. Depois das eleições, a conversa provavelmente mudará de tom. Sempre foi assim, são maravilhas da democracia.

Termino com um quem avisa amigo é. Em vários momentos da paralisação, juntaram-se as gritarias da esquerda e de certas direitas, reclamando ou celebrando. Para mim, recordaram de forma canhestra o pacto Ribbentrop-Molotov que uniu os interesses da Rússia Soviética e Alemanha nazista, de Stalin e Hitler, de 23 de agosto de 1939 a 22 de junho de 1941. Fortaleceu ainda a união nazi-comunista o Acordo Comercial Germano-Soviético de fevereiro de 1940. Dois anos, grosso modo, trabalharam em uníssono. Partilharam a Polônia, a Rússia anexou territórios, enviou matéria-prima para o esforço de guerra nazista. E tanta coisa mais. Por que agora trago à baila o pacto Ribbentrop-Molotov? Para despertar desconfianças. Quando virem uniões de esquerda e direita, desconfiem, a direita provavelmente será inautêntica. E a boa causa (em outras palavras, o que resta da ordem temporal cristã) acabará prejudicada. Seguro morreu de velho, o desconfiado ainda vive.